David Abílio
David Abílio sugere que a evolução da arte no país depende da conexão entre as instituições que lidam com esta manifestação cultural. De acordo com o encenador, Moçambique possui altas potencialidades no campo artístico, no entanto, deve investir no sector para que desenvolva.
Antes de se impor, fez parte de “Os Monstros”. De que modo este grupo contribuiu para a sua formação cultural?
Os Monstros é um conjunto musical que surge nos finais da década 60, caracterizada por muitas transformações a nível mundial. Quando apareceram, não foi para ser mais um grupo da época, mas sim para firmar o orgulho de se ser africano e as teorias da Negritude. Com Os Monstros, aprendi a importância da solidariedade.
Moçambique possui uma forte tradição de dança. Conseguimos aproveitar o nosso repertório?
Há que enaltecer a ideia de o Governo realizar festivais periodicamente. Estes constituem o maior resgate da nossa diversidade e a sua própria divulgação. Nesses festivais, descobrimos danças que não conhecíamos antes, algumas em via de extinção. Desde o primeiro festival de dança tradicional realizado em 1978, em Maputo, pudemos contabilizar cerca de 250 danças, o que mostra a grande diversidade que este país tem. Então, é muito difícil aproveitar todo este espólio que nos foi legado pelos nossos antepassados, mas estão-se a procurar danças que dentro das comunidades têm maior expressão, de modo a resgatá-las e a projectá-las.
A arte, para além de reflectir a identidade dos povos, é uma fonte de renda. Como comercializá-la com efeito?
Realmente, a arte é muito comercializável. Em alguns países, como EUA, uma das maiores formas de rendimento é a arte. Vejamos, por exemplo, como a indústria do cinema contribui para economia americana. Vejamos também como os Beatles conseguiram ganhar o estatuto de “sir”, na Inglaterra. Não era apenas porque cantavam bem, mas porque contribuíam para a economia inglesa com a venda dos seus discos e com as suas actuações. Bob Marley, com a sua música, conseguiu fazer daquela pequena ilha uma referência, com contributos económicos. O mesmo acontece com a pintura, artesanato e dança. A CNCD, que actuou em vários pontos do mundo com distinção, despertou nos estrangeiros o interesse por Moçambique, e, através da dança, pessoas de outras nacionalidades vieram descobrir as maravilhas de Moçambique, o que fez com que algumas se tornassem sérios
investidores.
Recentemente, foi convidado a fazer parte do Festival Nacional da Cultura, em Angola. Quer partilhar connosco essa experiência?
Os angolanos sabem da minha contribuição para divulgação das artes a nível do continente e da minha participação na produção de grandes eventos culturais do país. Por isso, convidaram-me a dar o meu contributo no seu II Festival Nacional da Cultura.
Daqui a pouco, irei a Costa do Marfim. Faço parte do Comité Artístico Internacional e, em reconhecimento do meu trabalho, eles convidaram-me a participar no maior evento continental de exposição de produtos de espectáculos, em que na próxima edição se espera a participação de 2 000 agentes de todo o mundo, para verificar o que há em
África, que se pode comprar. Integro a equipa que fará a avaliação das candidaturas dos artistas que pretendem participar nesse mercado de espectáculos e também para ajudar a aprofundar a organização, de modo a ser mais abragente. Antes, o evento envolvia a região francófona. A certa altura, resolveram abranger a região africana de língua portuguesa. Como não tinham nenhuma representação neste espaço linguístico, aí surgiu meu nome.
Vou abrir o espaço para que os artistas dos PALOP possam ter onde exibir o seu talento.
A arte moçambicana é bem vista no exterior?
Penso que sim. É verdade que ainda há um pouco de timidez em termos de exposição internacional dos nossos produtos, mas podemos reparar no Mia Couto, por exemplo, todo o mundo passa a conhecer Moçambique e a literatura através das suas obras. O mesmo se passou com CNCD e com algumas produções do nosso cinema. O que temos de fazer é consolidar isso e desenvolver mais. Moçambique é pouco conhecido na área das artes, mas tem grandes potencialidades. Isso prova-se nos poucos que conseguem furar o mercado internacional.
Conhece muito bem os corredores do Ministério da Cultura. O que acha que esta instituição
deve trazer de novo, agora que está associada ao turismo?
Esta ligação poderá potenciar as artes, porque uma das coisas que nos prejudicam em Moçambique é a “departamentização” das instituições. Aqui cada instituição fecha-se em si, procura fazer e avançar sozinha, sem se conectar com os outros departamentos que podem constituir a complementaridade. Aqui já é obrigatório que a cultura e o turismo se complementem. Por isso, espero ver políticas bem elaboradas, visando esse fim.
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