Por Ricardo Mudaukana
Para uns, principalmente
nas hostes do seu partido,
Renamo, trata-se de uma
das jovens mais talentosas
da política moçambicana. O arrojo
com que se notabilizou na legislatura
da Assembleia da República
prestes a findar é apontado pelos
seus admiradores como o “bilhete”
para um potencial futuro brilhante
na carreira política.
Para outros, contudo, Ivone Soares
não passa de uma aventureira
tempestuosa, que, protegida
pelo tio (irmão da mãe), Afonso
Dhlakama, não olha a meios para
concentrar os holofotes à sua volta.
Em entrevista ao SAVANA, Soares
admite que tem no líder da
Renamo um “ídolo”, mas diz que
está na política por mérito e ideais
próprios.
Diz que o parentesco com o líder
do principal partido da oposição
já lhe rendeu amargos de boca.
“Chamavam-me parente de Matsangaice”,
diz, aludindo à chacota
de que afirma ter sido alvo, pela
relação com Afonso Dhlakama e
Renamo, cujos membros “herdaram”
uma corruptela do nome do
seu primeiro líder, André Matsangaíssa.
É uma das deputadas mais destacadas
da bancada da Renamo na
Assembleia da República. Quando
é que começa o seu envolvimento
com a Política?
Comecei quando era ainda criança... Sempre me apaixonou defender
os meus direitos e os dos
demais e lutar para que as coisas
funcionassem melhor, por exemplo
na escola... A minha mãe diz que
eu queria sempre receber explicações de tudo o que acontecia e não
me conformava facilmente com o
que não fosse transparente.
O que a move a envolver-se na
Política? Que ideais defende?
Sobretudo, a ideia de poder dar o
meu pequeno contributo, fazendo
algo útil para o meu povo. Mudar
as coisas que andam mal, melhorar
as condições de vida dos moçambicanos,
acabar com as injustiças...
Podem parecer ideais românticos
ou até utópicos mas eu acho que
são muito actuais.
Para muitos, principalmente em
África, estar na Política é o meio
mais fácil de chegar ao conforto
e, até, à riqueza. Como olha para
essa percepção?
É verdade que muita gente está
desapontada com a política e que
muitos políticos usam o poder para
benefício próprio. Nós que não
somos assim temos o dever de demonstrar
que uma outra maneira
de fazer política é possível e há que
se conquistar o consenso para mudar
qualquer situação.
A maioria dos políticos moçambicanos
na oposição foi militante
da Frelimo, por força da história deste partido, ou teve algum
tipo de ligação com o partido no
poder. A deputada Ivone Soares
teve algum passado na Frelimo,
ao nível da Continuadores ou da
Juventude da Frelimo, como sucede
com o grosso dos políticos
mais jovens do partido no poder
e da oposição?
Nunca tive nenhuma
ligação com a Frelimo
Antes de chegar a deputada, que
percurso teve na Renamo?
A minha ligação à Renamo é umbilical.
Lembro-me que no tempo
da luta pela democracia alguns
miúdos lançavam piadas perto de
mim para ofenderem-me. Chamavam-me
parente de Matsangaíssa,
mas eu olhava indiferente,
pois sabia que toda a luta visava
introduzir a democracia multipartidária
em Moçambique. Aquando
da assinatura do Acordo Geral de
Paz acompanhei todo o processo,
pois não tirava o ouvido do Xirico
(rádio) que tinha. Em 1994
trabalhei incansavelmente na colagem
de panfletos da Renamo e do
Presidente Afonso Dhlakama. Em
1999 (já com idade de votar) pude
pela primeira vez exercer esse meu
direito e foi muito emocionante
para mim. De membro simples
da Liga da Juventude da Renamo,
passei a trabalhar na rádio Terra
Verde onde produzia e apresentava
programas radiofónicos onde amava
a interacção com os ouvintes.
Recordo-me de ter desempenhado
a função de porta-voz do gabinete
central de eleições da Renamo nas
eleições autárquicas 2008, gerais de
2009. Dirigi a Política Externa da
Renamo, Sou Membro da Comissão
Política Nacional e em Fevereiro
de 2014 fui eleita Presidente da
Liga da Juventude da Renamo.
Sendo a Política moçambicana,
como, de resto, acontece em
quase todo o mundo, um universo
ainda muito masculino, a que
habilidades recorre para se impor
como o tem conseguido na Renamo
e ter granjeado a notoriedade
que conseguiu na Assembleia da
República?
Às vezes parece que uma mulher,
por ser mulher, tem que demonstrar
que vale mais do que os homens...
Isto poder ser positivo
porque obriga a trabalhar mais e
melhor, mas devo dizer que nunca
sofri discriminações graves por ser
mulher, se calhar na vida política é
mais difícil ser jovem que mulher!
Sou frontal e não deixo o trabalho
para o dia seguinte. Primo pelo dinamismo
e contínua aprendizagem
com vista a fazer o meu trabalho
com a rapidez e competência esperadas.
Que passos devem ser dados para
que mais mulheres ingressem na
Política em Moçambique? Que
impacto traria a presença de mais
mulheres na Política em Moçambique
e na sociedade, em geral?
Moçambique já tem um bom índice
de presença das mulheres na política,
todavia, julgo precisarem de
dar maior visibilidade às suas acções. Na economia e na gestão das
grandes empresas muito está ainda
por fazer. É uma batalha fundamental.
Sabe-se que a mulher
traz em todas as suas actividades
um valor acrescentado em termos
de capacidade, determinação, experiências
concretas, sensibilidade,
gestão transparente...
“A Ivone saiu ao tio”
Qualquer referência a si na comunicação
social e noutras esferas
é também associada ao facto
de ser sobrinha do líder da Renamo,
Afonso Dhlakama. Como
reage a essa situação?
Olha, eu sinto-me orgulhosa desta
ligação familiar com o Presidente
Dhlakama, ele é uma pessoa extraordinária,
sábia e corajosa... É
realmente o pai da democracia em
Moçambique.
Essa ligação constante não a incomoda?
Não a desmerece? Não
teme que seja vista como a protegida
do líder e não produto de
esforço próprio?
Pelo contrário, isso motiva-me para
demonstrar que tenho qualidades
próprias e sou uma pessoa que teve
a quem sair. Gosto quando dizem
“a Ivone saiu ao tio”.
No seu dia- a-dia, que consequências
acarreta para si ter laços com
Afonso Dhlakama? Já se sentiu
perseguida ou alvo de represálias
por isso? Já lhe negaram algum
direito pessoal, social económico
ou algo do género?
Um caso já contei. Tenho recebido
algumas ameaças ultimamente,
mas não dou a isso a menor importância.
Parece-me mais grave
aquele tipo de discriminação que
(em Moçambique) sofrem aquelas
pessoas que, por não ter cartão da
Frelimo, não encontram emprego
ou são ultrapassadas por outras
menos preparadas mas com o cartão
vermelho...
Não perdeu amigos por ser sobrinha
de Afonso Dhlakama? Não
viu familiares seus afastarem-se
de si pela sua militância aberta e
declarada à Renamo?
Felizmente, os meus familiares directos
e amigos leais sempre respeitaram
e me apoiaram nas minhas
escolhas pessoais e políticas.
Isto não significa que sejam todos
da Renamo... Por exemplo tenho
) -Em entrevista ao SAVANA, a Jovem deputada da Renamo reconhece igualmente que Guebuza foi afável no encontro para trazer Dhlakama
da “parte incerta” “Os meus amigos leais sempre respeitaram-me e apoiaram-me nas minhas
escolhas pessoais e políticas” — um cunhado, se calhar o conhecem,
que é de outro partido da oposição...
Não se sente favorecida e privilegiada
por ser sobrinha do
líder? Acha que teria chegado a
deputada na legislatura prestes a
findar, eleita presidente da Liga
da Juventude da Renamo e colocada
em posição elegível para as
próximas eleições, se não tivesse
o vínculo que tem com o líder da
Renamo?
Claro que esta relação familiar
estimulou-me a ter ligação umbilical
com a Renamo, porém o tio
Afonso nunca gostou de promover
os seus parentes em detrimento de
outros quadros competentes.
O Presidente Dhlakama defende
a meritocracia. A pessoa deve demonstrar
o que vale. Eu nunca teria
chegado à Assembleia da Repú-
blica só pelo facto de ser sobrinha,
se não tivesse trazido bons resultados
no trabalho de base como militante
da Renamo porque ele não
aprovaria isso.
O Presidente Guebuza foi
afável comigo
Como é que se envolve no processo
que levou Afonso Dhlakama a
sair do “lugar incerto” para a capital
do país?
Quando o Presidente da Renamo
decidiu fixar a sua residência em
Satunjira eu fui morar lá durante
45 dias e foi uma experiência extraordinária,
inesquecível... Fiquei
com vontade de voltar para lá na
primeira ocasião que pude conhecer
o lugar...e posto que eu falava
com ele com certa frequência durante
todo o tempo que esteve na
dita “parte incerta” foi natural que
contribuísse para organizar a sua
saída da Gorongosa.
A sua participação no processo da
“recuperação” de Afonso Dhlakama
para “a vida política normal”
está também associada ao envolvimento
do Governo italiano no
processo. Itália e o Ocidente inspiram
uma confiança mais refor-
çada à Renamo? Porquê?
Dom Matteo Zuppi e o Embaixador
da Itália, Roberto Vellano,
contactaram-me para ver se podia
ajudar a organizar um encontro
com o Presidente Dhlakama e o
Presidente concordou. Quando
o Primeiro-Ministro Italiano,
Matteo Renzi, esteve em Maputo,
teve uma conversa telefónica
com o Presidente Dhlakama e
encontrou-se também com o Presidente
Guebuza. Antes disso, já o
Embaixador italiano havia facilitado
a ligação de outros membros
do governo italiano que buscavam
ser úteis ao povo moçambicano
facilitando o entendimento entre
as partes (Renamo e governo da
Frelimo), assim os vice-ministros
Pistelli e Calenda puderam conversar
telefonicamente com o
Presidente Dhlakama com vista a
persuadi-lo a viajar a Maputo. No
dia 30 de Agosto acompanhei à
Gorongosa Dom Matteo Zuppi,
o Embaixador Roberto Vellano, o
Vice-ministro, Carlo Calenda, e
tivemos uma conversa afável com o
Presidente Dhlakama donde partimos
para Nampula onde também
separadamente eles e eu conversá-
mos com o Presidente Guebuza.
No dia acordado, 3 de Setembro,
voltei a acompanhar à Gorongosa
o grupo de Embaixadores que
o Presidente Dhlakama convidou
para com ele entrarem em Maputo.
Todos os Embaixadores convidados
aceitaram prontamente participar
nesta missão que culminou
com a assinatura do Acordo de
Cessação das Hostilidades Militares.
Trata-se dos Embaixadores
da Itália Roberto Vellano, Estados
Unidos da América Douglas Gri-
ffiths, Portugal José Augusto Duarte,
Botswana Thuso Ramodimoosi
e a Alta Comissária do Reino
Unido Joanna Kuenssberg.
A Itália teve um papel fundamental
nas negociações do AGP em 1992
e sempre acompanhou a manuten-
ção da paz em Moçambique. Por
isso é considerada um interlocutor
fiável por nós e acredito também
pelo Governo. Quanto à pergunta
sobre os países ocidentais: Nós
somos uma força política moçambicana
e africana e temos o nosso
próprio modelo de desenvolvimento,
mas pela nossa história de lutadores
pela democracia e pluralismo
olhamos aos países democráticos
do Ocidente com respeito, pois são
referência das liberdades políticas e
direitos humanos no mundo.
Qual foi o momento mais decisivo
para a saída de Afonso
Dhlakama do refúgio onde se encontrava?
Foi um processo onde cada uma
destas questões foi fundamental. É
claro que a presença do Vice Ministro
italiano Calenda e, quatro
dias depois, dos cinco embaixadores
foi importante, como foi a rati-
ficação dos acordos pela AR no dia
8 de Setembro. Sem esquecer que
tudo isso foi possível graças, antes,
aos trabalhos das delegações e dos
mediadores nacionais no Centro
Joaquim Chissano.
É muito crítica do Governo e do
chefe de Estado actual. Teve um
encontro com ele nos momentos
que antecederam a saída do seu
tio do “lugar incerto”. Com que
imagem saiu de Armando Guebuza,
após o encontro que teve
com ele? Mudou a opinião que
tinha dele?
Encontrei-me com o Presidente
Guebuza em Nampula. Ele foi
muito afável. Falámos duma forma
franca e frontal. Eu obviamente
tratei-o com o respeito que se
deve a um chefe de Estado. Naturalmente,
isso não quer dizer que
tenha mudado a minha opinião sobre
as políticas sectoriais da governação
da Frelimo que o Presidente
Guebuza dirige.
Penso eu que manter sempre uma
relação cordial, civilizada com os
adversários seja importante. A
título de exemplo, na minha actuação
profissional sempre soube
distinguir entre relações pessoais e
as políticas e lido com governantes,
membros dos outros partidos
da oposição e tenho amigos ardinas
com quem falo longamente ao
telefone.
Como é que olha para o seu tio? É
um ídolo para si?
Simplesmente, sim. O tio Afonso
é mesmo o meu ídolo. Um homem
cuja história de vida é de sacrifícios
em prol da defesa dos interesses do
povo moçambicano.
Fez amigas e amigos na Bancada
da Frelimo na Assembleia da República?
Cultivo sempre boas relações por
onde passo. Muitos colegas das
outras bancadas tornaram-se pessoas
amigas. Sempre tento preservar
uma relação de trabalho que
nos permita termos um diálogo
dentro e fora do Parlamento.
Que distingue a Renamo de outros
partidos da oposição? Acha
que a Renamo mantém o seu poder
de persuasão com constantes
referências ao ideário de luta pela
democracia, uma vez que a nossa
Constituição e demais leis seguem,
pelo menos formalmente,
o primado de um Estado de Direito
Democrático?
Uma coisa é proclamar a democracia
em teoria outra coisa e pô-
-la em prática... Este país precisa
de alguém que tenha demonstrado
com o exemplo e a vida pessoal o
que quer dizer lutar pela democracia
e a liberdade para todos os mo-
çambicanos. Esse homem existe
e chama-se Afonso Dhlakama. É
isso que demarca a nossa diferença
com os outros partidos e é por isso
que a Renamo vai ganhar as próximas
eleições.
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