Cidadão português raptado pelos esquadrões da morte
Amigos de Américo Sebastião dizem que a demora no esclarecimento do caso cria desconforto.
O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas veio a Maputo, foi enganado por José Pacheco e ficou sem o que dizer à família e amigos de Américo Sebastião.
O Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) já informou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que não tem elementos nem condições para investigar o caso do desaparecimento de Américo Sebastião, cidadão português e empresário, raptado em 29 de Julho de 2016, em Nhamapadza, província de Sofala, pelos esquadrões da morte. A informação foi dada por uma fonte da PGR em Maputo, que disse que o SERNIC foi lá muito tempo depois e que todos os elementos que podiam constituir ponto de partida das investigações ficaram dissipados.
Essa informação contrasta com a informação que as autoridades de Maputo têm estado a dar ao Governo português e à família.
O secretário do Estado das Comunidades Portuguesas, José Carneiro, esteve em Moçambique de 10 a 13 de Abril, onde teve encontros com o Governo moçambicano e com a comunidade portuguesa que reside em Moçambique. Amigos e família de Américo Sebastião, que se dizem desconfortáveis com a demora no esclarecimento do caso, confrontaram João Carneiro para saber o que está a ser feito com vista ao esclarecimento do caso.
No dia 11 de Abril, durante o encontro com a comunidade portuguesa, Luís Leonor, amigo de Américo Sebastião, perguntou a João Carneiro sobre o que está a ser feito para o esclarecimento do caso. João Carneiro, que, horas antes, teve um encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, José Pacheco, deu como resposta que Portugal está a fazer tudo o que está ao seu alcance, “respeitando o Estado moçambicano, que é soberano”.
Disse também que recebera garantias, por parte de José Pacheco, de que as autoridades moçambicanas estão a trabalhar no assunto.
O certo é que “trabalhar no assunto” não é resposta que satisfaça alguém que não vê o seu familiar há quase dois anos. Este é o caso de Luís Leonor, amigo de Américo Sebastião. Luís Leonor é empresário português, residente na Beira há seis anos. Em entrevista ao “Canalmoz”, disse que Américo Sebastião é seu amigo e família em Moçambique.
“Foi ele que me recebeu. Foi ele que me deu a mão, me ajudou em alguns momentos conturbados no primeiro ano de actividade em Moçambique. Falei com ele alguns dias antes de ter desaparecido”, conta Luís Leonor.
Perguntámos a Luís Leonor se, antes do desaparecimento, Américo Sebastião contara alguma coisa sobre situações de ameaças.
“Nunca me tinha reportado situações de ameaças. Ele deslocava-se constantemente para a mata onde tinha concessões florestais. Tinha trezentos trabalhadores”, disse Luís Leonor, que descreve Américo Sebastião como uma pessoa de bem.
Luís Leonor diz que acredita que, com a visita do secretário de Estado português, algo esteja a ser feito, mas afirma que a demora no esclarecimento do caso cria desconforto.
“Cria desconforto. Para qualquer pessoa que tenha um amigo desaparecido, causa desconforto.”
Os esquadrões da morte, as valas comuns e o desaparecimento de Américo Sebastião
O desaparecimento de Américo Sebastião é visto como um crime com motivações políticas. Segundo relatos de pessoas próximas, Américo Sebastião ia com frequência à mata, onde tem concessões florestais. Durante as suas viagens para a mata, passava por Nhamapadza, perto de uma bomba de combustível onde abastecia a sua viatura. Foi exactamente nessa bomba que, numa sexta-feira, 29 de Julho, foi raptado.
A suspeita recai sobre os esquadrões da morte, um grupo criado pelo regime para eliminar opositores políticos e todos aqueles que o regime pensa que estejam ligados à oposição. Informações disponíveis indicam que os raptores deslocavam-se numa carrinha da marca “Mahindra”, de cor cinzenta, sem matrícula e usavam o fardamento da Unidade de Intervenção Rápida.
Uma reportagem do jornal “Público”, de Portugal, cita João Carlos Campeão, um colega de Américo Sebastião, que se refere a este como sendo alguém que estava constantemente a viajar. Segundo João Campeão, durante as suas viagens, quando vai numa estrada e vê pessoas a andar a pé, pára e dá-lhes boleia. “Eu dizia-lhe: ‘Eh pá, Américo, não faças isso! Dás boleia a toda a gente, nem sabes quem pões dentro do carro. E ele respondia:
‘Não consigo. Já viste quanto tempo é que as pessoas vão ter de andar?’ ou ‘Já pensaste quando é que vão chegar?’. É aquele bom coração dele...”, disse João Carlos Campeão ao jornal “Público”.
Em Maio de 2016 (quase dois meses antes do rapto), residentes na zona descobriram quinze corpos não identificados, por baixo de uma ponte, numa área de limite entre as províncias de Manica e Sofala. No início, as autoridades ignoraram os pedidos de uma investigação rápida e completa e, de seguida, anunciaram que os corpos haviam sido enterrados porque o estado de decomposição tornara impossível a realização de autópsias. O Governo, sujeito à pressão de grupos de Direitos Humanos e da comunicação social, anunciou que iria exumar os corpos e conduzir uma investigação.
João Carlos Campeão disse ao jornal “Público” que “a vala é numa zona onde ele estava a tirar madeira nessa altura” e que, durante uma das suas viagens, deu boleia a um grupo de jornalistas moçambicanos (sem saber que o eram) e lhe perguntaram se sabia onde estava localizada a vala.
Segundo João Campeão, Américo Sebastião levou os jornalistas ao local.
A partir desse dia, o assunto da vala comum ganhou repercussão nacional e internacional. João Campeão conta que, à noite, Américo Sebastião estava arrependido. A descoberta da vala comum e a sua divulgação pela comunicação social não agradou ao regime, que é apontado em relatórios internacionais como sendo o responsável pelo assassinato e abandono dos corpos. Há quem pense que o desaparecimento de Américo Sebastião tenha a ver com o facto de ter levado jornalistas ao local que se encontrava perto da sua concessão. Américo Sebastião tem 43 anos de idade e foi viver e trabalhar para a Beira em 2001. (André Mulungo
CANALMOZ – 18.04.201
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