Lamento muito que o seu nome tenha sido envolvido na lista impopular do G 40, uma lista VIP, ou seja, de pessoas muito importantes. Lamento muito mesmo que os autores morais dessa lista não tenham pensado um pouco antes de envolver o nome do senhor Dr. António Gaspar, pessoa que me pareceu ser sempre muito afável e muito humana, sendo um professor de mão cheia e que gosta dos seus alunos, que gostam muito das suas aulas. De facto, quem o envolveu nessa grande bolada mal sabia que estaria a contribuir para colocar em causa o bom nome, a honra, a reputação e integridade moral que o senhor conseguiu construir com muito esforço ao longo da vida. Quem não é importante não deverá sequer sonhar em fazer parte de uma lista de Very Important People, podendo fazer parte de outra lista, a dos que não são importantes, onde são atafulhados os “cidadãos de segunda” ou mesmo os cidadãos excluídos, marginalizados, vagos, sem consciência e sem nada de útil para dar. Em Portugal também corre ali uma lista VIP de contribuintes, ou seja, pessoas tidas como muito importantes para beneficiarem de privilégios especiais no pagamento dos impostos, senão mesmo para não pagarem os impostos, violando-se assim o princípio da igualdade que a lei fiscal impõe, que estabelece que todos cidadãos devem pagar impostos, independentemete da sua raça, religião, etnia, tribo, sexo, profissão, estatuto social e cor política. Enquanto em Portugal uma lista VIP gera escândalo e leva à instauração de uma Comissão de Inquérito para averiguar e apurar os factos que terão estado por detrás da sua origem, assim como apurar as responsabilidades, levando até a ministra da Economia e Finanças a ir ser ouvida pelo Parlamento, entre nós cá, que nos dizemos um Estado de Direito e Democrático, listas VIP são normalíssimas. Não escandalizam a ninguém, muito menos às autoridades que devem zelar pelo bom funcionamento do serviço público. Não é grande a distância que vai da lista VIP interceptada em Portugal à lista VIP interceptada em Moçambique, dado que tudo tem a ver com os impostos. Enquanto os VIP tugas são os que ficam isentos de pagar os impostos, os nossos VIP são os que são considerados autorizados para serem eles os únicos que podem emitir as suas opiniões nas nossas rádios e televisões que vivem dos nossos impostos. Tanto num como noutro caso estão esses cidadãos VIP a fazerem boladas com os impostos dos cidadãos. Dizem que alguns dos nossos VIP até recebem senhas de combustível e bebidas para promoverem a intoxicação da opinião pública, poluindo o meio ambiente. É lamentavel, meu caro Dr. António Gaspar, que o seu nome tenha sido envolvido nisso. Eu era capaz de colocar as minhas mãos no fogo e jurar que o Dr. nada tem a ver com essas boladas, mas cada vez que vou envelhecendo vou ficando com medo de brincar com o fogo, dado o risco de acabar queimando. Passemos para frente. Eu que sempre fui um cidadão pacato, sem sequer saber que isso poderia fazer de mim um “cidadão de segunda”, exluído das listas VIP, um dia tive a honra e o privilégio de ser convidado pela equipa do capítulo moçambicano do Mecanismo Africano de Revisão de Pares a fim de participar num encontro com jornalistas, no qual seria apresentado o mesmo relatório de revisão referente à Moçambique que, entretanto, tinha sido apresentado pelo presidente Armando Emílio Guebuza em Adis Abeba, Etiópia. O ilustre Dr. António Gaspar exercia ali alguma função, da qual agora não me lembro muito bem, mas de qualquer forma fazia parte da equipa. Na hora de intervirmos e darmos as nossas contribuições, foram duas as questões que me ocorreram no momento, cujas respostas até hoje ainda não consegui achar, mas que o professor Gaspar prometeu que tinha tomado nota e havia de procurar esclarecimentos. De facto, eram duas as questões. A primeira era assim: por que o relatório de revisão do capitulo moçambicano do MARP usava a expressão “guerra de desestabilização” para se referir à guerra civil ou guerra dos 16 anos? A segunda pergunta era assim: porque razão quando o presidente da República viaja leva consigo jornalistas da Televisão de Moçambique, da Rádio Moçambique e da Agência de Informação de Moçambique, mas quando era para se apresentar o relatório do que foram lá fazer chamavam-nos a todos, incluindo nós jornalistas dos órgãos de informação privados? Para efeitos da presente abordagem, não nos interessa muito a resposta da primeira questão, para além de que o leitor mais avisado saberá discernir as razões da escolha da expressão “guerra de desestabilização” no lugar de guerra civil no relatório do MARP. Essa forma de nomear as coisas as vezes depende do local a partir do qual observamos as tais coisas que queremos nomear, assim como da objectiva que tiverem os nossos binóculos. Eu pelo menos tenho comigo uma grande angular. Os nomes que damos às coisas projectam a nossa interioridade. São testes projectivos. Interessa-nos mais, para esta nossa incursão, a segunda pergunta. Sempre fui um curioso sobre estas coisas de exclusão social, dai que fui logo perguntando por que viajar com uns jornalistas e depois vir apresentar relatórios a todos jornalistas? Quais eram os critérios de selecção dos jornalistas para essas viagens? O Dr. António Gaspar respondeu-nos que havia tomado nota da minha questão, que a considerava pertinente e que haveria de ir buscar respostas. Que depois entraria em contacto connosco para nos transmitir. Um dia encontrámo-nos por acaso quando eu saia do jornal Savana, ali na Amilcar Cabral.Trocamos algumas impressões, tendo o Dr. dito que havia lido o meu artigo sobre o encontro do MARP com os jornalistas, que achava que tinha sido interessante o destaque que havia dado à discussão por mim levantada sobre a forma como a guerra dos dezasseis anos era tratada como “guerra de desestabilização” e não guerra civil. Fomos nos encontrando aqui e ali, neste e naquele debate, nesta e naquela conferência, mas como todos andámos quotidianizados com as urgências do quotidiano, só para roubar um pouco do meu amigo Mia Couto, fui-me esquecendo de lhe cobrar a resposta sobre a integração de jornalistas que não sejam dos órgãos públicos nas viagens com o presidente também, sem que isso tenha que significar que o jornalista possa passar a ser caixa de ressonâncias do presidente. Sou dos que ainda acham que os jornalistas que viajam com o presidente, mesmo sendo da imprensa pública, não devem se transformar em simples caixas de ressonâncias dos discursos do presidente. Se eles viajam com o presidente não é porque são “moçambicanos de gema” ou “filhos mais queridos da Nação” tal como nos ensinaram no consulado do outro senhor. Se eles viajam com o presidente é porque nós pagamos os impostos. As ajudas de custo que eles recebem são pagas com o dinheiro dos contribuintes. Erário público. Pelo que deverão realizar o seu trabalho, que é jornalismo e não assessoria de imprensa, nem mesmo propaganda política governamental. Não confundámos informação com propaganda. Mesmo quando fosse viajar um Arsénio Henriques, um Fernando Gonçalves, um Francisco Carmona ou qualquer outro, como que a justificar a inclusão, sempre soubemos que os jornalistas da imprensa privada não eram bem vistos ou então teriam que fazer outra coisa, menos jornalismo. Mas se todos nós pagamos impostos, como explicar que haja filhos e enteados? Sei de jornalistas que já foram banidos das viagens presidenciais em virtude de terem vindo relatar os factos tal como eles os apuraram, aconteceu isso com um dos jornalistas que viajou com o presidente Guebuza para Portugal, tendo lá ido constatar que essa estória da reversão de Cahora Bassa não era muito assim como nos era oficialmente relatada. Foi quando Cahora Bassa ainda não era propriamente nossa, mas a propaganda do presidente, dos seus assessores e de certos analistas de costume e também das músicas de MC Roger era de que Cahora Bassa é nossa. Ele publicou a estória que apurou em Portugal e foi banido das viagens com o chefe, vakhite. Tinha violado o protocolo. Se naquela altura o Dr. António Gaspar estava ao serviço do MARP, agora é conselheiro do Presidente da República para a política e comunicação social. Melhor oportunidade que essa não teria tido o Dr. Gaspar para em melhor posição poder responder a pergunta que lhe coloquei já lá vão alguns anitos. Como gerir a inclusão dos jornalistas dos órgãos de informação privados nas viagens presidenciais de forma transparente, de modo que esse tipo de apuramento de jornalistas não se baseie em critérios subjectivos, característicos dos sistemas de gestão de serviços públicos de pendor gquarentista e que em nada abona a nossa democracia. Dirão vocês que o Nenane anda ali a cuca de um lugar ao sol, que quer viajar com o presidente. Já passei dessa idade de tudo fazer para viajar com o presidente. Se nunca fiz isso antes, não o farei agora. Sou um poeta pobre, bonito e inteligente e gosto muito de beber a vida enquanto vou me divertindo com a conduta indecorosa dos deuses. Um jornalista que agarra nas viagens presidenciais como um privilégio de um “moçambicano de gema” ou “filho mais querido da Nação”, deixando escorregar a sua liberdade como jornalista que deve responder aos critérios da objectividade, da veracidade, da imparcialidade, da independência, da isenção e da integridade na sua acção para se deixar influenciar, não só ofende o jornalismo como também ofende os cidadãos, sendo dos bolsos destes que saem os impostos que sustentam essas digressões. Os critérios da objectividade, da veracidade, da imparcialidade, da independência, da isenção e da integridade não são um mero privilégio do jornalista, antes pelo contrário, são uma garantia de um trabalho que está ao serviço do cidadão. Estaremos sempre dispostos a dar as nossas contribuições a fim de que se possa materializar o desejo expresso no discurso da Tomada de Posse do Primeiro-Ministro, Ministros e Vice-Ministros, a 19 de Janeiro de 2015, onde o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, pronunciou-se nos seguintes termos: “Este Governo deve ser muito comunicativo com o povo. Os membros deste Governo devem encarar o acesso à informação como um direito de cidadania consagrado na Constituição e na lei. A nossa acção deve ser alcerçada nos mais altos princípios da ética governativa, como a transparência, a integridade, o primado da lei, a imparcialidade, a equidade e a justiça social”. Para isso, será necessário começar por se esclarecer, de peito aberto, sem makas, o assunto da lista VIP que se tornou conhecida por G40, uma lista que vem do partido Frelimo e chega nos órgãos públicos de comunicação social, onde instala os seus analistas que posteriormente virão a ser designados altos funcionários do Estado como “prémio” pelos serviços prestados nas suas pseudo-análises viradas para onde está virado o poder, em detrimento de uma análise crítica e objectiva. Se bem que estamos em presença de uma grande bolada que marca a transição do consulado de Guebuza para o consulado de Nyusi, estamos sim em presença de uma violação aos mais altos princípios da ética governativa a que se referiu Nyusi no seu discurso, nomeadamente a transparência, a integridade, o primado da lei, a imparcialidade, a equidade e a justiça social. As nossas rádios e televisões públicas não são locais para a instalação de clubes de amigos do partido. Não é para isso que pagamos os impostos. Lamento que o nome do Dr. António Gaspar tenha sido envolvido nessa vergonha, onde se diz que há quem receba em troca de senhas de combustível e bebidas alcoolicas. A lista do G 40, de onde se extraem os analistas e posteriormente altos dirigentes do Estado, chega até a violar os princípios que norteam o equilíbrio do género. Não é por acaso que não há mulheres na análise política moçambicana. É por causa do G 40 e suas estratégias maquiavélicas. Para que não me venham dizer que são paranoias da minha cabeça, vejam vocês de como o então “analista politico” Patrício José, extraído da lista VIP, viria posteriormente a ser designado vice-ministro da defesa. Um prémio pelos serviços prestados, sem dúvidas. Vejam vocês de como o “analista” Filimão Suazi, também extraído da lista, viria a ser designado membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Um “prémio” pelos serviços prestados, sem dúvida. Vejam vocês de como o Alexandre Chivale, também extraído da lista, viria a ser designado membro do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal Administrativo. Para não variar, um prémio pelos serviços prestados. Vejam vocês de como o próprio Dr. António Gaspar, também extraído da lista, viria a ser designado conselheiro do PR para a política e comunicação social. Colocaria as minhas mãos no fogo para que não se tratasse de um prémio pelos serviços prestados, mas pelas circunstâncias, o risco de queimar é maior, por isso não as coloco. Reagindo a este tipo de nomeações, o jornalista e comentador Tomás Viera Mário, cujo nome também consta na lista VIP mas se retirou da reunião em que a mesma foi concebida por considerar que ia contra os seus princípios, que são os mesmos da nossa Constituição, teria postado no seu mural o seguinte comentário: “A propósito das novas nomeações para os Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e Administrativa: Enquanto os critérios de indicação/eleição para órgãos ou instituições públicas não forem estabelecidos de forma inequívoca em sede de documentos perenes e a todos acessíveis, estes processos estarão sempre eivados de obscuridade, porque susceptíveis de serem usados para expedientes político-partidários do género “prémio” pessoal pelos serviços prestados. Nessa medida, ainda que o indicado/eleito tenha mérito, porque detentor de história profissional bastante e seja de uma integridade moral insuspeita, a sua designação será sempre alvo de suspeitas. No final da linha, quem perde são as instituições, erodindo-se-lhes credibilidade e respeitabilidade. E, quanto a isso (descredibilização das instituições públicas), basta olhar à volta. Ora, nos dois órgãos superiores das magistraturas judicial e administrativa, donde, com base no mero critério do bom senso, se espera brote, não apenas abundante conhecimento jurídico, mas sobretudo autoridade técnica entre os pares, que emane de sabedoria comprovada, algo que apenas a experiência e a abnegação podem construir. Dito isto, que tire, cada um de nós, as suas próprias conclusões. Aquele abraço!”. Escreveu Viera Mário, o Tomás. Para bom entendedor, meia palavra basta. Agora vejam vocês de como Tomás Viera Mário, sendo também membro da lista dos 40, ainda que a mesma lhe ofenda a si e aos seus princípios, viria a ser nomeado presidente de outro conselho superior, portanto o da comunicação social, nosso órgão de disciplina. Um prémio de consolação pelos serviços não prestados? Kuni a maka yi kulu ngopfu lani, vakhite! Faço das minhas as palavras de Tomás Viera Mário: ainda que o indicado/eleito tenha mérito, porque detentor de história profissional bastante e seja de uma integridade moral insuspeita, a sua designação será sempre alvo de suspeitas. Chegados aqui, meu caro Dr. António Gaspar, nada mais me resta senão lhe desejar votos de um bom trabalho, que a gente consiga ultrapassar esta pedra no nosso sapato para que possamos juntos seguir em frente, tendo em vista alcançar o desejo do presidente Nyusi de que o acesso à informação seja encarado como um direito de cidadania consagrado na Constituição e na lei. Que se apurem as responsabilidades para toda esta esculhambação. Há quem diga que fui exagerado levando o caso G 40 à PGR, por isso que eu nunca fui respondido por aquele órgão de justiça. Eu ainda acho que não fui exagerado. Ciente do elevado espírito de avaliação que preside V. Excia, subscrevo com a mais elevada estima e consideração. E a Luta Continua!
Major-General Henry Miller
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