POR VENÂNCIO MONDLANE
Em relação ao nosso passivo,
o Conselho de Ministros
faz uma abordagem
escandalosamente omissa
sobre os detalhes da dívida pú-
blica. Aquele que foi considerado
pelo último relatório do FMI
como o segundo maior factor de
risco fiscal para Moçambique foi
pura e simplesmente esquivado,
como uma avestruz o faz em face
do perigo, ocultando a cabeça na
terra. Estamos a falar da Ematum
Moçambique SA.
A tese que defendemos, depois
de dois anos de permanente escândalo
e de provas mais do que
evidentes da corrupção governamental
atingindo o ápice do admissível,
é a seguinte: ALGUÉM
DEVE SER PRESO!
Recordamos que no período de
2009-2013 o total da dívida externa
de Moçambique cresceu
60%. A dívida externa tem um
peso no global do endividamento
de 85%, sendo que a Ematum
representa aproximadamente 1/6
da dívida global e 53%, mais de
metade da dívida externa, por outras
palavras, do valor global que
devemos aos mercados financeiros
internacionais, a Ematum sozinha
representa mais de metade
desse passivo.
A Ematum – Empresa Moçambicana
de Atum SA, foi fundada
a 02 de Agosto de 2013 com
capitais públicos e (formalmente)
privados e tem como objecto
social principal a actividade pesqueira
do atum e de outros recursos
pesqueiros, incluindo a pesca,
recepção, processamento, armazenamento,
manuseamento, trânsito,
comercialização, importação
e exportação desses produtos. O
capital social é de MZN15 milhões
(+/- 500.000 USD) subscrito
pelos seguintes accionistas:
IGEPE (34%), EMOPESCA
(33%) e GIPS - Gestão de Investimentos,
Participações e Serviços
Lda (33%) (ligação à Segurança
de Estado).
Para a operação em Moçambique,
a Ematum vai contar com 24
embarcações, tendo já recebido
uma parte do construtor a CMN
– Constructions Mécaniques de
Normandie). A sua actividade
efectiva foi a 05 de Dezembro
de 2013 e muito recentemente
foi publicado o relatório e contas
desta sociedade.
O surgimento desta empresa esteve
envolto a uma série de polémicas
desde a sua criação, pois,
para o nível de investimento a ela
associada não tinha correspondência
no nível de transparência
da mesma. A empresa foi, com
aval do Estado Moçambicano,
adquirir, em Agosto de 2013,
um financiamento no exterior
de USD850 milhões com juros
astronomicamente altos (Libor +
6%), muito comparável com uma
operação de criminosa agiotagem.
A repartição deste montante,
isto é, a identificação clara da
parte comercial e a não comercial
do financiamento, ficou uma incógnita
e um tema secreto durante
muito tempo, tendo inclusivamente
a representação do FMI
em Moçambique bastantes vezes
reclamado o secretismo para se
divulgar tal informação.
Muitos países do famigerado
G19, também chamados parceiros
de apoio programático,
denunciaram a falta de transparência
neste negócio, a legalidade
da empresa e chegando mesmo
a condicionar a continuidade
de ajuda ao orçamento do País.
Internamente, a sociedade civil
mostra-se e mostrou-se bastante
apreensiva com este negócio típico
da máfia siciliana.
A grande questão é qual o impulso
real que esse nível de endividamento
trouxe para as áreas
sociais e económicas. Basicamente
um zero redondo. Só para dar
um exemplo, Moçambique actualmente,
no ranking regional, é
dos piores países da SADC em
desenvolvimento de infra-estruturas,
suplantado até pela Suazilândia
e pelo Malawi e isto num
contexto em que se intoxicou,
durante 10 anos, a comunicação
social pública com um tal falso
profeta chamado de “o filho mais
querido do país” e que supostamente
o seu grande mérito era ter
erigido grandes infra-estruturas.
Pelo acima exposto, nos parece
que tudo não passou de pura intoxicação
política e propaganda
venenosa para nos confinar a um
equívoco e esquizofrenia colectiva.
Em suma, foram 10 anos de
burla discursiva, como se diz em
gíria popular, enganar um bebé
que bebe leite quando o seu biberon
está cheio de água.
Polémica também foi a constitui-
ção desta empresa sem concurso
público e sem aprovação do parlamento.
Em Setembro de 2013
o então presidente AEG efectuou
uma visita aos estaleiros navais da
Normandia CMN (Nordeste da
França) como que a chancelar o
que já está se tornando o maior
escândalo financeiro governamental
desde a independência do
Pais - Isto é a réplica Moçambicana
do Mensalão Brasileiro, com
a única diferença de nas terras do
samba alguém ter sido preso e na
terra da Marrabenta ainda prevalecer
a impunidade de bradar os
céus. Estamos perante o que vai
ficar registado na história para a
posteridade como o Ematumgate.
Tecnicamente falando, também
existem fortes dúvidas sobre os
stocks de atum na costa Moçambicana,
os dados que existem indicam
que o stock de atum é regional
e não local, com incidência
para as Seichelles, Tanzânia, Madagáscar
e Quénia. Outro aspecto
importante é que todos os estudos
demonstram que a captura do
atum no Mundo está a decrescer
geometricamente ano após ano,
constituindo um factor de risco
elevado a concentração de muitas
expectativas sobre este mercado.
O financiamento no mercado
financeiro internacional foi baseado
numa proposta agregada
de USD850 milhões. Deste
valor apenas USD350 milhões
para empregar directamente na
empresa e os restantes USD500
milhões foram alocados nas calendas
gregas! Nem a Conta Geral
do Estado nem o relatório e
contas da Ematum fala do destino
destes 500 milhões.
Face à coincidência do período de
contratação deste passivo com o
início das hostilidades militares,
o mais provável é que o valor foi
aplicado na área da defesa, isto é,
para compra de material bélico,
dos quais os blindados que aparecem
misteriosa e escandalosamente
no porto de Maputo são
apenas a ponta do iceberg.
A única razão racional para o
Governo ter usado esta cilada ardilosa,
foi justamente para evitar
que os financiadores recusassem
aprovar a proposta porque não
queriam estar associados a um
investimento para guerra. Mas na
verdade foi exactamente para isso
que surgiu o projecto Ematum,
para viabilizar o projecto bélico
do Governo de Moçambique que
esteve na origem das hostilidades
militares que duraram quase dois
anos.
Muito recentemente foi publicado
o relatório e contas dos exercí-
cios económicos de 2013 e 2014
sobre o desempenho económico-
-financeiro da Ematum. Para corroborar
o que acima descrevemos,
este relatório não fala de USD850
milhões mas de USD350 milhões
e, curiosamente, o risco dos
USD500 milhões vai ser imputado
totalmente ao Estado e não
aos accionistas da Ematum. Quer
dizer foram burlar o mercado fi-
nanceiro internacional e agora
quem vai pagar a burla é o povo
Moçambicano, seus filhos e seus
netos.
As fainas feitas pelos tais barcos
não garantem um pescado superior
a USD3 milhões/ano(NdR:
a empresa clama um rendimento
de USD200 milhões na sua fase
cruzeiro), mas paradoxalmente,
o serviço da dívida é de USD24
milhões, sendo que a próxima
prestação vence em Setembro
próximo. Como vamos pagar
isto? Os accionistas ainda nem
sequer colocaram um único dó-
lar para capitalização da empresa,
então aonde se vai buscar o dinheiro
para pagar esta prestação
que está próxima ao vencimento?
Sob ponto de vista da viabilidade
económico-financeira, as evidências
não deviam ser outras, a
empresa está em falência técnica,
com fundos próprios negativos de
MZN1200 milhões, prejuízos de
MZN850 milhões e com capital
social até hoje não realizado.
É chegado o momento de dizer
basta a este ciclo interminável de
impunidade, de esfaqueamento
do Estado e do Erário público,
por pessoas que descarada e
despudoradamente ainda vêm
ao parlamento tomar um café às
custas do povo que humilham e
espoliam.
É chegado o momento de colocar
cada um no lugar onde merece,
o sol aos quadradinhos não se
deve confinar apenas aos pilha-
-galinhas e aos mais humildes, é
altura de varrer o rasto de destrui-
ção deixada por alguns que se fi-
zeram cavaleiros sobre o Estado e
o Governo, usando estas institui-
ções como partes do seu quintal
em Txumene e Romão! Chegou
o momento de prender alguém!!!!
Recomendamos vivamente à
PGR, que tem sido muito voluntariosa
em constituir arguidos
académicos, jornalistas, editores,
apenas pelo exercício do direito
de liberdade de expressão, em face
da matéria de suspeição bastante,
atropelos flagrantes e grotescos
ao Estado e ao povo Moçambicano,
mande prender imediata e
preventivamente o antigo presidente,
Armando Emílio Guebuza
e que se faça um ofício à Comissão
Permanente da Assembleia
da República, para que se levantar
a imunidade do nosso colega,
candidato a Presidente da FMF
e antigo Ministro das Finanças,
Manuel Chang, para que responda
sem reservas as investigações
para responsabilização disciplinar
e criminal dos que traíram e venderam
a pátria aos bancos estrangeiros.
* Deputado do MDM(Movimento
Democrático de Moçambique).
Excertos editados da intervenção
na Assembleia da República a
17.06.15 sobre a Conta Geral do
Estado 2013 e o Caso Ematum.
Título da responsabilidade do
SAVANA
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