XENOFOBIA: O NOSSO QUINHÃO DE CULPA
Num momento em que os nossos irmãos sofrem, com a onda de xenofobia na África do Sul, urge repensarmos no nosso quinhão de culpa; na nossa responsabilidade como povo e como estado. Como e porquê eles vão a África do Sul? A violência e maus tratos não são todavia, novos lá. Porquê insistem em lá ir viver e trabalhar?
O movimento migratório é essencialmente um exercício voluntário e oportunista, onde as pessoas buscam melhores condições de vida para si e seus dependentes. Outros tipos de migração têm nomes próprios: exílio, repatriamento, extradição, etc.
A esmagadora maioria dos emigrantes à África do Sul é pobre e analfabeta, que não se beneficia das políticas redistributivas do Estado moçambicano. Na melhor das hipóteses, é uma população consciente das OPORTUNIDADES ALCANÇÁVEIS do outro lado do mundo e que arrisca suas vidas para escaparem à ratoeira da pobreza cá em Moçambique.
O que existe em comum em todo tipo de emigrantes moçambicanos (e da África Austral por extensão) é que estes são EMIGRANTES DA POBREZA, indesejáveis às classes semelhantes nos locais de chegada. São pobres de um país que se juntam aos outros pobres do país de chegada e saturam a capacidade de resposta do Estado à solução das necessidades básicas dos pobres deste mesmo estado. Logo, estes pobres “estrangeiros” transformam-se automaticamente em bodes expiatórios e receptores de mensagens da fúria dos cidadãos zangados com o seu estado.
Todavia, esta atitude não é única dos sul-africanos. Nós, moçambicanos também somos assim com os linchamentos; somos assim com o discurso de unidade ou desunião nacional; somos assim com o discurso de regiões autónomas e somos assim com para com os “nigerianos”, a quem acusamos de feitiçaria ou práticas mágico-religiosas e crimes hediondos para a riqueza que facilmente conseguem acumular em “terra de dono”. A diferença é que aqueles moçambicanos capazes de escapar ao linchamento na África do Sul podem regressar enquanto nós não temos outa alternativa senão ficarmos aqui na nossa terra.
Ora a alternativa para isto é transformarmos a nossa terra em melhor lugar para viver. Não conseguimos fazê-lo nos últimos 40 anos da nossa independência. Vivemos ciclos de violência estrutural múltipla. Sem contar com o colonialismo, vivemos a violência do monopartidarismo e do socialismo, da guerra dos 16 anos, dos ciclos da violência eleitoral e da intolerância política; da pobreza e da não inclusão; do espectro do regresso ao conflito armado e dos “homens armados” da Renamo.
A migração para África do Sul transformou-se num substrato cultural forte de todo jovem à sul do Save privado de meios básicos de subsistência. Ir a África do Sul passou a ser um rito de iniciação, uma prova de masculinidade, de bravura e de aptidão; uma chave de fenda para abrir a possibilidade de casar, ter filhos e sustentá-los; um ciclo não de vida, mas de morte, uma vez que invariavelmente, o fim é o tal “regresso do morto” descrito por Calane da Silva em Xicandarinha na lenha do mundo [Maputo: Associação dos Escritores Moçambicanos, 1988. Colecção Karingana, 1988].
Ao contrário dos outros emigrantes como cubanos que exportam médicos, americanos que exportam conhecimento e tecnologia ou chineses que exportam mão-de-obra-barata, nós exportamos pobreza, esta pobreza que não conseguimos colmatá-la cá dentro. Por ser uma sociedade de emigrantes pobres vivendo com os pobres dos países de chegada, somos facilmente vistos como mal-intencionados, pessoas que tiram o pão ao “dono da terra” e a preço de banana.
Ao mesmo tempo que lamentamos a violência praticada por outrem, devemos aproveitar a oportunidade para nos injectar de “raiva”, trabalharmos arduamente para construir este país e torná-lo num lugar apetecível para todos e cobiçável aos nossos irmãos estrangeiros, ao mesmo tempo que aperfeiçoamos as nossas políticas migratórias para atrair não apenas o investimento estrangeiro mas também o conhecimento necessário para promover a sustentabilidade.
Mas este país só pode andar rápido com inclusão. Há espaço para todos e trabalho para cada um de nós para as próximas 10 gerações. Porém, enquanto não melhorarmos as condições políticas para o trabalho bem como as nossas políticas redistributivas, os moçambicanos maioritariamente a sul de Moçambique preferirão enfrentar o risco da xenofobia na África do Sul a ter que morrer sentados em sua terra. Assim, a África do Sul continuará a ser a Lampedusa tão desejada pelos povos pobres e martirizados da África Austral; o quilómetro zero (KM0) para uma outra possibilidade de narrar a vida.
PS: Texto publicado no SAVANA de hoje 17 de Abril, página 19 com o mesmo titulo
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