Por Alves Gomes
Na sua edição do passado dia
28 de Janeiro de 2015, o “Canal
de Moçambique” publicou, na
última página e na página 5, dois
artigos relativos ao acidente de
uma aeronave das Linhas Aéreas
de Moçambique, voo TM 470,
ocorrido em território da Namíbia,
a 29 de Novembro de 2013. Este é
um assunto que, como sabe, tenho
vindo a acompanhar de perto e,
face ao que o “Canal de Moçambique”
deu a conhecer aos seus
leitores, achei oportuno contribuir
para esclarecer alguns factos.
Aproveito para informar e afirmar
que nunca as “autoridades
namibianas” inscreveram nos seus
relatórios a “teoria de suicídio”.
Tanto no Relatório Preliminar,
tornado público a 9 de Janeiro de
2014, como no agora Relatório
Interino, nunca foi, nem é, feita
qualquer referência a “suicídio”.
Em ambos os relatórios é de
facto reconhecido que o Comandante
dominava perfeitamente o
comando e sistemas da aeronave,
sem contudo se explicar quais as
razões que o levaram a efectuar
uma série de procedimentos, antes
de a mesma embater no solo.
A “teoria do suicídio” é com
base em informações publicadas
pelo “The Namibian”, acreditando
que o mesmo era porta-voz
da Comissão de Investigação do
seu respectivo Governo. Mas
esta “teoria” não teve origem na
Namíbia, mas sim em Maputo.
Ainda antes de a Comissão de
Investigação da Namíbia ter divulgado
o Relatório Preliminar,
já o nosso Ministério dos Transportes
e Comunicações, através
do Director do Instituto de
Aviação Civil de Moçambique
(IACM), se apressava a declarar
que a aeronave não tinha quaisquer
problemas mecânicos e, de
seguida, afirmar que o “piloto havia
agido de forma intencional”.
Afirmações sem sustentação
em factos sobre a dita “intenção”.
Assim, entidades que a ICAO
não reconhece como parte do
processo da investigação interferiram
e influenciaram a
opinião pública. Nascia a “teoria
do despenhamento propositado”.
Com que finalidade?
Pessoas que deveriam dar a
conhecer à Comissão de Inqué-
rito da Namíbia informações que
contrariavam o que eles próprios
instigaram nas “redes sociais da
internet” – por exemplo, o perfil
psicológico do Comandante.
O IACM detém todo o processo
curricular do Comandante. E nele
deveria constar uma avaliação feita
pelos serviços de recursos humanos
da TAP (tal teste não é possível
efectuar em Moçambique) sobre a
“Avaliação Psicológica do Piloto”.
O Comandante em causa, que
tinha como formação académica
a de Engenheiro Mecânico,
depois de uma avaliação de sete
horas na TAP (dois anos antes do
acidente), obteve resultados muito
acima da média exigida. Portanto,
com perfil psicológico imaculado.
Face ao rumo que a investigação
estava a tomar, em Fevereiro
do ano passado, a maioria
dos operadores aéreos nacionais
(exceptuando a LAM/MEX por
serem parte interessada) fez publicar
um comunicado no semanário
“Savana”, onde chamava a aten-
ção para várias falhas contidas no
Relatório Preliminar que a Namí-
bia publicou, à luz do preceituado
pela ICAO, no seu Anexo XIII.
Esse comunicado, cuja cópia
foi enviado à comissão de investigação
da Namíbia, bem como à
ICAO, lembrava que os procedimentos
efectuados pelo Comandante
correspondiam àquilo que
no Manual da aeronave é descrito
como manobra de Descida de
Emergência, sugerindo que seria
necessário aprofundar a investiga-
ção, nomeadamente recorrendo-
-se a um simulador de voo, bem
como esclarecer a questão dos
sons gravados como batidas na
porta da cabine de pilotagem.
Com efeito, o Relatório Interino,
agora tornado público, traz interessantes
revelações, respondendo
parcialmente às preocupações
então apresentadas pelos operadores
aéreos moçambicanos. De entre
elas, a do recurso ao simulador.
Porém, e ao contrário do que
os operadores nacionais haviam
sugerido, a Comissão de Inqué-
rito da Namíbia decidiu fazer
uso de um centro de simulação,
no Brasil, normalmente utilizado
e operado pelo fabricante
da aeronave... a EMBRAER.
Por que não um centro independente,
já que os há, tanto na Europa
como nos Estados Unidos?
E a simulação restringiu-se
somente aos dados registados
na “caixa negra” referentes aos
últimos doze minutos de voo!
Os resultados ali obtidos sobre
as prováveis causas do acidente
não podiam ser mais inconclusivos.
Em pelo menos
três questões cruciais, relativos
à Descida de Emergência, cujos
procedimentos foram feitos em
apenas um minuto e dezasseis
segundos (conforme constam no
Manual de Operação da Aeronave),
a Comissão de Inquérito da
Namíbia, para além de não identificar
o tipo de acção, explica
isso através do termo INFERIR!
Ora só se infere quando não se
tem a certeza e muito menos provas
sobre factos. É, basicamente,
presumir, ou, ainda pior, deduzir.
Assim, para explicar três importantes
registos técnicos da Descida
de Emergência, a Comissão
de Inquérito da Namíbia, neste
seu “Relatório Interino”, recorre
a notas de rodapé para justificar
que “como o parâmetro do Master
Caution se manteve desactivado
no momento de ser desligado, é
possível inferir que esta acção foi
realizada manualmente”; para de
seguida usar a presunção de que
“o pack 2 foi intencionalmente
desactivado” e, de novo “inferir
que todas estas transições foram
manualmente comandadas pressionando-se
o botão do FLCH”.
Dos muitos relatórios Preliminares
e Finais que conheço e
estudei, em nenhum encontrei a
recorrência ao termo “inferir”,
ou “presumir”. É linguagem inaceitável
quando se trata de investigação,
seja ela aeronáutica,
policial, muito menos jurídica.
À falta de provas, não se infere,
presume ou deduz, e sim admite-
-se não as haver, ou informa-se
que não existe ainda explicação
plausível para os factos registados.
Portanto, o recurso a este tipo
de argumento é inaceitável e
muito grave quando se procura
saber o que de facto causou um
acidente que ceifou a vida de
mais de três dezenas de pessoas.
O objectivo desta investigação,
lembre-se, não é o de encontrar
culpados, mas sim causas que
permitam evitar futuros acidentes.
De estranhar também que
neste último relatório não
se admita, como no primeiro,
que todas as manobras foram
efecutadas com o “piloto
automático” activo. Porquê?
Neste Relatório Interino, que
descaradamente procura vender a
teoria ou tese, sem até aqui ter provas,
de um “despenhamento propositado”,
traz à ribalta duas questões
muito importantes, as quais
colocam sérias interrogações sobre
o profissionalismo e competência
da Comissão de Investigação.
Ele revela que o Emissor de Localização
de Emergência (ELT) da
aeronave não funcionou. Ou seja,
se a localização da aeronave não
tivesse sido feita por testemunhas
oculares, provavelmente ainda
hoje estaríamos à sua procura.
Porquê não funcionou esse sistema
de localização existente em
todas as aeronaves de transporte
de passageiros, não é explicado
pela Comissão de Investigação,
nem pelo fabricante da aeronave!
A Comissão de Investigação
não pode pura e simplesmente ignorar
este facto. Tem de investigar
e dar explicação para o mesmo.
Mas mais grave é a insistência da
Comissão em descobrir se a grava-
ção sonora (“caixa negra” de voz),
respeitante às batidas na porta da
cabine de pilotagem foram feitas
de dentro para fora ou vice-versa.
Será que os investigadores
não se lembraram daquilo que o
mais comum passageiro de aeronaves
sabe? Existe um sistema
de comunicação interna na
aeronave, vulgo telefone, para
que os tripulantes comuniquem
entre si e com os passageiros!
Ora, se, do lado de fora da cabine
de pilotagem, os investigadores
“inferem” que havia um
co-piloto, um mecânico e três
assistentes de bordo que queriam
entrar na cabine de pilotagem,
porque não questionam o facto de
nenhum deles se ter lembrado de
usar o telefone que estava, como
sempre está, à mão de semear?
Porquê os investigadores, ao invés
de “inferirem” o que o piloto
fez ou não fez, também não “inferem”
que esse importante sistema
de comunicação, a exemplo do
que já se constatou e apurou sobre
o ELT, também não funcionou, por
falhas mecânicas ou eléctricas?
Porquê este, como o primeiro relatório,
não nos informa que quem
estava no comando da aeronave permaneceu mudo durante toda
a “descida de emergência”. Isto,
contrariando o facto de ambos os
relatórios fazerem referências a
diversos sinais sonoros gravados
pela “caixa negra” de gravação de
voz nos últimos minutos do voo.
O esforço em se atirar para
cima dos ombros do Comandante
do voo TM 470 a responsabilidade
do acidente começa a
esboroar-se com estas pequenas
mas importantes revelações. E
ainda não nos disseram a que
velocidade é que a aeronave embateu
no solo e qual era a atitude
da mesma nesse momento.
Nenhum dos relatórios nos
explica porque é que a aeronave
não entrou a pico no solo,
mas sim varrendo-o por mais de
seiscentos metros. Tem de haver
explicação técnica para isso.
No seu comunicado, os operadores
moçambicanos chamaram
a atenção para a necessidade de se
investigar tudo o que é recomendado
pelo Anexo XIII da ICAO.
E, de entre essas questões, está a
da manutenção da aeronave. O
historial de avarias que antecedeu
o acidente desta aeronave é muito
importante. Ou ela não acabava
de sair da manutenção por se ter
detectado uma avaria num voo
que efectuara no dia anterior?
Por último, e no que diz respeito
à questão do seguro, abordado
no artigo da vossa página
5 da edição em causa, há a informar
que a empresa seguradora já
pagou. As partes que tinham de
ser ressarcidas já o foram e, convenhamos
que, nestas coisas, as
seguradoras não atiram dinheiro
pelo cano de esgoto abaixo.
É mais um contra-argumento
à “teoria do suicídio”.
Para além das questões aqui
levantadas, há muitas outras para
as quais os relatórios Preliminar e
Interino ainda não deram nem explicação
nem resposta. Esperemos
pois que o Relatório Final desta
comissão de investigação não seja
cópia dos que a nossa Polícia faz
sobre as causas da quase totalidade
dos acidentes de viação – “excesso
de velocidade e embriaguês”.
Por incrível que pareça, na
declaração das causas de morte
dos acidentados no voo LAM
470 é afirmado: “morte por
embate a alta velocidade”...
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