Indulto de penas para mil reclusos
A decisão do Presidente
da República (PR), Filipe
Nyusi, de indultar e
comutar penas de pelo
menos mil reclusos detidos nas
cadeias moçambicanas está a criar
um mal-estar no seio de várias instituições
do sector judiciário.
Ao que o SAVANA conseguiu
apurar, junto de vários funcionários
da Procuradoria-Geral da República, os magistrados não tinham
conhecimento da medida, o mesmo
sucedendo com o Tribunal Supremo.
Uma fonte que nos pediu sigilo
sobre a sua identidade, afirmou que
mesmo Benvinda Levy, que agora
tutela a assessoria jurídica no gabinete
do PR, só terá sido informada
“poucas horas antes do informe”.
Mesmo ao nível dos serviços prisionais,
um sector fulcral na execu-
ção da decisão presidencial, reconhece-se
que o PR tomou a decisão
dentro dos termos da Constituição,
sendo que a medida não é inconstitucional,
porém, tendo em conta
que a lei que rege estas situações é
antiga e desfigurada do actual contexto,
a decisão presidencial devia
ter sido antecedida por uma auscultação
muito mais abrangente e
através do Conselho de Ministro
aprovar-se um decreto que adeqúe
a referida lei à realidade actual.
No passado dia 16 de Dezembro, o
PR anunciou, durante a apresenta-
ção do Estado da Nação, o perdão
e consequente soltura de mil reclusos
em diferentes cadeias nacionais,
medida posta em prática esta quinta-feira,
numa cerimónia que, entre
outros estabelecimentos, ocorrerá
na Cadeia Central de Maputo.
Na sua argumentação, o estadista
moçambicano referiu que, no uso
das competências conferidas pela
Constituição da República, na sua
alínea i) do artigo 159, decidiu extinguir,
em parte ou na totalidade,
as penas aplicadas judicialmente a
mil reclusos.
A medida abrange fundamentalmente
os reclusos que padecem de
doenças graves e terminais, idosos e
jovens que, apesar de terem cometido
crimes, cumpriram a metade
ou quase metade da pena imposta
e que se mostrem reabilitados e que
estarão prontos a regressar ao convívio
social.
Para tomar a respectiva decisão, Filipe
Nyusi socorreu-se do Decreto-Lei 39.997 de 29 de Dezembro de
1955, publicado no Boletim Oficial
nr. 6 de 9 de Fevereiro de 1955, que
torna extensivo a Moçambique regime
prisional instituído pelo Decreto-Lei
número 26.643, de 28 de
Maio de 1936.
O documento em alusão trata o indulto
e a comutação de penas nos
artigos 403 a 407, referindo que os
indultos são solicitados ao Ministro
da Justiça por intermédio dos
directores dos estabelecimentos
prisionais ou Procuradores da República
da respectiva província.
O decreto fixa que os indultos são
concedidos a 22 de Dezembro, sendo
previamente solicitados ao ministério
da Justiça até 31 de Maio
via estabelecimento prisional e a
pedido do próprio recluso.
O procedimento presidencial foi
feito à revelia destes procedimentos,
não se sabendo que instâncias
do ministério da Justiça terão estado
envolvidas na decisão presidencial.
O decreto contendo os nomes
dos indultados já foi tornado pú-
blico. Porém, ao que o SAVANA
apurou, de vários estabelecimentos
prisionais há informação de que
uma parte dos abrangidos não tem
o perfil anunciado por Filipe Nyusi
na Assembleia da República.
Ensaio de Guebuza
A decisão de Nyusi foi no passado
não muito distante ensaiada
pelo então PR, Armando Guebuza.
Porém, antes de usar das suas
competências constitucionais para
decidir, Armando Guebuza pediu,
através do oficio número 205/PR/
GAB/2011, de 02 de Março, um
parecer da Procuradoria Geral da
República (PGR) sobre a maté-
ria oriunda da Resolução número
47/2010, da Assembleia da Repú-
blica que falava da questão dos indultos
e comutação de penas.
Através do ofício número 135/
GAB-PGR/2011, datado de 22
de Março de 2011, a que o SAVANA
teve acesso, a PGR disse,
em documento assinado pelo juiz
Augusto Paulino, que o indulto e a
comutação de penas competem ao
Chefe de Estado. Contudo, deve-se
aprovar um novo diploma legislativo,
com carácter geral, imperativo e
abstracto.
A PGR aconselhou ao então PR
que havia necessidade de se aprovar
um novo dispositivo que altere
os procedimentos actualmente em
vigor e que seja mais adequada à
realidade actual.
O conselho do PGR fez com que
Armando Guebuza recuasse da decisão.
A PGR sugeriu na altura que
Guebuza, usando dos seus poderes,
“influenciasse” a AR no sentido de
aprovar uma amnistia e perdão de
penas que teria um carácter muito
mais abrangente que os indultos,
habitualmente incidindo sobre casos
individuais e de pouca abrangência,
nomeadamente, sobre a diminuição
da população carcerária a
cumprir pequenas penas.
Parecer do SERNAP
O SAVANA apurou que, um dia
depois do PR anunciar o perdão
das penas dos mil cidadãos ora em
conflito com a Lei, o SERNAP
emitiu um parecer onde refere que
o indulto e comutação das penas
decretado pelo PR está dentro do
princípio da legalidade e obedece
os preceitos actualmente em vigor
no ordenamento jurídico moçambicano.
Contudo, chama à atenção
dos passos processuais já enunciados
no decreto 26643, o que, em
termos práticos, acaba por tornar
claro que eles não foram observados
na presente decisão presidencial.
O SERNAP é da opinião que primeiramente
devia ser seguido de
elaboração de um regulamento actualizado
sobre este instituto.
O mesmo parecer continua referindo
que poderia ser aprovado pelo
Conselho de Ministros através de
um Decreto e tendo como base a
Lei actualmente em vigor sobre a
matéria. Porém, continua, o melhor
seria a aprovação do Código
de Execução das Penas Privativas e
não Privativas da Liberdade, onde o
instituto viria bem definido e com
base no Regulamento próprio do
Código e se estabeleceria a forma
actualizada deste processo.
Esta quinta-feira, vai se saber se
as ordens de soltura dos abrangidos
pelo indulto serão assinadas
por juízes ou simplesmente por via
administrativa, pelos directores dos
estabelecimentos prisionais.
Pelo menos dois magistrados, que
solicitaram a omissão da identidade,
disseram ao jornal que não vão
estar presentes à cerimónia, pois
consideram que o processo não seguiu
os trâmites legais exigidos.
Inevitável - O SAVANA vai custar 40
Não há volta a dar. O
reboliço provocado na
economia e no metical
por quem deveria
acautelar o bem-estar dos mo-
çambicanos fez disparar o preço
do jornal, que há mais de 21 anos
chega todas as semanas às mãos
de milhares de moçambicanos.
Já antes da “semana maluca” que
fez disparar o dólar para os 57
meticais e o rand para os quatro
e meio, o preço de produção de
um exemplar do SAVANA nos
custava 42 meticais ( Jan. 2015).
Ora, o preço de capa são 30, mas
na prática essa é a revenda pois os
ardinas recebem-no a 24.
Apesar de imprimirmos na África
do Sul, apesar de vivermos
paredes-meias com o “mukhero”
que oportunisticamente puxou
batatas e cebolas para os mesmos
100% de franquia sobre os
preços de aquisição aos “farmeiros”
da África do Sul, a empresa
“engoliu” estoicamente, nos
últimos meses, o preço do rand
que galgou dos 3,10 MT. para os
4,30MT. Produzir jornais não é
importar arroz ou trigo, a fonte
de algumas fortunas locais vivendo
à sombra do dólar manipuladamente
barato.
Mas não podemos resistir mais.
Em Outubro, aumentámos o
preço das assinaturas, em linha
com o novo preço de capa, 40
meticais, um preço bem abaixo
dos nossos actuais encargos.
Por isso, contamos com o peso e
apoio dos nossos fiéis anunciantes
para equilibramos a factura e
continuar a dar ao público aquela
informação que é nosso timbre e
motto.
Desde já, obrigado pela vossa
compreensão.
Os nossos países estão de pernas para o ar
Maria de Lourdes Torcato
A Matola tem agora um
monumento e edifício
anexo que muito valoriza
(ou podia valorizar)
o Município. É aquele que
este ano foi inaugurado pelos
Presidentes de Estado e Governo
de Moçambique e da África do
Sul, Filipe Jacinto Nyusi e Jacob
Zuma. Aqui desafio os residentes
e visitantes a irem ver e constatar
que, para erguer estruturas vistosas
em cimento armado, estamos
na vanguarda. Os arquitectos desenham,
os engenheiros dimensionam
as estruturas e os construtores
levantam-nas para todos
nós, e até turistas de fora, nos
deslumbrarmos. Este, ainda por
cima, é uma homenagem à nossa
história comum de sofrimento,
sangue e martírio de heróis.
Há dois fins-de-semana um amigo
meu, pessoa orgulhosa da sua
mento com legenda explicativa
- punha em evidência a silhueta
da África do Sul e de Moçambique
que conhecemos dos mapas
do Mundo, mas ao contrário. Isto
é: lá em cima ficava o Cabo que
já foi da Boa Esperança, e cá em
baixo à direita, estava o Rovuma.
O meu amigo explicou que o
monumento já estava contruído
quando foi tirar uma foto para
mandar à família e viu a “bronca”
(achava ele). Falou com gente
grande do Município da Matola:
“Já viram aquele engano? Felizmente
ainda se pode corrigir
antes de ser inaugurado.” Pois
quando o monumento foi inaugurado
quatro anos depois, ainda
estava na mesma. Pediu opinião a
conhecidos e amigos e a resposta,
enfadada, própria de ressabiados,
era de que se tratava de uma indirecta
aos partidos dominantes
nos países representados: ANC
ficasse abaixo de Moçambique
como está no Mapa – que logo
se vê, foi feito por “estrangeiros”.
E no mapa fica-se com a péssima
impressão que Moçambique “escorre”
para cima da África do Sul.
Corrigiram e assim como está
põe as coisas numa melhor perspectiva:
é a África do Sul que deixa
cair as suas benesses para cima
de Moçambique. Larguei logo um
“que disparate! Há-de haver uma
melhor explicação.” Desafio os
leitores a darem a sua contribui-
ção. O SAVANA tem facebook.
O grupo dos mediadores
nacionais do diálogo
político entre o governo
e Renamo convocou a
imprensa, esta quarta-feira, para
negar que o recado emitido semana
passada pelo Presidente
Filipe Nyusi, dando conta que os
intermediários não transmitiam
fielmente a informação às partes
devido ao protagonismo que pretendem
ganhar no processo, não
era dirigida a eles.
Argumentam que aquela mensagem
era direccionada aos intermediários
e não aos mediadores ou
observadores, designações oficialmente
atribuídas e que constam
nos termos de referência do diálogo
político.
“Alguns intermediários, devido à
importância que pretendem ganhar
neste processo, por vezes, não
transmitem fielmente as mensagens
emitidas pelas partes envolvidas”,
lamentou Filipe Nyusi, num
encontro com o corpo diplomático,
sexta-feira passada, mas sem,
no entanto, apontar nomes.
Desde Outubro passado, o partido
de Afonso Dhlakama vem exigindo
a retirada do grupo composto
pelo professor Lourenço do Rosá-
rio, Dom Dinis Sengulane, Padre
Filipe Couto (ausente na conferência
de imprensa), Reverendo
Anastácio Chembeze e Sheik Sa-
íde Habido como mediadores do
diálogo político com o governo.
O maior partido da oposição declarou
personas non gratas aos
mediadores, alegando que foram
coniventes no cerco à casa do seu
líder da cidade da Beira, após a sua
saída das matas da Gorongosa.
Questionados acerca destes pronunciamentos
de Nyusi, os mediadores
disseram que não eram
o principal alvo daquele discurso,
porque o mesmo é dirigido aos intermediários.
Anastácio Chembeze justificou
que oficialmente o seu grupo é
designado de observadores ou mediadores
e não de intermediários.
“O chefe de Estado foi bastante
claro e não temos dúvidas de que
o que ele disse era dirigido aos
intermediários. Não falou de mediadores
nem de observadores que
somos nós. Por isso tenho muitas
dificuldades de comentar porque
não nos revemos naquele discurso”,
disse.
Em forma de insistência, Lourenço
do Rosário também entrou
no jogo e disse: “a indicação que
temos vinda da presidência é que
toda a gente sabe que para além
de nós que fomos convidados oficialmente
para participarmos do
diálogo, há muitas outras pessoas
e grupos que se têm estado a movimentar
à volta desta questão da
paz. Como o presidente não falou
de mediadores ou observadores
naturalmente não nos revemos
nessa pele de sermos intermediá-
rios”, reagiu.
Tanto Lourenço do Rosário bem
como Anastácio Chembeze escusaram-se
a citar nomes das tais
outras pessoas e grupos que se têm
movimentado em prol da paz ou
que integram o grupo dos intermediários.
Ademais, referiram que, caso Nyusi
tivesse algum problema com
eles, os teria chamados como tem
feito.
Que a Renamo traga
provas
Na verdade, o principal objectivo
da conferência de imprensa era
de reagir às alegadas acusações da
Renamo em torno da conivência
dos mediadores no cerco à casa de
Afonso Dhlakama, na rua das Palmeiras,
na cidade da Beira.
Saíde Habido desafiou a Renamo
a apresentar provas do envolvimento
deste grupo naquela operação
ou que tinha conhecimento
do plano governamental de cercar
a casa de Dhlakama.
Os mediadores apontam que também
foram colhidos de surpresa
com o sucedido na Beira. Isto porque
foi a própria Renamo que os
convidou para testemunhar a saída
do seu líder das matas da Gorongonsa,
sendo que ficou acordado
que a missão terminaria após a sua
chegada naquela cidade. Acrescentam
que no encontro havido com a
Renamo foi firmado que este partido
e o governo haveriam de coordenar
e operacionalizar a missão.
Depois de sair das matas e chegados
à segunda maior cidade do
país, Afonso Dhlakama solicitou
um encontro com os mediadores,
que se deveria realizar por volta
das 10:00 horas, do dia seguinte,
cujo objectivo era entregar-lhes
uma mensagem para Filipe Nyusi.
Logo nas primeiras horas do dia
seguinte, após a saída de Dhlakama,
dizem os mediadores que receberam
chamadas telefónicas dos
membros da Renamo informando-os
sobre o bloqueio da casa
do seu líder, tendo de imediato se
dirigido ao local para resolver o
problema, facto que se veio materializar
a posterior.
Assim, dizem não perceber o discurso
da Perdiz pelo que “não aceiMediadores
dissipam eventuais equívocos
Por Argunaldo Nhampossa
tamos e nos distanciamos dos pronunciamentos
que atentam contra
o nosso bom nome, honra e dignidade
perante as nossas famílias,
instituições públicas e privadas e
toda a sociedade no geral”.
O grupo chefiado por Lourenço
do Rosário exige também que a
Renamo faça um ofício por escrito
comunicando a sua dispensa, alegando
que foram convidados para
aqueles postos formalmente e não
podem ser dispensados via conferência
de imprensa.
Pacheco impôs mediadores
Depois de na segunda-feira o
porta-voz da Renamo, António
Muchanga, ter chamado de aprendizes
os mediadores e exigir a sua
substituição pela Igreja Católica e
pelo Presidente sul-africano, Jacob
Zuma, esta quarta-feira o SAVANA
ouviu novamente Muchanga
para saber das provas exigidas pelos
mediadores sobre o seu envolvimento
nos incidentes da cidade
da Beira.
Muchanga disse que a integração
dos observadores naquela missão
foi imposta por José Pacheco,
na qualidade de chefe da delega-
ção do governo nas negociações,
porque para eles o ideal era que a
missão fosse liderada pela União
Europeia com a qual mantiveram
um encontro.
O porta-voz da Renamo aponta
que a União Europeia disse que
não podia agir sem o mandato do
governo, mas propunha a Cruz
Vermelha para o resgatar a um exí-
lio, facto que a Perdiz negou.
Assim, retomando as conversações
com o governo, Muchanga diz que
o ministro Pacheco recomendou a
Renamo a trabalhar com os mediadores
e não com entidades estrageiras,
alegando que caso não
fosse obedecido o governo não se
responsabilizaria pelas consequências.
Refazendo o seu discurso, diz Muchanga
chamou os mediadores de
aprendizes porque nada sabem
sobre assuntos militares e foram
usados pelo governo sem se aperceberem.
No que toca às provas de envolvimento
dos mediadores naquele
cerco, atira as culpas a Lourenço
do Rosário que deu uma entrevista
ao SAVANA sugerindo isolamento
de Afonso Dhlakama pelos
seus generais, enquanto que Dinis
Sengulane fez uma oração louvando
Filipe Nyusi, que perpetrou
duas emboscadas contra Dhlakama.
De seguida pediu desculpas
ao Sheik Saíde Habido, Anastácio
Chembeze e Padre Filipe Couto
pelas acusações feitas.
-O docente universitário João Pereira
classifica as declarações do
presidente da República e a proposta
da Renamo em torno da
substituição da equipa dos mediadores
como um bode expiatório
para justificar o falhanço nas negociações.
Entende o académico que, sacrificando
o grupo dos mediadores do
chamado diálogo político, as duas
partes procuram uma nova plataforma
para avançar depois da estagnação.
Diz que se trata de uma
situação em que se procura um
bode expiatório, porque logo após
a tomada de posse o presidente da
república, Filipe Nyusi, reuniu-
-se por duas vezes com o líder da
Renamo, Afonso Dhlakama, onde
este apresentou todas as suas preocupações
sem que houvesse mediação.
Segundo o politólogo, pelo facto
de Nyusi ter exercido o cargo de
ministro de Defesa, tem a dimensão
das preocupações da Renamo
principalmente no que diz respeito
à integração dos seus quadros naquelas
fileiras. Assim, avança que
esta é mais uma estratégia de tirar
Dhlakama das matas para desanuviar
a tensão política existente país
que se foi arrastando devido à ausência
de tolerância política.
João Pereira, que também é director
executivo da Fundação Masc,
diz que parece que há uma concertação
entre o governo e a Renamo
que ao mesmo tempo crucificam
os mediadores, mas adverte que
se trata de uma estratégia quando
não se encontra resultados.
Isto porque a Renamo escolhe
os bispos católicos para entrarem
como mediadores, mas se estivessem
no diálogo e criticado a postura
deste partido por não se desmilitarizar
hoje estaria também a
exigir a sua queda.
No que toca à escolha de Jacob
Zuma para integrar a equipa de
mediadores, Pereira diz que é provável
que o maior partido da oposição
venha a morrer pela própria
boca. Segundo o politólogo, Zuma
é altamente contestado no seu país
e na região austral com o agravante
de ser um grande aliado da Frelimo.
Esta situação junta-se ao facto
de ter participado na mediação
do conflito político zimbabweano
que colocou frente a frente o Zanu
PF de Robert Mugabe e MDC de
Morgan Tsvangirai.
O académico diz que aquela mediação
não trouxe resultados palpáveis
para a democracia daquele
país, uma vez que se limitou na
acomodação dos membros do
MDC nas elites do poder. Recordou
que depois disso o MDC
ficou destruído devido ao comportamento
que os seus membros
adoptaram após a acomodação.
“Será que a Renamo também pretende
nos mostrar que o seu principal
objectivo é a acomodação dos
seus membros e não uma democracia
justa?” questionou.
Para João Pereira, é chegada a hora
da Renamo apresentar propostas
profundas de reformas democrá-
ticas e não medidas paliativas, tal
como aconteceu com a integração
de uma boa franja dos seus membros
na Comissão Nacional de
Eleições (CNE), que na prática
não trouxe nada de novo. em hasta pública
O presidente do Partido para Paz
Democracia e Desenvolvimento
(PDD), Raul Domingos, lamenta
a condenação dos mediadores em
hasta pública pelo Presidente da
República.
Domingos refere que o chefe de
Estado tem autonomia para fazer
mexidas sem justificar a ninguém,
tal como faz com os membros do
governo e poderia ter seguido o
mesma via, do que menosprezar o
trabalho que uma equipa que conseguiu
viabilizar as eleições através
do acordo de cessação das hostilidades
militares.
No entanto, o político diz que
pode ser uma estratégia para desacreditar
de uma vez para sempre
os mediadores, uma vez que foram
chamados de personas non gratas,
pelas populações da cidade da
Beira, aquando do cerco à casa de
Dhlakama, e assim abrir um novo
espaço para viabilização das negociações
que se encontram encravas.
Mas apela para que os mediadores
tirem o maior proveito deste momento
para esclarecerem ao povo
moçambicano o que terá acontecido
na cidade da Beira, se já conheciam
o plano de “abater” Dhlakama
ou também foram pegues de
surpresa.
O
ano 2015 está prestes a
findar e, tal como noutros,
factos relevantes marcaram
o ano quer na vertente
positiva bem como na negativa.
A incerteza política resultante da
crise pós-eleitoral, a tomada de
posse do quarto presidente da República,
na história de Moçambique
independente, o início de fun-
ções do novo Governo e da oitava
legislatura, as cheias na bacia de
Licungo, os ataques ao líder da Renamo
são parte dos vários marcos
que mais se notabilizaram em 2015.
-O país começa o ano com um
novo rumo político. A tomada de
posse de Filipe Nyusi como novo
Presidente da República, depois de
ter sido proclamado vencedor das
eleições presidenciais de 15 de Outubro
de 2014.
-Antes de Nyusi ser empossado, a
oitava legislatura iniciou funções
sem a bancada parlamentar da Renamo
que recusou integrar o órgão
por não concordar com os resultados
das eleições gerais.
2015: um ano difícil
Por Raul Senda
-O início do ano foi também marcado
por dois encontros entre o
Presidente da República (PR),
Filipe Nyusi, e o Presidente da
Renamo, Afonso Dhlakama, para
desanuviar a tensão provocada pela
crise eleitoral, onde a Renamo exigia
governar nas províncias onde
saiu vencedora.
de Maputo. Cistac vinha travando
uma azeda discussão, em matéria
constitucional, com elementos do
famigerado G40, sobre a abertura
da Constituição, para integrar as
exigências da Renamo.
-A bancada da Renamo submete
junto ao Parlamento o projecto das
regiões autónomas com a nova designação
de autarquias provinciais.
-A bancada parlamentar da Frelimo
chumba a proposta da Renamo
e Dhlakama intensifica incursões
pelo país ameaçando governar à
força nas províncias onde supostamente
saiu vitoriosa.
-O mês de Abril é marcado pela
primeira deslocação de Beatriz Buchile,
na qualidade de Procuradora
Geral da República, ao parlamento
onde foi apresentar o informe sobre
o estágio da justiça.
-Nyusi segue as pedaladas de Armando
Guebuza e lança a dispendiosa
Chama da Unidade, mas
muda o local do evento do distrito
de Nangade para a sua terra natal,
Mueda.
-Debaixo da tensão política, Mo-
çambique celebra efusivamente, em
Junho, os 40 anos da independência
nacional.
-O metical começa a registar os
primeiros sinais da depreciação perante
o dólar americano e o Euro.
-Sem sucessos plausíveis, o Banco
de Moçambique toma medidas administrativas
para bloquear o arrasamento
da moeda nacional.
-No mês de Julho, Maria da Luz
Guebuza, antiga primeira-dama,
renuncia à presidência da Organização
da Mulher Moçambicana,
uma das organizações de massas do
partido Frelimo.
-Governo ordena a retirada da protecção
policial ao líder da Renamo,
Afonso Dhlakama.
-O mês de Agosto começa com a
suspensão do diálogo político entre
a Frelimo e a Renamo no Centro
de Conferências Joaquim Chissano.
A ordem de interrupção do diá-
logo veio do presidente da Renamo,
alegando que o mesmo não estava a
produzir resultados desejáveis.
-Filipe Nyusi convida Afonso
Dhlakama para um encontro, mas
o presidente da Renamo recusa,
exigindo agenda clara e concreta.
-O Tribunal Judicial do Distrito
Kapfumo anuncia julgamento do
jornalista Fernando Mbanze e do
economista Castel-Branco, acusados
de crime de abuso à liberdade
de imprensa e contra segurança de
Estado.
-Nyusi faz as suas primeiras mexidas
no Governo, movimentando
dois vice-ministros para Institutos
Públicos. Assim, Omar Mithá
deixou o cargo de vice-ministro de
Indústria e Comércio para substituir
Nelson Ocuane na presidência
do Conselho de Administração da
Empresa Nacional de Hidrocarbonetos
(ENH) e João Machatine
saiu de vice-ministro das Obras
Públicas para substituir João Ribeiro
no Instituto Nacional de Gestão
de Calamidades (INGC).
-Agosto termina com a triste notícia
do assassinato do jornalista
Paulo Machava.
-O mês de Setembro é marcado por
dois atentados contra o Presidente
da Renamo, Afonso Dhlakama, na
província de Manica. O segundo
ataque registado no dia 25 de Setembro
culminou com a morte de
mais de 20 pessoas entre elementos
da comitiva de Afonso Dhlakama
e da população bem como no ateamento
do fogo contra as viaturas da
comitiva presidencial da Renamo.
O Presidente da Renamo refugia-
-se em parte incerta.
-Tribunal iliba Mbanze e Castel-
-Branco dos crimes de abuso à liberdade
de imprensa e contra segurança
Estado.
-Dez anos depois, Rosário Fernandes
deixa a Autoridade Tributária
de Moçambique. Para a sua posi-
ção é indicada Amélia Nakhare,
então vice-ministra de Economia e
Finanças.
-Duas semanas depois do seu desaparecimento
público, o líder da
Renamo é resgatado das matas da
Gorongosa, província de Sofala, e
levado para a cidade da Beira numa
operação que envolveu mediadores
e jornalistas.
-Um dia depois de sair das matas
da Gorongosa, mais concretamente
no dia 09 de Outubro, a residência
do presidente da Renamo, na cidade
da Beira, é cercada por Forças de
Defesa e Segurança onde desarmaram
a sua guarda.
-Dias depois, o líder da Renamo
deixa a sua residência na Beira e
regressa à parte incerta.
-Ainda no mês de Outubro, o Governo
anuncia o pagamento da primeira
tranche da dívida da Ematum.
-Nyusi reconhece, dez meses depois
de tomar o poder, que encontrou
cofres de Estado totalmente
vazios. Isto é, o Governo de Armando
Guebuza deixou o Estado
sem dinheiro.
-Bispos católicos questionam incongruências
do governo na resolução
da crise político-militar e
prontificam-se a mediar a crise.
-Filipe Nyusi desloca-se, pela primeira
vez, ao Parlamento para
anunciar que ainda não está satisfeito
com o Estado da Nação.
-Renamo propõe Jacob Zuma, presidente
da África do Sul, e a igreja
católica para mediar a crise político-militar
em Moçambique.
-Enquanto Nyusi era empossado
em Maputo, as bacias de Licungo,
na província da Zambézia, e
Limpopo, na província de Gaza,
e também a província de Niassa
eram assoladas por fortes chuvas e
enxurradas que destruíram várias
infra-estruturas públicas, linhas de
transporte de energia eléctrica, culturas
de rendimento, perdas de vidas
humanas e deslocação de várias
pessoas.
-Ainda no mês de Janeiro, inconformado
com o desfecho do processo
eleitoral de 2014, Afonso
Dhlakama inicia um períplo pelo
país com intenção de divulgar o
projecto das províncias autónomas
ao mesmo tempo que ameaçava a
ingovernabilidade do país.
-Intoxicação alcoólica deixa luto e
dor no distrito de Chitima, província
de Tete. Perto de 100 pessoas
perderam a vida depois de consumir
uma bebida alcoólica tradicional
contaminada, denominada
Pombe.
-No encontro dos dois líderes fi-
cou definido que a Renamo devia
submeter o seu projecto ao crivo da
Assembleia da República. Para tal,
os deputados da Renamo deviam
tomar posse naquele órgão, facto
que se veio verificar pouco depois
do segundo encontro dos dois responsáveis.
-Dhlakama anunciou ainda o reatamento
do diálogo político entre o
Governo e a Renamo, no Centro de
Conferências Joaquim Chissano.
-O terceiro mês do ano, Março, foi
marcado pela queda de Armando
Guebuza da presidência do partido
Frelimo, cargo que vinha ocupando
desde Setembro de 2006. Armando
Guebuza foi substituído por Filipe
Nyusi, numa controversa sessão do
Comité Central, onde o antigo PR
tentou resistir à sua sucessão.
-No mesmo mês, enquanto o ano
judicial era oficialmente aberto,
desconhecidos ainda a monte assassinavam
o académico Gilles
Cistac, na zona nobre da cidade
Enquanto Filipe Nyusi era empossado como PR, as águas do rio Licungo faziam das suas, pondo abaixo várias infra-estruturas
e provocando mortes e deslocados
O ano de 2015 começa com a investidura de Filipe Nyusi como novo presidente da
República
Filipe Nyusi, Presidente da República, e Afonso Dhlakama, Presidente da Renamo,
procuram desanuviar a tensão pós-eleitoral.
Foi, nesta segunda-feira,
21 de Dezembro de 2015,
inaugurado um dos mais
emblemáticos e históricos
jardins botânicos de Maputo,
o Jardim Tunduru. Agora com
uma nova imagem, a reabilitação
do jardim, localizado na baixa da
cidade, custou cerca de 170 milhões
de meticais, fundos provenientes
dos Caminhos de Ferro
de Moçambique (CFM), Vale
Moçambique, Instituto Nacional
do Turismo e do Instituto de Investigação
Agrária.
Durante a cerimónia de inauguração,
o Presidente do Conselho
Municipal da cidade de Maputo,
David Simango, falou da sua importância,
referindo que é um dos
espaços mais nobres da cidade, um
monumento equiparável a edifí-
cios como a estação dos CFM, dos
paços do Conselho Municipal entre
outros locais.
“O nosso objectivo, para além da
preservação deste maravilhoso espaço,
é também devolver aos munícipes
um lugar aprazível e inspirador”,
disse.
Finalizando, Simango destacou
Jardim Tunduru entregue aos munícipes
que a importância da reabilitação
daquele que é o cartão-de-visita
da cidade de Maputo é a protec-
ção da biodiversidade que contribuí
activamente para a educação
ambiental.
Por sua vez, o PCA dos CFM,
Victor Gomes, afirmou: “o Jardim
Tunduru, no domínio das suas
actividades, para além de proporcionar
lazer num ambiente que
nos transporta para a beleza da
natureza e de ser um espaço propício
para a cultura, terá também a
função de promover a conservação
da biodiversidade e a sensibilização do público sobre a utilidade e
o valor dos recursos vegetais para
a nossa vida, garantindo, deste
modo, a continuidade dos ciclos
biológicos da pluralidade das espécies
vegetais e o seu processo
evolutivo.”
Já o director do Instituto Nacional
do Turismo, Albino Mahumane,
disse: “a reabilitação do jardim
reveste-se de uma grande importância
para o sector do turismo e
irá promover o turismo doméstico
e externo e não só. Também servirá
de biblioteca para colecta de
informação turística por parte dos
visitantes.” (Elisa Comé).
Novos caminhos
para a paz?
A
caminho do seu primeiro ano como Presidente
da República, e naquilo que pode ser interpretado
como uma gradual conquista de alguma auto-con-
fiança, Filipe Nyusi começa a dizer algumas coisas
que mostram certo esforço de rotura com o passado.
O seu discurso inaugural, no dia 15 de Janeiro na Praça da
Independência, é lendário. Foi um discurso de renascimento
da esperança sobre um futuro que parecia estar fechado. E
todos lhe desejaram sucessos e muita sorte. Talvez por isso
mesmo os menos pacientes não tardaram lhe cobrar a dívida.
Na Assembleia da República na semana passada, conseguiu
contornar o senso comum dos que esperavam que ele
dissesse que o Estado da Nação está bom, para depois lhe
tratarem como carne moída. Tirou-lhes o prazer, dizendo
que apesar do orgulho que tem pelo que tem estado a ser
feito, continua insatisfeito com a actual situação no país.
Mas foi no discurso que deu ao corpo diplomático e outras
personalidades nacionais, nos jardins da Ponta Vermelha,
onde ele deixou escapar a sua impaciência pelo decorrer do
processo de desanuviamento político no país, possivelmente
algumas interferências pelo meio, mas decididamente o facto
dos mediadores não serem fieis transmissores das mensagens
que cada parte transmite.
“Continuaremos a encurtar o caudal dos intermediários
para conseguirmos encontros directos com as lideranças envolvidas”,
disse Nyusi. “Os intermediários, devido à importância
que pretendem ganhar neste processo, por vezes não
transmitem fielmente as mensagens emitidas pelas partes”.
Esta declaração não deixa margem para dúvida. Ele quer
“encontros directos com as lideranças envolvidas”. E pode se
compreender aqui que a única liderança é Afonso Dhlakama,
o presidente da Renamo. Agora importa saber se este é
o mesmo entendimento que Dhlakama tem sobre como o
processo de normalização da situação política no país deve
prosseguir.
A declaração do Presidente Nyusi foi seguida de uma outra,
numa conferência de imprensa na última terça-feira, em que
o porta voz de Dhlakama, o deputado António Muchanga,
prescindia dos préstimos da actual equipa de mediação nacional
dirigida pelo Professor Lourenço do Rosário, a favor
do envolvimento do Presidente Jacob Zuma, da África do
Sul, e da Igreja Católica Romana.
A preferência por Zuma apanhou quase todos de surpresa.
Não tanto pelo facto de Zuma ser uma figura bastante
contestada dentro do seu próprio país, mas pelas relações
especiais de amizade e de solidariedade existentes entre a
Frelimo e o ANC, de que Nyusi e Zuma são respectivos
líderes.
O ANC partilha a visão convencional da Frelimo de que
a Renamo foi usada pelo antigo regime do apartheid para
desestabilizar Moçambique, e por essa via tentar impedir a
luta do ANC para a libertação da África do Sul. Estará a
Renamo agora preparada a confiar o líder do ANC como
um mediador honesto no seu conflito com o governo da
Frelimo? Ou ainda, se Muchanga está a ser um fiel transmissor
do pensamento do seu líder? Esperemos para ver.
A expulsão do funcionário ou agente
do Estado é injusta e constitui fonte de
enriquecimento sem causa do Estado
I. Uma norma que viola o princípio
da proibição da dupla sanção pelo
mesmo facto ou infracção.
Nos termos da alínea f ) do nº 1 do artigo
82 da Lei 14/2009, de 17 de Mar-
ço (Estatuto Geral dos Funcionários e
Agentes do Estado – EGFAE),“ expulsão
consiste no afastamento definitivo do
infractor do aparelho do Estado, com perda
de todos os direitos adquiridos no exercício
das suas funções.” A expulsão é, pois, o
tipo mais grave de sanção disciplinar
aplicável aos funcionários e agentes do
Estado conforme resulta do disposto
na alínea f ) do nº 1 do artigo 81 do
EGFAE).
Do conteúdo legal da expulsão supra
pode-se inferir que o funcionário ou
agente do Estado sobre quem recai
esta sanção disciplinar, para além de
ser sancionado pelo afastamento defi-
nitivamente do aparelho do Estado é,
simultaneamente, sancionado com a
perda de todos os direitos adquiridos no
exercício das suas funções. Isto signifi-
ca que se está perante uma situação em
que a lei em questão prevê dupla sanção
contra aquele que cometer qualquer das
infrações disciplinares descritos no artigo
88 do EGFAE e que dão lugar à
sanção de expulsão.
Ora, a duplicação de sanção disciplinar
administrativa, conforme demonstra
ser o caso em apreço, viola o princípio
que impende a Administração Pública
impor uma segunda penalização administrativa
a quem já sofreu uma sanção
pela prática do mesmo facto ou mesma
infração disciplinar. Aliás, o nº 2 do artigo
81 de EGFAE dispõe que não é
lícito aplicar quaisquer outras sanções
disciplinares que não sejam as seguintes:
advertência, repreensão pública,
multa, despromoção, demissão e expulsão.
Trata-se de uma enumeração taxativa,
o que significa que as infracções que os
funcionários ou agentes do Estado cometem
podem dar lugar apenas a uma
destas sanções, dependendo da gravidade
da infracção cometida.
Importa notar, a título de paralelismo
ao EGFAE, que a Lei do Trabalho –
Lei 23/2007, de 01 de Agosto – proíbe
a prática da dupla sansão pela mesma
infracção disciplinar cometida pelo trabalhador.
Ademais, esta lei refere, expressamente,
que “a aplicação da sanção
de despedimento não implica a perda dos
direitos adquiridos pelo trabalhador decorrentes
da inscrição do mesmo no sistema de
segurança social se, à data da cessação da
relação laboral, reunir os requisitos para
receber os benefícios correspondentes…”
(vide nº 4 do artigo 63 da Lei do Trabalho).
Outrossim, importa ainda referir que a
nível do Direito Penal é proibida a dupla
punição pela prática da mesma infração
penal. É o chamado princípio do
“non bis in idem” que tem consagração
constitucional, uma vez que a primeira
parte do nº 3 do artigo 59 da Constituição
da República determina que “nenhum
cidadão pode ser julgado mais do que
uma vez pela prática do mesmo crime…”
Nestes termos, pela consequente perda
de todos os direitos adquiridos pelos
funcionários e agentes do Estado vítimas
de expulsão, no conteúdo legal desta,
está evidente a dupla sanção, o que
contraria o princípio da sua proibição.
II. O conteúdo da sanção de expulsão
viola os direitos adquiridos e
promove o “enriquecimento sem
causa do Estado”
Os direitos adquiridos, incluindo as
pensões legais no exercício das funções,
podem ser entendidos como aqueles em
que o funcionário ou agente do Estado
se encontra investido por atribuição
legal.
O funcionário ou agente do Estado que
no exercício das suas funções desconta
do seu vencimento determinados valores
que lhe dão direito à pensão quando
for reformado ou aposentado, uma vez
preenchidos os requisitos necessários
para o efeito, passa a ter garantia de um
direito adquirido na vertente de pensão.
Ou seja, é o chamado direito à previdência
social que o Estado garante aos
seus funcionários e agentes desde que
os mesmos satisfaçam os seus encargos
legais para a pensão de aposentação.
A forma de extinção ou perda dos direitos
adquiridos dos funcionários e
agentes do Estado, que inclui o direito
à pensão de aposentação, não deve
ser em virtude da aplicação da sanção
disciplinar de expulsão, porque viola a
garantia dos tais direitos adquiridos e
favorece situações ou casos de “enriquecimento
sem causa do Estado” à custa
do empobrecimento injusto e forçado
dos funcionários e agentes do Estado
que são duplamente sancionados por
cometimento de infracção disciplinar
punível pela expulsão.
III. Conclusão
Portanto, o conteúdo da sanção disciplinar
de expulsão no EGFAE não
deve ser extensível à questão da perda
de todos os direitos adquiridos no exercício
das funções por se tratar de um
“roubo” legalizado do Estado aos seus
funcionários e agentes e por se tratar
de uma nova sanção ou penalização
que não faz parte da enumeração taxativa
ou limitada dos tipos de sanções
disciplinares previstos no artigo 81 do
EGFAE. O presente conteúdo legal
de expulsão é incoerente, fere princí-
pio da proibição da dupla penalização
pela mesma infracção e o princípio da
segurança jurídica. Pelo que, urge uma
revisão legal pontual do EGFAE relativamente
ao disposto na alínea f ) do
nº 1 do artigo 82 sobre o conteúdo da
sanção disciplinar de expulsão, uma vez
que viola, de entre outros direitos adquiridos,
a pensão por aposentação
Por João Nhampossa
Advogado e defensor de direitos humanos.
Moçambique é uma configuração
saturada de problematicidade.
Como, então,
compreendê-lo? Essa é a
questão que me coloco permanentemente
e me parece que pouco do que
se diz em Moçambique, exceptuando
bons trabalhos que têm sido publicados
recentemente, tem sido aptos
de colocar verdadeiras questões sobre
Moçambique. Afinal qual é o problema
de Moçambique? Estamos nós a
ser capazes de captar o conteúdo da
nossa história para questionarmos
radicalmente os eventos que vão ocorrendo?
Tentarei, neste texto, colocar
algumas linhas de reflexão, partindo
da situação de guerra que vivemos
hoje.
Quando discutimos porquê depois de
20 anos de « paz » estamos a voltar
para a guerra, não penso que estejamos
a colocar uma boa questão sobre
Moçambique. Tenho a impressão que
é incapaz de nos levar a reflectir sobre
a essência de um problema que, quanto
a mim, devia ser explicado menos
em termos de quem é o problema ou
ainda do porquê depois de 20 anos
estamos novamente em guerra, porém
em termos do conteúdo do nosso regime
de historicidade. Ou seja, o que
é que é comum e incomum em tal
regime? A Guerra ou a paz? Será a
guerra uma questão da inflexibilidade
da Renamo ou da Frelimo ou a incapacidade
de transformarmos as condi-
ções que estruturam a nossa história
e que sempre produziram situação de
guerra? Como podem perceber, estas
questões não serão respondidas neste
texto curto, mas as coloquei apenas
para que possamos reflectir diferentemente
o problema. Se lermos com
bastante atenção alguns livros da
história de Moçambique começando
pelos manuais de História de Mo-
çambique, produzidos pelo departamento
de História da UEM, os dois
volumes« Naissance du Mozambique
» de Réné Pélissier, « A tradição
A banalização do problema Moçambique
Régio Conrado
da resistência em Moçambique » de
Allen e Barbara Isaacman, « Para a
História da Arte Militar Moçambicana
» do professor Carlos Serra, apenas
para citar alguns, veremos que não é a
ausência da paz que é o incomum da
nossa história. Pelo contrário, a guerra
é a estrutura dominante da nossa
história. É a ausência da paz que é
o conteúdo da nossa história. Então,
porquê continuar a insistir a pensar
o nosso problema a partir da paz se
ela não é o elemento central da nossa
história, mesmo que seja uma procura
de todas as sociedades? Não seria conveniente
analisarmos a nossa situação
a partir da constância da guerra? Não
seria banalização do nosso problema
ao colocarmos a paz como elemento
central do nosso debate? De forma radical,
acho que perguntarmos porquê
não estamos em paz ou como é que
viemos novamente à guerra é insufi-
cientemente radical, pelo contrário
devíamos, defendo, perguntar porque
é que em algum momento não estivemos
em guerra?
Raymond Aron escreveu em 1962
mais de 700 páginas sobre a paz e a
guerra num livro intitulado « Paix
et Guerre entre les nations» onde
concluía, entre outras coisas, que a
história da humanidade tinha sido a
história da guerra e não da paz. Penso
que Aron, como Serra, estão de acordo
que momentos de paz são momentos
de guerra em potência. Por isso que,
na minha opinião, ao invés de estarmos
a reclamar a ausência da paz,
devíamos tentar procurar os elementos
estruturais que nos levam a uma
história dominada por eventos de
guerra. A Guerra devia ser o espaço
privilegiado da nossa reflexão porque
é dela que devemos retirar as sementes
da paz, como procura universal, para
falar kantianamente. Se há uma coisa
que em Moçambique devia espantar
as pessoas não devia ser a guerra,
mas a paz porque ao longo dos séculos
temos sido incapazes de encontrar
plataformas que sejam capazes de permitir
que a paz seja dominante. Senão
vejamos, se estudarmos com atenção
a literatura sobre o vale do Zambeze
perceberemos que grande parte dos
problemas que estruturavam os con-
flitos entre os vários Estados militares
ainda persistem. A título ilustrativo,
podemos falar de facções em conflito
pelo poder, ausência de estruturas
que acomodam as diferentes camadas
sociais. Se nos perguntam o que é que
nos fez entrar para um momento de
«paz», veremos que não era a paz em
si como ontologicamente justificável,
mas a impossibilidade de produzir
modelos de dominação de um grupo
em relação ao outro sem o mínimo de
consenso. Então, acho que no fundo
a guerra ainda esta lá. Recentemente
( Julho deste ano) o politólogo Didier
Peclard publicou «Les incertitudes de
la nation en Angola. Aux racines sociales
de l’Unita» onde interrogando-
-se sobre a formação do Estado em
Angola, vê igualmente a guerra como
uma variável a ser explicada para compreendermos
o caminho da paz em
Angola. Por essa razão, tenho pensado
que Moçambique é estruturalmente
um país de guerra. Limitarmo-nos a
condenar a guerra ou a apreciar a paz
não responde à questão fundamental:
qual é o problema de Moçambique?
Como a guerra pode permitir-nos
abordar a paz em Moçambique? Qual
é o lugar na guerra na nossa história?
Entrementes, ao invés de ficarmos
no círculo vicioso de acusações ou
de apreciações normativas, devemos,
como o fez há pouco tempo o professor
Carlos Serra, numa entrevista
ao Notícias, buscar interrogar qual é
o nosso problema. Termino dizendo
que a paz na nossa história aparece
como uma suspensão de modalidades
violentas de resolução de nossas diferenças.
Para mim, a guerra é o ponto
de partida para pensar o conteúdo do
que vivemos hoje, pois ela configura-
-se como parte relevante do nosso regime
de historicidade.
Sobre a qualidade
do ensino
Se na educação estiverem
em jogo princípios, métodos e artefactos que
permitam um domínio
pleno dos conteúdos vigentes
nos planos curriculares, ensino
de qualidade será a adequação
entre objectivos traçados, técnicas
adoptadas e resultados obtidos
por comparação entre vá-
rios estabelecimentos escolares.
Se estiver em vista a qualidade
científica e/ou literária dos formandos,
a avaliação visará isso e
não a qualidade de ensino em si.
Se a intenção for desenvolver
uma determinada capacidade
técnica ao nível das necessidades
empresariais, os parâmetros
de avaliação serão no sentido de
avaliar isso.
Finalmente, se o objectivo consistir
em desenvolver a capacidade
de crítica e em preparar
cidadãos comprometidos com
a transformação das relações
sociais geradoras de desigualdades
e injustiças sociais, currículos
e avaliação tomarão um
caminho específico.
Assim, a qualidade de ensino
depende dos objectivos que temos
em vista.
RELATIVIZANDO
Por Ericino de Salema
Entre erros e equívocos
Tal como prometemos semana antepassada,
aqui neste espaço, eis-nos
aqui para prosseguirmos com notas
sobre a revisão constitucional no ordenamento
jurídico moçambicano, desta
vez com enfoque em duas questões principais:
nos erros estratégicos da Renamo
quanto aos fundamentos da revisão e nos
equívocos da Frelimo quanto ao estabelecimento
de uma comissão ad hoc para a
revisão constitucional.
A proposta de revisão pontual da Constituição
da República de Moçambique
(CRM) da autoria da Renamo, que foi,
há duas semanas, liminarmente chumbada
pela bancada maioritária da Frelimo, pode
ser até que tenha como objecto algo fulcral
no edifício democrático moçambicano
e que se acha, inclusive, consignado na
própria lei fundamental: a descentralização
administrativa.
Contudo, apesar de a matéria ser de extrema
relevância aos olhos de todos, mesmo
dos que, quando falam para as câmaras
televisivas e para os microfones radiofó-
nicos, classificam-na com recurso a todo
o tipo de adjectivos depreciativos, ao cabo
de 23 anos de confrontação política com
a Frelimo, o partido no poder, era suposto
a Renamo incluir nas suas rotinas políticas
estratégias visando obstar a que o seu
maior e/ou principal adversário político
tenha argumentos razoáveis à palma da
mão para desbaratar os seus projectos e/ou
propostas [neste caso de revisão pontual da
CRM].
Achamos nós que não seria má ideia se a
Renamo iniciasse a sua preparação estratégica
rumo aos próximos pleitos eleitorais
- ‘autárquicas’ em 2018 e ‘gerais’ em 2019
-, termos em que se a introdução, no nosso
ordenamento jurídico constitucional, da
obrigatoriedade de eleição de governadores
provinciais tivesse como horizonte o
futuro e não o passado, o maior partido da
oposição evitaria desgastar-se a si mesmo
com expedientes que tem bem presente
que a Frelimo nunca os comprará.
Até porque não é de descartar o argumento
segundo o qual o pleito do ano passado não
visava a eleição de governadores provinciais,
porque óbvio. A isso, junta-se o facto
de ser por demais sabido que os diplomas
legais têm como horizonte, em regra, o futuro,
contado a partir da data da sua entrada
em vigor, e não o passado.
Por outro lado, ainda que politicamente
‘sexy’, não parece estratégico a Renamo arguir
o direito de nomear ou propor nomes
a governadores nas províncias onde o seu
candidato presidencial teve maioria dos
votos, uma vez haver, em sede dessa elei-
ção (a presidencial), só um círculo eleitoral,
que é o país como um todo. Se no lugar
disso se defendesse algo nesse sentido nos
círculos eleitorais em que o partido como
tal ganhou as eleições para as assembleias
provinciais, ali, julgamos nós, se reduziria
o campo para a Frelimo facilmente “desmontar”
os argumentos do maior partido
da oposição.
Politicamente, 2018 é amanhã, 2019 é depois
de amanhã, pelo que a Renamo deveria,
de forma proactiva, propor as reformas
que julgar necessárias para que o nosso
sistema eleitoral esteja cada vez mais racionalizado,
começando da própria CRM.
É, nitidamente, problemático o facto de os
governadores provinciais serem nomeados
num contexto em que os membros das Assembleias
Provinciais são eleitos, mas esperar
que os pleitos se realizem para depois
exigir a alteração das regras, para aplicação
retroactiva, será sempre uma missão difícil,
senão mesmo impossível.
No dia em que chumbaram liminarmente
a proposta da Renamo de revisão pontual
da CRM, destacados quadros da Frelimo
que dirigem a primeira e quarta comissões,
respectivamente, propuseram a criação de
uma comissão ad hoc para a revisão da lei
fundamental, isso depois de terem manifestado
concordância com a sua actualiza-
ção, mas de forma holística e não pontual.
Só que é um equívoco de proporções bíblicas
defender a criação de uma comissão ad
hoc para a revisão da CRM (o que até já
foi controvertidamente feito num passado
recente), sem se respeitar o que a própria
CRM impõe como mandatário para que
se possa iniciar, valida e regularmente, um
processo visando a sua revisão.
Diz-nos a norma contida no número 2
do artigo 291 da CRM que “As propostas
de alteração [da Constituição] devem ser
depositadas na Assembleia da República
até noventa dias antes do início do debate”.
E o número 1 do mesmo artigo refere
que só duas entidades podem apresentar
propostas tais: o Presidente da República
ou, pelo menos, um terço (pelo menos 84
dos 250) dos deputados da Assembleia da
República.
Ou seja, essa de criar comissões ad hoc supostamente
para a revisão da CRM, sem
que uma relevante proposta haja sido submetida,
ainda que já faça parte do nosso
‘costume’, não deixa de ser estranho à própria lei fundamental, qual estatuto jurídico
do nosso país!
SACO AZUL Por Luís Guevane
Todos os dias são “Dias de Família”
mas o Natal é só no dia 25 de Dezembro.
Não há Natal em Janeiro,
nem no dia 03 de Fevereiro, 07 de
Abril, dia 25 de Junho e muito menos no
dia 25 de Setembro. Estas datas, entre
outras, são aquelas que correspondem ao
nascimento de outras ideias, outras formalidades,
outras evocações. Entretanto,
durante o ano, religiosamente, falamos de
Jesus. Desabafamos com um “ai Jesus!”,
reconfortamo-nos com um “Meu Deus!”,
desconvocando o diabo e seus acessórios.
É mais cómodo escrever e pensar em
Deus com letra maiúscula e o diabo com
letra minúscula. Diabo é algo a rejeitar.
Deus é algo a defender, a aceitar. Representam,
no fundo, o mal e o bem. Per-
É Natal
correm, porque queremos, os lados obscuros
e iluminados. Um é o descaminho e outro é
o caminho. Jesus é o caminho. Mantemo-nos
a caminhar na fé em Cristo. Uma figura perante
a qual o Mundo praticamente se curva.
Nisto tudo temos o dogma. Podemos escrever
a palavra “dogma” com letra maiúscula ou
minúscula que ninguém se vai chatear. Mas, o
“dogma” comanda como cada um de nós des-
fila pelos (des)caminhos que escolhe. Dogma
pode ser assumido como um “unicórnio” que
criamos em nós como fruto da produção religiosa.
Imaginemos a nossa sombra categorizada
como um dogma. Seguidamente proibir-nos-íamos
de questionar o que a produz.
Mas, ninguém, por si só, produz a sua própria
sombra. A sombra não é um dogma.
A fé produz o dogma. Se isto estiver certo,
então, justifica a razão de as religiões, de um
modo geral, serem intolerantes com o “próximo”
ao ponto de produzirem homens ou mulheres
bomba. Morre-se e mata-se em nome
do Omnipotente, Omnisciente e Omnipresente.
Destroem-se famílias e depois rezamos
por elas, pedindo paz e harmonia.
As famílias moçambicanas guiam-se mais
pelo dogma ou pela razão? Acreditar que
pobreza é destino e que Deus assim o quis
é dogma ou razão? É neste sentido que por
vezes se diz que o pobre é preguiçoso por ser
pobre. O rico faz o pobre trabalhar para não
ser pobre. Na cruz o menino Jesus assiste a
tudo isso. É diariamente evocado mas não resolve
o problema. Os homens que resolvam
os problemas que eles próprios criam. Então,
por que razão ricos e pobres não têm alternativa
a esta figura dogmatizada?
A festa do Natal é um momento de re-
flexão da família. Este ideal, depois da
missa, entretanto, é substituído pelos
comeretes e beberetes. No princípio o
Natal pode ter sido visto como uma importação
ou aculturação. Depois da Independência
resistiu ao sufoco político.
Pela sua grandeza e importância ganhou
robustez após a instauração do multipartidarismo.
Por uma questão de “economia
de comemorações” moçambicanizou-se
o 25 de Dezembro rotulando-o
de “Dia da Família”. Por esta via inteligente
todas as famílias moçambicanas,
independentemente da sua religião, comemoram
o Natal. Que o Natal seja um
momento de luz!
É
a política em oximoro. O que é um
oximoro? Por exemplo: “o mito /
que/ é o nada que é tudo”. Pronto. Aí
está. Um conjunto de palavras aparentemente
contraditórias, incongruentes.
Por exemplo: “é proibido proibir”… ou, “há
um silêncio ensurdecedor”… Coisas assim.
O discurso do estado da Nação reflecte
mais o estado do discurso que se julga
debruçar sobre o estado da Nação. A mai-
úscula no N é uma ênfase romântica, uma
teleologia a regredir. Cá está, um oximoro
coxo. Mas, sobre essa multímoda realidade
a manquejar, o discurso alteia-se a funambulista
que tem a ilusão de poder ocultar a
corda onde se equilibra, como se levitasse,
alheio á lei da gravidade. E a palavra que
devia estar ao serviço da verdade inteira,
lendo-a, enquadrando-a, no convencional
período temporal a que se reporta, esvoaça
como um pássaro encurralado à procura da
janela por onde escapulir-se. A instância
para a elocução do discurso não se deve
confundir com o tribuno que o profere,
cujo, é suposto estar investido dos legítimos
atributos para a devida encenação. As aves
sabem das leis do seu voo e, por isso, abominam
os espaços fechados. As instâncias
de elocução do discurso e os tribunos, ao
contrário dos seres alados, experimentam
a prestidigitação de sugerir que a gaiola é
uma paisagem aberta por onde convidam
a audiência a vagamundear sonhos, a consolar-se
com o labor edificado, a condescender
com as incongruências. É quando
a avestruz, em correria espavorida, ensaia o
voo impossível e a palavra é um cisco, uma
poeira, uma nebulosa como algumas abertas,
uma almofada de penas secas no chão
condicionado, a ar, alcatifas, eficácias tecnológicas
e o mais de prebendas que nenhuma
fábula consente.
De Esopo às mil estórias da oralidade sabedora
de todos os povos, muito se regista
de conluios e revoltas no tempo em que os
animais falavam.
O discurso serve para prevenir isso, para
criar um intervalo, para sugerir soluções,
para reiterar valores e salmodiar louvações
harmónicas. E julga constituir-se no acontecimento
que estatui a realidade quando o
que consegue é o efeito dela, num recalcado
aceitável. Tal desiderato tem como consequência
a produção de códigos de verosimilhança
e de uma necessidade agónica de
correspondência “com o que se está a passar”.
O solipsismo alia-se ao que sobra da
aura teológica.
Para que algo de verosímil se sustenha, costuma
suceder-se a enumeração temática de
números aliados a projectos, de estatísticas
configurando problemáticas, comparações
temporais em crescendo de eficácias e superações.
As alavancas da argumentação,
o maximal-repetitivo da gesta fundacional
são a velatura sobre o quadro do presente,
cuja figuração se recombina consoante as
conjunturas, entre figuras do apocalipse e
os modelos heróicos, refundados, num brilho
de formas e cores em primeiro plano.
Para perceber a França, Marc Bloch foi aos
reis taumaturgos. Nós, depois das escrituras,
reouvimos os que nos disseram, partidária
e individualmente, serem a luz, a verdade
e a vida. Quem, de entre eles, porfiou
pela prosperidade do reino?
E o oximoro ulula a verdade da sua mentira.
A luz não esplende. A verdade exila-se.
A vida não é um ofício cantante, para citar
um poeta. A água, esse precioso líquido,
mingua. A cidade é o epítome do funambulista
a desequilibrar-se. O campo, se de
campo se pode falar, experimenta a mansidão
que pode preceder um alvoroço de
caça. Há quizumbas a gargalhar, meneando
a cabeça em diminuendo, atentas ao cansa-
ço da presa ferida.
E, suprema bizarria, a contrário das tradi-
ções, há um encoberto. A morte pode espreitar
mas não é uma solução.
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