Sexta, 03 Abril 2015
Uma leitura um pouco mais atenciosa na mídia local actual leva-nos a descobrir que a questão da igualdade de género é o tema do momento. São vários os anúncios de emprego nas áreas das ciências sociais, em particular, a requisitar especialistas na temática do género e ou estratégias de sobrevivência e empoderamento das mulheres nos meios urbanos, periurbanos e rurais.
Várias ONG internacionais operando no país disponibilizam fundos sem olhar para medidas, seja para capacitar a mídia nacional na temática do género, seja para financiar projectos e programas que visem promover a igualdade de género em todos os âmbitos.
Este tema tornou-se o centro do debate social actual que me atrevo a afirmar que será o tema mais concorrido para as teses e dissertações de licenciatura e mestrado nos próximos tempos (se é que ainda não é), pelo menos ao nível das ciências sociais, deixando desse modo o cliché temático do HIV/SIDA, que está a ficar teoricamente esgotado e desacreditado, para o passado.
E como não poderia deixar de ser, esse tema da igualdade de género tornou-se na nossa praça um dos novíssimos e recorrentes chavões dos discursos demagógicos dos nossos governantes. Não há nomeação ou investidura que não contempla esta componente.
E, também, este tema está tão em voga que, localmente, estão a surgir “homens pretensamente a favor da mudança” e, em contraparte, a desencadear um novo tipo de contra-exclusão: que é uma espécie de exclusão causada pela exclusão.
Falo das situações em que também os homens são excluídos por serem fatalmente homens e as mulheres colhem benefícios pelo facto de serem especialmente mulheres, isso porque a sociedade contemporânea está engajada em encontrar forçosamente em tempo recorde o dito equilíbrio/igualdade em todos os sectores e esferas sociais. Ou seja, tenta-se solucionar um problema criando e fazendo vista grossa a um outro problema.
A minha inquietação, primeiro, como simples cidadão um tanto atendo às dinâmicas da sociedade na qual se encontra inserido, e também como um presunçoso estudioso na área das ciências sociais, é se efectivamente não vale a pena desdobrar esse debate da igualdade de género para outros fóruns, tal a academia, nem que seja para arbitrar e contemporizar questões “aparentemente” singelas e banais como as citações textuais.
Assim, o objectivo deste texto é de propor a necessidade de um debate linguístico-social e sociológico mais rigoroso e actualizado sobre a questão de género nas citações textuais.
E aconselho um debate, primeiro, moral-normativo por neste caso tratar-se de uma provocação epistemológica cujo intuito é lembrar de relance a dificuldade a que os cientistas sociais estão expostos. Refiro-me a constante tentação que sofrem de buscar a rigorosidade científica e em simultâneo se distanciarem das suas convicções sócio-ideológicas. Falo do grande busílis paradoxal de se encontrar uma norma isenta da ética ou de se encontrar uma ética totalmente isenta de preceitos. Urge daí a extraordinária necessidade de moralização da norma.
Segundo, sócio-linguístico por “a língua é um reflexo da sociedade, das pessoas vivas que a falam” (Ramos&Teixeira). E ainda, a semelhança de Figueiredo (2012) também acreditamos que “as palavras têm poder. Muitas vezes não paramos para pensar o quanto elas podem reflectir a sociedade na qual vivemos. Somente quando lidamos com uma linguagem sexista percebemos isso, porque, uma vez associada intrinsecamente à nossa cultura, a linguagem representa a forte influência do patriarcado”. Porém, como qualquer outro produto social, os géneros estão sujeitos à mudança, decorrentes não só das dinâmicas sociais endógenas e exógenas, como também da evolução natural da língua no espaço e no tempo e do lugar/papel de quem a usa.
Terceiro, proponho um debate mais rigoroso pois penso que já é altura de se colocar este assunto, pelo menos a nível académico, em pratos limpos, de forma consensual, translúcida e até pragmática, ou seja, já altura de se estabelecerem balizas (nem que sejam cientificamente provisórias) no destaque do género dos autores nas citações textuais. Penso que não se pode continuar a entulhar a poeira debaixo do tapete e continuarmos a deixar em subentendido, em indefinido, e simplesmente deixarmos ao cargo dos leitores/pesquisadores a decifração do género do(a) autor(a) citado(a) num texto ou, como em alguns casos acontece, sermos compelidos a ir até a página da bibliografia para verificarmos tal facto quando isso nos for possível.
Quarto, proponho um debate actualizado, para que presentemente seja de praxe que os docentes veiculam esses valores aos estudantes durante as aulas, os seminários de pesquisa e a redacção dos ensaios ordinários das diferentes cadeiras e consequentemente para que os futuros manuais de metodologia de pesquisa e ou de normas de redacção de trabalhos científicos contemplem essa questão de género. Ainda, para que se ultrapasse, pelo menos, ao nível da comunidade académico, o androcentrismo que dominou durante gerações os discursos dos autores clássicos nas ciências sociais no concernente à problemática do género. Tal como me referi no intróito, para que também a moda da igualdade de género desfile o seu charme nas passarelas do saber científico.
Entretanto, o problema que procuro levantar neste texto é a necessidade de se, finalmente, encontrar um meio-termo, uma norma, um consenso, um padrão, uma praxe (neste caso académica) na qual ficará redondamente manifesto, pelo menos ao nível da grafia, o género do(a) autor(a) citado(a) em determinado trecho de uma obra científica.
PAULO ARMANDO NHANTUMBO
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