quarta-feira, 9 de março de 2016

Privar o povo e cavalgar as privações

Julião João Cumbane publicou 2 atualizações.
6 h
A verdade constrói a confiança e a paz efectiva
(Aviso: Este texto é longo e sua leitura completa é recomendável!)


Por várias ocasiões escrevi e partilhei aqui neste 'mural' o que sei sobre a génese e o propósito da criação da Renamo. Quando fiz isso, o meu objectivo não era descredibilizar a Renamo, como assim alguns me interpretaram erradamente. O meu verdadeiro era unicamente promover o conhecimento da verdade, por eu saber e reconhecer que só com a verdade se constrói a confiança e a paz efectiva.

Prosseguindo com o esforço de divulgar a verdade, transcrevo a seguir um texto (por mim editado) da autoria de Castigo Langa. Junto com exte texto, partilho uma ligação que leva a um vído em que o Afonso Dhlakama presta informações sobre as operações realizadas pelo Mozambican National Resistence (MNR)—a hoje Renamo—no interior de Moçambique, durante a "guerra dos 16 anos". No vídeo pode ouvir-se o Afonso Dhlakama a reportar que a Renamo destruiu todos os "campos de concentração", em referência aos campos onde eram acomodados os cidadãos moçambicanos que fugiam das atrocidades da Renamo nas suas aldeias para obter a protecção das forças governamentais durante aquela guerra. Trata-se de uma trecho de uma peça de vídeo que documenta que a Renamo conduzia operações de matança indiscriminada contra populações civis, a mando dos regimes minoritárias da Rodésia (primeiro) e da África do Sul (depois).
O mesmo vídeo atesta as declarações do Ken Flower (KF), no seu livro "Serving Secretly". KF foi chefe do Serviço de Inteligência da antiga Rodésia (hoje Zimbabwe), e, mais tarde, a partir de 1980, do próprio Zimbabwe independente. Esse serviço é conhecido até hoje pela designação de "Central Intelligence Organization" (CIO), com a diferença de que hoje funciona sob comando de outra política, a política do Zimbabwe Independente. A este respeito, vale uma nota especial o facto de que o KF foi mantido como chefe da CIO por Robert Mugabe, sob recomendação de Samora Machel (então Presidente da República Popular de Moçambique), exactamente por este (Samora) saber que o KF tinha sido o arquitecto e mentor da Renamo.
Eis o texto integral do Castigo Langa (por mim editado).
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Privar o povo e cavalgar as privações
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(Fevereiro de 2016)


Em certa ocasião, numa destas grandes reuniões que acontecem em Maputo, estava um ilustre cidadão a falar de forma exageradamente emocionada sobre as vicissitudes porque passam muitas crianças do nosso País. Perguntei ao camarada sentado ao meu lado, por que razão o orador estava a esbaforir-se todo de tanta emoção, porque afinal o tema de que estava a falar era do conhecimento geral e constituía preocupação de todos nós. A resposta do meu vizinho, apesar de ter sido uma frase curta, constituiu autêntica aula sobre a espécie humana. Ele disse assim: «tu não sabes? Aquele decidiu cavalgar as crianças. Ou seja, para chegar onde pretende, esgrime o tema do sofrimento das crianças e monta a sela sobre o seu dorso».

Depois deste episódio tenho visto com muita desconfiança pessoas que exageram na militância sobre certo tema. Vem tudo isto a propósito do nosso compatriota Afonso Dhlakama, com as suas alegadas lutas ora contra o marxismo-leninismo, ora pela democracia, ora contra o roubo de votos e, hoje, contra a injustiça na distribuição da riqueza.
Para perceber o discurso do Afonso Dhlakama, procurei um dos documentos mais autênticos sobre a origem da organização que ele dirige: o livro intitulado "Serving Secretly", escrito por Ken Flower (KF), antigo chefe dos serviços de inteligência da defunta Rodésia do Sul (CIO – Central Intelligence Organization) e mais tarde, a partir de 1980, do próprio Zimbabwe independente.
Em jeito de enquadramento do conteúdo do livro, importa recordar que em 1970, o General Kaúlza de Arriaga, comandante supremo do exército português em Moçambique, lançou a operação Nó Górdio, uma operação militar brutal contra o movimento de libertação nacional dirigido pela Frelimo. Foi de tal ferocidade que até armas proibidas, como bombas de napalm e de fragmentação foram utilizadas. A partir de finais de 1971 era evidente o fracasso dessa operação para conter o combate libertador—o exército colonial perdera claramente a capacidade de iniciativa—, o que constituía motivo de preocupação para os regimes racistas da Rodésia e da África do Sul, pois tinham na colónia portuguesa [Moçambique] uma espécie de zona tampão contra os movimentos de libertação dos respectivos países, nomeadamente a ZAPU, a ZANU e o ANC.
Assim, com a devida vénia passo a transcrever as passagens do livro de KF, que me parecem esclarecedoras quanto à origem da Renamo e das mentiras do Afonso Dhlakama, com a indicação das páginas onde tais passagens podem ser encontradas no referido.
«Em Setembro de 1971, a situação tinha-se deteriorado a tal ponto que sugeri ao Ian Smith que eu voasse para Lisboa para discutir o assunto com o Primeiro-Ministro, o Dr. Marcello Caetano [...], mas era essencial ter a bênção do general Deslandes, o Chefe do Estado Maior General (das forças armadas portuguesas) [...]. [N]ós discutimos (com o General Deslandes), por exemplo, o plano secreto de Portugal, elaborado em 1969 por Jorge Jardim e Dr. Nogueira, de invadir o Malawi, caso o Dr. Banda estivesse em risco de ser deposto e a segurança de Moçambique fosse ameaçada ainda mais» (KF: ps. 116, 117).
«Encontrei-me com o Primeiro-Ministro Português, Dr. Caetano, em Setembro de 1971, para falar sobre a deterioração da situação de segurança em Moçambique e propor que o seu governo usasse a sua influencia para desenvolver "Flechas" [= terroristas] em Moçambique. Infelizmente, a minha intenção foi mal interpretada, uma vez que foi entendida como se fosse uma crítica ao general Kaúlza de Arriaga. […]» (FK: p. 300).
Kaúlza de Arriaga era o Comandante supremo do exército Português em Moçambique; por "Flechas" [= terroristas] referia-se aos falsos combatentes que se iriam fazer passar por combatentes da FRELIMO ou da ZANU, conforme o caso, para obterem informações da população sobre a movimentação e bases dos verdadeiros combatentes, tanto para atacá-los de surpresa como para guiar o exército colonial, por um lado. Por outro lado, os "Flechas" iriam cometer atrocidades contra a população, para minar o apoio às lutas de libertação nacional em Moçambique e no Zimbabwe.
Mais adiante, KF escreve:
«Entretanto, a operação dos "Flechas" em Angola provara ser progressivamente bem sucedida, tendo sido responsável, a certa altura, por 60% de todos os terroristas mortos [....]» (KF: p. 300)
"Terroristas" era como eram tratados os combatentes pela libertação de Angola, particularmente o braço armado do MPLA.
«A situação de segurança em Moçambique continuou a deteriorar-se e, em Março de 1974, fui convidado a Lourenço Marques pelo Director-Geral da [PIDE]-DGS, Major Silva Pais, onde o encontrei a ele e ao Dr. Lopes profundamente deprimidos. Mas, ainda assim, fizeram uma nova proposta à Rodésia (e a África do Sul, se quisesse se juntar à iniciativa) para operar "Flechas" dentro de Moçambique, na base do que eles chamaram de "operações clandestinas não convencionais de africanos locais" [...]. Visitei Lisboa de novo, em Abril de 1974, e confirmei com o Director Geral da [PIDE]-DGS que ele tinha obtido do Dr. Caetano a autorização das operações transfronteiriças [...]. Independentemente das mudanças políticas então pendentes, mantivemo-nos com os mesmos requisitos de defesa como dantes. Seguindo o método "Hot pursuit", as forças de segurança rodesianas mataram mais terroristas da FRELIMO no "distrito moçambicano de Tete", do que o tinha feito o exército português» (KF: p. 301).
"Hot Pursuit" pode ser traduzido como perseguição à quente ou preventiva; "distrito de Tete" era como era conhecido o território da actual Província de Tete.
«Assim, a CIO avançou com o recrutamento de moçambicanos que eram encorajados a 'fazer as suas próprias coisas' em Moçambique, sem confiar no apoio da Rodésia. O surpreendente foi a facilidade com que o "Mozambique National Resistance" [MNR] se desenvolveu, indicando que estávamos a seguir o caminho correcto, particularmente porque mantivemos o movimento pequeno e clandestinamente manejável, durante os primeiros cinco anos, para que servisse de olhos e ouvidos da nossa Inteligência em Moçambique» (KF: p. 302).
(Por 'fazer as suas próprias coisas' significa que o MNR recebia abastecimento logístico e ordens de comando para operar em Moçambique, nunca deviam deixar evidência de que isso era o caso.)
«O [primeiro] ataque ocorreu no dia 9 de Agosto (de 1976). Os 'Scouts' chegaram ao campo envergando uniforme da FRELIMO [referência ao uniforme das Forças Populares de Libertação de Moçambique – FPLM] e em camiões com chapa de matrícula moçambicana. Os homens, mulheres e crianças do campo preparavam-se para continuar com as celebrações iniciadas no dia anterior, para assinalar um feriado. Até ao fim do dia, mais de 1.000 corpos, jaziam no chão, mortos à bala, queimados até a morte ou afogados na tentativa de escapar atravessando o rio Nyadzonia» (KF: p. 151).
«[D]urante o ando de 1977 [....], no dia 23 de Dezembro, a COMPOS (Comando de Operações Combinadas) lançou a "Operação Dingo", o maior ataque até então realizado no interior de Moçambique [...]. Para manter o factor surpresa, face a considerável distância e assegurar uma evacuação segura, teve que ser preparada uma base de reabastecimento e administrativa no interior de Moçambique, uma para Zulu-1 (Chimoio) e duas para Zulu-2 (Tembue). A CIO estava em condições de dar uma ajuda valiosa através dos elementos do MNR que vinham sendo os nossos olhos e ouvidos, nesta área a mais de cinco anos […]. Chimoio foi atacada e dentro de vinte e quatro horas, começou o ataque a Tembue […]. Mais de 2.000 guerrilheiros dos ZANLA foram mortos e pelo menos o dobro desse número ficaram incapacitados devido a ferimentos» (ps. 191, 192).
Encontrando-se em Londres, nas negociações de Lancaster House, KF escreve:
«As notícias de casa eram de que as nossas forças de segurança estavam a atacar, aparentemente de forma indiscriminada, na Zâmbia e Moçambique, atingindo alvos tanto militares como económicos. Maior parte do sistema de transportes de Moçambique, na província de Gaza, foi severamente danificada, com a destruição de estradas e pontes ferroviárias […] [A] ligação ferroviária entre o porto da Beira e as minas de carvão do distrito de Moatize, a norte do rio Zambeze, foi também cortada (KF: p. 244) […]. Fomos também informados sobre as sérias consequências que os nossos continuados ataques militares e as actividades do MNR estavam a ter sobre Machel, cujo país sofria já de graves problemas causados pela danificação das comunicações e escassez de comida» (p. 248).
No seguimento do acordo sobre a independência do Zimbabwe e, portanto, quando o regime de minoria branca ia cessar, KF escreve:
«Em conformidade […], tratei de que todos os que serviam no movimento [MNR] fossem informados de que deveriam reverter para a vida civil; os que desejassem continuar em operações por sua própria conta deviam ser esclarecidos de que não haveria mais qualquer ligação com o Zimbabwe; alternativamente, podiam ser transferidos para o controlo sul-africano» [...]. A resposta da África do Sul foi imediata e entusiástica [...]. Em poucos dias, os arranjos finais foram concluídos e o MNR foi transferido "lock, stock and barrel" [referência para a transferência completa de responsabilidade de gestão do MNR da Rodésia para da África do Sul]. Entretanto eu tinha informado aos britânicos um pouco sobre o envolvimento da CIO com o MNR (eles não desconheciam o assunto) e avisado ao pessoal do Governador que nós tínhamos cortado todas as ligações com o movimento [referência ao MNR]. Subsequentemente, o MNR pareceu ir ganhando cada vez mais força e comecei a ficar preocupado se não tínhamos criado um monstro que já estava fora do nosso controlo» (KF: p. 262).
Importa referir que, a partir de 1980, no seu desespero, o regime do apartheid investiu mais fortemente no treinamento e logística do MNR (hoje Renamo), com transporte clandestino de homens e material de guerra, por terra, ar e mar, para o interior de Moçambique. [Ver "The Silent War – South African Recce Operations, 1969 – 1994", por Peter Stiff, editora Galabo].
No epilogo do seu livro, KF ( = Ken Flower) transcreve uma conversa com o já Primeiro-Ministro Robert Mugabe (RM), e diz:
«Numa das primeiras reuniões, tomei [eu KF] a iniciativa de o informar [ao RM] que eu tinha entregue o MNR aos sul-africanos, para evitar que ele tomasse conhecimento através de outras fontes. Ele não manifestou grande surpresa, indicando que já sabia que eu era responsável pelo MNR. O que me surpreendeu muito foi ouvir Mugabe a dizer que o Presidente Samora me tinha elogiado como um assessor em quem ele podia confiar [...].
«KF: Mas Samora Machel e eu nunca nos encontramos!
«RM: Ele sabe muito sobre ti, caso contrário ele não te teria recomendado a mim!
«KF: Ele sabe que fui eu que iniciei o MNR que lhe está criando tantos problemas?
«RM: Sim!» (KF: p. 273).
...
Das passagens acima transcritas é evidente que a Renamo foi criada pelos rodesianos com o propósito de proteger o governo de minoria branca naquele país, por um lado fornecendo informações sobre as bases e movimentações dos combatentes da ZANU e do exército moçambicano e, por outro, destruindo a economia, para fragilizar o Estado moçambicano. Tanto é assim que, quando em 1980, o Zimbabwe se torna independente, Ken Flower informa aos membros da Renamo que a tarefa deles tinha terminado e que deveriam reverter para a vida civil, a menos que quisessem continuar por sua conta e risco ou passar para as mãos da África do Sul, para quem o tipo de serviços que a Renamo prestava, eram ainda necessários, no âmbito da defesa do regime de apartheid.
Quem mais ainda duvida que a Renamo foi criada e especialmente preparado como um instrumento de desestabilização de Moçambique, sendo que os seus dirigentes (André Matsangaissa, primeiro, e depois Afonso Dhlakama) recebiam dinheiro por esse serviço?
Claramente, a história da "luta contra o marxismo-leninismo" era o cavalo que estava na moda cavalgar, com a simpatia do Ocidente, no contexto da Guerra Fria.
Importa referir que já com a Renamo nas mãos da África do Sul, todos os que tentaram dar um rumo autónomo ao movimento, de tal forma que eventualmente chegasse a um entendimento com o Governo de Moçambique, foram fisicamente eliminados. Tais foram os casos do Secretário-Geral da Renamo, Orlando Cristina assassinado na África do Sul em 1983 e de Evo Fernandez, também ex-secretário Geral, assassinado em Lisboa em 1988. [Nestes assassinatos aventa-se ter havido uma colaboração não oficial entre os serviços de inteligência sul-africanos e moçambicano, nomeadamente a BOSS ( = South African Bureau of State Security) e o SNASP ( = Serviço Nacional de Segurança Popular). Aqui pode presumir-se que perseguindo esta linha de pensamento possa ser possível esclarecer a aparente cabala que resultou no acidente aéreo em que morreu Samora Machel!]
Aliás, se a luta fosse contra o marxismo-leninismo, a guerra teria terminado em 1989, quando a FRELIMO removeu esta ideologia dos seus estatutos e abriu plenamente o País à economia de mercado ou, em 1990, quando foi aprovada a Constituição que introduzia o multipartidarismo.
Apesar da libertação de Nelson Mandela em Fevereiro de 1990, o apartheid enquanto ideologia estruturada, ainda precisava dos serviços da Renamo na sua tentativa de subjugar o Estado moçambicano.
Por outro lado, como o próprio KF reconhece, o monstro tinha crescido a ponto de escapar do controlo do criador e, pelo curso dos acontecimentos, seguramente a liderança deste movimento já considerava possível tomar o poder em Moçambique, pela força ou no mínimo arrastar o conflito para chegar às eleições em posição mais vantajosa.
Por fim veio o Acordo Geral de Paz (AGP) assinado em Roma, em Outubro de 1992, em resultado de um esforço conjugado do Governo do Presidente Chissano e forças vivas da sociedade, com destaque para as confissões religiosas. O AGP resultou da compreensão de que as pessoas que, em resultada da instrumentalização por que passaram para servir os regimes minoritários brancos—primeiro na Rodésia (hoje Zimbabwe) e depois na África do Sul—estavam nas fileiras da Renamo, eram tanto vítimas quanto as sua vítimas e era preciso fazer qualquer coisa para a sua reabilitação. A solução encontrada e julgada apropriada era ajudar a Renamo a converte-se num partido político legal e introduzir a democracia liberal. E bom que se dia que quem pensou nesta solução foi a Frelimo, ouvindo os apelos da sociedade pela voz das confissões religiosas. Portanto, a iniciativa da abertura de Moçambicana para a democracia liberal não foi da Renamo, razão pela qual é uma falácia dizer-se a Renamo lutou pela democracia. Nessa altura, a Renamo nada entendia da democracia, tanto quando nada entende até hoje, razão pela qual de pleito eleitoral em pleito eleitoral a Renamo aparece a provocar distúrbios porque que perdeu.
Entre as cláusulas do AGP, previa-se a criação de um exército único constituído por 30 mil homens, sendo metade de cada uma das partes. Previa-se também a integração na polícia, particularmente na Força de Protecção de Altas Individualidades, de um grupo de combatentes indicados pela Renamo, para a segurança dos seus dirigentes.
O que se viu foi que, em vez de 15 mil homens, a Renamo só entregou 3 mil e, sob as mais diversas alegações, sempre se furtou de apresentar os homens a serem integrados na polícia, para efeitos da segurança dos seus dirigentes. Num dos argumentos da época, para entregar os homens, a Renamo exigia paridade na composição da polícia, uma condição completamente estranha ao AGP (que só preconizava paridade na formação do exército).
Na prática da democracia (que diz falsamente ter sido a causa da guerra dos 16 anos), desde as primeiras eleições multipartidárias, realizadas em Outubro de 1994, a Renamo vem esgrimindo o argumento de "roubo de votos", apesar de a lei eleitoral ter sido sempre aprovada por consenso e praticamente nos termos exigidos por este "partido". O caso extremo foi o das últimas eleições, em 2014, onde depois de se ter acomodado a exigência de paridade na composição das mesas de voto e, Afonso Dhlakama ter qualificado o processo como o mais limpo de todos até então realizados, assim que lhe cheirou à derrota, não hesitou em vir a público dar o dito por não dito e contestar o escrutínio dizendo que foi como "fraudulento".
Ora, na sua contestação dos resultados eleitorais reiteradamente recorreu a desacatos protagonizados por seus homens armados, muitas vezes traduzindo-se na morte de pessoas, destruição de propriedades, perturbação da vida normal dos cidadãos, com graves consequências para a economia do País. Tais consequências traduzem-se no facto de que o boom da economia de Moçambique, nos últimos anos, com um peso elevado dos megaprojectos e, portanto, com uma expressão muito aquém do desejável em termos de criação de postos de trabalho, provocou uma acentuada decepção social face as grandes expectativas de melhoria das condições de vida das pessoas, suscitadas particularmente pelas descobertas de enormes reservas de gás natural na Bacia do Rovuma e pela reactivação das minas de carvão de Tete; isto por outro lado. Por outro há o facto de que o extraordinário investimento realizado no sector da educação, nomeadamente ao nível do ensino médio e superior, multiplicou a quantidade de jovens sedentos de um enquadramento profissional condigno, o que não pode ser satisfeito pela via dos megaprojectos, uma vez que, apesar do elevado volume de investimentos envolvidos, implicam um número relativamente pequeno de protagonistas e beneficiários directos e indirectos. Este ambiente de prosperidade circunscrita, com uma face visível de casas luxuosas, banquetes e viaturas de gama alta, passou a constituir um quadro fértil para as acusações de injustiça na distribuição de riqueza, em particular quando é possível apontar beneficiários de proa do "establishment" ou, de alguma forma, ao mesmo relacionadas. Aí nasceu o cavalo adequado ao momento, para o nosso compatriota Afonso Dhlakama cavalgar: a justa distribuição da riqueza.
A alternativa, ou melhor, o complemento aos megaprojectos, capaz de criar emprego massivo, são as pequenas e as médias empresas, impulsionadas por uma maior injecção de conhecimento científico, para se tornar competitiva, tanto a nível nacional como no contexto da economia global. Ocorre que esta alternativa só é possível num ambiente de paz, que a Renamo e o Afonso Dhlakama vêm perturbando sistemática e deliberadamente, de modo a poderem usar o desemprego da juventude e a distribuição injusta da riqueza como justificação para o recurso à violência armada. Isto é, o Afonso Dhlakama recorrer à desestabilização de Moçambique para afastar cada vez mais as possibilidades de criação de emprego e de aumento da produção e da produtividade, de modo a manter perpetuar a pobreza. Ou seja, o Afonso Dhlakama faz tudo para perpetuar a pobreza do povo moçambicano, porque ele cavalga nesta pobreza para viabilizar os seus interesses pessoais e dos seus mandantes, tal como o fez no tempo da guerra dos 16 anos. Os mandates actuais do Afonso Dhlakma, são aqueles mesmo que lhe ofereceram um de jacto privado para viajar pelo Moçambicano e aquela frota de carros que ele usa nas deslocações terrestres pelo país, para instigar ao ódio regional-étnico-tribal, ao secessionismo, à desobediência civil, enfim, à anarquia.
É verdade que os níveis de desemprego são elevados e que há pessoas que vivem em condições de pobreza inaceitáveis. Mas não é verdade que o Afonso Dhlakama tenha solução para tirar os moçambicanos da probreza, pois a pobre o cavalo em que ele monta para fazer a sua vida. O Afonso Dhlakama é hoje a causa da pobreza dos moçambicanos, não a má gestão da coisa pública. O Afonso Dhlakama inviabiliza a consolidação do Estado de Direito, exactamente para promover a corrupção generalizada, de modo a aprofundar as desigualdades sociais e perpetuar a pobreza, porque da pobreza ele precisa como seu cavalo para fazer a vida. O Afonso Dhlakama ama a pobreza do povo de Moçambique, porque dela se serve para serve para fazer fortuna. Mesmo que, por hipótese, a Renamo governasses as seis províncias onde obteve mais votos, o que (suspeito) que iria acontecer seria a multiplicação de um certo clientelismo, com admissão de parentes e correligionários políticos para determinados cargos, e a solução do problema da maioria dos jovens dessas províncias ficaria adiado. Afonso Dhlakama não tem projecto político para governar Moçambique para o bem de todos; enganam-se aqueles que acreditam nele!
Aliás, a minha suspeita vai para além disso. Creio que o Afonso Dhlakama foge do encontro com o Presidente Filipe Jacinto Nyusi, porque tem medo de chegar a um acordo. Prefere arrastar o sofrimento do povo, semeando o luto e obstruindo a governação do País e a actividade normal dos cidadãos, até as próximas eleições, para poder dizer: «estão a ver? Eu não disse? A Frelimo não fez nada; votem em mim!». Dizer que o problema da distribuição da riqueza resulta da violação do AGP só pode ser resultado de má-fé ou de amnésia. Primeiro, porque nenhuma cláusula do AGP se refere a esse assunto, e segundo e sobretudo porque quando o AGP foi negociado não havia riqueza nenhuma a distribuir. O país estava de rastos, assim posto pelo "trabalho" que o Afonso Dhlakama vinha fazendo ao longo de 16 anos, a mando dos rodesianos e do apartheid. Mares de gente deslocada das suas aldeias, crianças órfãs, mutilados, mulheres vestidas de cascas de árvores, fome e infra-estruturas destruídas, era a realidade de 1992. O assunto da riqueza é tema recente, produto do trabalho criador dos moçambicanos, sob a governação da FRELIMO, nos vinte e três de paz, ainda que podre.
É sensato encorajarmos o diálogo, mas para que o mesmo seja bem-sucedido, creio que a sociedade deve ajudar um pouco mais, indo para além do simples apelo. O Afonso Dhlakama precisa de ouvir de forma inequívoca, particularmente dos distintos "iluminados"—incluindo doutores, analistas políticos, clérigos e demais forças vivas da sociedade—que ele perdeu as eleições de 2014. Essa foi a conclusão tanto dos órgãos eleitorais legalmente instituídos, como dos observadores nacionais e internacionais. Houve irregularidades sim, com quota-parte de responsabilidade dos diferentes actores—incluindo a própria Renamo de Afonso Dhlakama—mas as essas irregularidades não atingiram dimensão suficiente para adulterar o resultado global do escrutínio. É assim, afinal, que há províncias onde a Renamo e o seu conadidato presidencial obtiveram mais votos em relação aos outros concorrentes. Por isso, o Afonso Dhlakama deve ir ao diálogo com o chefe de Estado, não para questionar os resultados das eleições, mas sim para apresentar propostas que julgue razoáveis, sobre os caminhos a seguir na governação do país, para melhorar com maior celeridade a vida dos moçambicanos enquanto povo unido do Rovuma ao Maputo.
A propósito dos resultados das eleições (de 2014), todos nós (moçambicanos) sabemos que caso a Renamo tivesse sido declarada vencedora e a Frelimo contestasse os resultados da forma como a Renamo está a fazer, com sacrifício de vidas humanas e destruição de propriedades, já haveria mandatos de captura do Tribunal Penal Internacional. Que o Presidente do Quénia (Uhuru Kenyatta) não me deixe mentir. Aliás, para certas mentes de poderosos, o Afonso Dhlakama faz parte dos "bons resquícios" da Guerra Fria, enquanto a Frelimo faz parte dos "maus".
Embora do ponto de vista de consequências legais, o passado do Afonso Dhlakama não seja relevante, uma vez que houve uma lei da amnistia, creio que vale a pena admitir que ele apareceu na cena política para liderar uma organização onde o diálogo, o bom senso e, acima de tudo, o respeito pela vida não eram chamados; caso contrario, não teria cometido tanta barbaridade contra populações civis indefesas, e com tanto orgulho como documenta o vídeo que acompanha esta reflexão. (Para que tiver dúvidas, recomendo a leitura do relatório Gersony para o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América.) O Senhor Dhlakama foi escolhido porque tinha a personalidade necessária para esse efeito e de repente, exigimos que ele seja um político que se guia por regras democráticas e capaz de dialogar de boa-fé. Não é fácil; quiçá é até impossível! Uma das características do Afonso Dhlakama, que não pode ser ignorada na hora de se pretender chegar a um acordo com ele, é a megalomania. Não sei se já tinha este defeito antes de ser "presidente" da Renamo ou se o adquiriu ao longo do tempo, mas aparentemente só se sente pessoa se se sentir poderoso e temido. É provável que esta seja uma das razões para ter mantido homens armados sob o seu controlo directo, até mesmo para se impor dentro da própria Renamo, mais do que por falta de confiança na segurança proporcionada pelo Governo.
A megalomania é o defeito que leva o Afonso Dhlakama à pratica de arbitrariedades. E ele certamente sabe que os guarda-costas do serviço oficial de protecção de altas individualidades nunca iriam aceitar, a título de exemplo, acatar ordens para atacar o comício do Presidente do MDM, o eng. Daviz Simango, em Nampula, em Junho de 2009; chamboquear pessoas na rua; e muito menos faltar respeito a um administrador de Distrito ou comandante da Polícia. É bem provável que tenha sido este defeito de se pretender "poderoso e temido" que o Afonso Dhlakama conduziu à obsessão pelo poder político e que constitui um obstáculo de vulto para desarmar a sua mente, condição essencial para aceitar voluntariamente o desarmamento físico. Já ouvi acusações de negligência por não se ter desarmado os homens do senhor Dhlakama ao longo destes vinte anos. Uma coisa é profetizar o passado, que qualquer pessoa consegue. Outra, bem diferente, é conduzir um povo à prosperidade no mundo real, com todas as contrariedades, incluindo uma certa inflação em homens de mau carácter. Evidentemente que houve esforços, desde a persuasão, onde certamente se acreditou que o tempo iria favorecer o bom senso; até iniciativas convergentes, como a destruição de esconderijos de armas, com base em informações fornecidas pela população e apoio das forças armadas sul-africanas.
Uma das deturpações que tenho ouvido é a referencia a dois beligerantes. Há pessoas que o dizem por ignorância e isso é compreensível, mas outras, é claramente de má-fé. Todos vimos que o eng. Filipe Jacinto Nyusi surgiu como candidato a Presidente da República na sequência de um processo democrático no seio da Frelimo, onde havia mais candidatos. Nas eleições de 2014 foi eleito e hoje é o chefe de Estado, nos termos da Constituição e da lei moçambicanas e tem a obrigação de cumprir cabalmente com as suas obrigações, entre as quais «respeitar e fazer respeitar a Constituição». O eng. Filipe Jacinto Nyusi não é nenhum beligerante. Comanda as forças armadas não por opção ou vontade própria, mas sim porque a Constituição da República de Moçambique assim determina. As forças de defesa e segurança cumprem uma missão prevista na lei, que é a de garantir a ordem, a segurança pública e a integridade territorial do País.
Temos que encarar a realidade como ela é. O Afonso Dhlakama é que é um homem belicoso que dirige uma organização que apareceu conforme inquestionavelmente descreve KF, o seu criador. Mais tarde registou-se como partido político para participar nas eleições e perdeu sucessivamente. Recorrentemente e à margem da lei, pega em armas e molesta e mata cidadãos indefesos, destrói propriedade e confronta as autoridades legalmente instituídas. Estranhamente, aparecemos alguns de nós a pretendermos classificar esses homens armados como se tivessem igual legitimidade que a das forças da lei e ordem, para serem tidas como partes beligerantes. O Estado tem limitações próprias da condição económica do País, nomeadamente em termos de robustez das suas instituições para impor a observância da lei, em particular, aos cidadãos mais recalcitrantes. Mas este é o Estado que temos e constitui obrigação de todos reservarmos o devido respeito a este Estado, para que haja ordem na sociedade. Noutros cantos do mundo, quem se atreve a cometer o tipo de desacatos que o Afonso Dhlakama comete, é declarado um fora-da-lei e perseguido até as últimas consequências.
Termino exortando o senhor Afonso Dhlakama a renunciar livremente à violência e prosseguir caminhos pacíficos de fazer política. Aliás, nessa sua arte de cavalgar temas do dia e, dando a César o que é de César, devo reconhecer a sua habilidade de extrair palmas de certa audiência, mesmo com os seus discursos mais incendiários, destrutivos e incoerentes. Alguém dirá que o tema da origem da Renamo e do seu líder é trazido com o simples objectivo de desvalorizar a sua legitimidade como protagonistas válidos do cenário político actual. Essa não é a intenção. Porém, os factos provam que tal como na sua génesis, este "partido" e o seu líder não se perturbam com a morte e sofrimento dos moçambicanos, tampouco com a destruição da propriedade e com a paralisação da actividade económica deste povo. Preferem provocar a tragédia e usá-la como seu cavalo de corrida para assaltar o poder. A ausência de democracia interna na Renamo, leva a que o caminho para sobreviver e singrar na hierarquia interna, seja tratar de reproduzir o líder, por sinal o mesmo dos tempos de KF. Acredito que cada um desses compatriotas filiados na Renamo, de fato e gravata ou bâton e sapato alto, sabe que a guerra não constrói, mas preferem cavalgar o seu chefe e com ele cavalgarem as privações do povo para realizarem as suas agendas ocultas.
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Por fim, uma mensagem ao meu compatriota, Afonso Dhlama:
Caro Afonso Dhlakama, meu compatriota, seja um cidadão responsável! Aproxime-te do chefe de Estado e apresenta serenamente as tuas propostas. Mesmo que, eventualmente, consigas acomodar alguns dos teus homens em cargos no Estado, isso em nada irá mudar o desemprego da juventude e a distribuição da riqueza nacional. Sejamos honestos! Pensa no País inteiro e veja, com chefe de Estado, como podes participar na vida económica, através da multiplicação de iniciativas empresariais. A esses que te dão armas, peça equipamentos de produção e a contratação de especialistas para ensinarem a juventude a produzir riqueza! Estou certo que, de entre os quadros moçambicanos, muitos estarão disponíveis para apoiar iniciativas desse género. Não te deixes cavalgar por alguns que querem chegar aos teus próprios destinos inconfessos, atiçando-te ao desentendimento e à violência contra o povo moçambicano de tu, afinal, és filho e parte!

Viva a paz!

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Eis a ligação ("link") para ver o vídeo referido no princípio deste texto:

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