Impressionante: as redes sociais acordaram revoltadas com a morte de um professor catedrático. A morte, seja de quem for, revolta-me. Morreu Cistac e é como se o país tivesse de parar. O que me lembra, um pouco, um dos critérios de noticiabilidade: só é notícia quando o homem morde um cão e não o contrário. E, neste caso, mesmo que não queiramos encarar, ocorreu um acto insólito: morreu um branco proeminente. Professor doutor. E logo um branco que falava sobre legitimidades constitucionais ou coisa parecida. Um branco que abriu uma brecha para uma formação política reivindicar direitos que julga adquiridos em sede dos resultados eleitorais. O que não nos indigna, enquanto cidadãos nacionais, é o número de órfãos, viúvas, inválidos que foram gerados por uma instabilidade política militar também ela inconstitucional. O que não nos indigna é o salário de fome que se dá aos moçambicanos que vemos todos os dias curvados nos my loves. O que não nos indigna é o patrão que hoje, nas redes sociais, carrega o archote da indignação enquanto deixa pouco mais de cinco mil trabalhadores sem salário. O que não nos indigna são os mortos empilhados nos hospitais distritais todos os Janeiros e Fevereiros por causa da cólera, essa doença que pode ser prevenida. O que não nos indigna é o refresco que damos ao polícia de trânsito. O que não nos indigna são as gravidezes precoces que semeamos nos ventres adolescentes que largamos depois de nos passar a tusa. O que não nos indigna é a nossa falta de dignidade. Agora queremos chorar Cistac. Fica muito bem. Dá visibilidade e nos atribui um certo espectro de grandeza. Amanhã até vamos marchar, evocando direitos e vamos criar um novo lema: "Sou Cistac". O problema, meus caros, não é a morte de Cistac. Todos actos macabros são condenáveis. O problema é que nós somos indignos e uns falsos porque só sabemos chorar as mortes que nos interessam. Amanhã todos, perdoem-me as generalizações, vão ignorar a criança sem roupa que clama por pão mesmo ao lado da nossa mesa farta. Vão ignorar pais doentes e inválidos que jazem em leitos hospitalares. Tudo isso para disputarem os lugares cimeiros no enterro do Cistac. Os lugares onde podem ver e ser vistos para pousarem para as fotografias enquanto o nosso bairro e país cedem às chamas da nossa condição suprema de indignos...
A nossa condição de indignos não vem de hoje. É tão antiga que não há memória do dia que emergiu dos fundos....
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