E a minha campanha eleitoral continua. Não confio em ... porque para mim é um ilustre desconhecido. Confio em Voltaire que encoraja os inimigos do conteúdo do que faço com a liberdade de expressão a a defenderem o meu direito à palavra até a morte... acabei de ler num comentário a um post recente meu!
Em defesa de Guebas, o impotente (II)
Há uma forma de ver problemas que tem uma estrutura lógica simples, mas cheia de armadilhas. Parte-se duma premissa, digamos, a premissa segundo a qual X seria indicador de Y. Faz-se uma observação do tipo “Z contém X” e conclui-se, a partir dessa observação, que “Z contém Y”. É muito frequente, e útil, no quotidiano. Um dos sintomas da malária é febre alta. Se eu, por exemplo, tenho febres altas posso concluir, com alguma certeza, que estou com malária. Para ter a certeza disso, contudo, seria necessário fazer testes. Mas dum modo geral são suficientes alguns sinais para eu concluir, sem necessidade de testes, que tenho malária. É natural que a gente privilegie esta forma de raciocinar mesmo na avaliação de questões políticas. Não é possível fazer pesquisas profundas sobre tudo para se poderem tirar conclusões mais sólidas. Só que em certos casos seria desejável.
Um desses casos é o do crime em Maputo. E que fique claro: crime em Maputo, pois esta cidade é responsável, segundo as estatísticas do Ministério do Interior, por mais de 80 por cento de casos de crimes. O conhecimento que a gente tem sobre a criminalidade em Moçambique vem dos dados (ou das impressões) que temos sobre Maputo. Ora bem, uma das coisas que se diz é que com Guebuza o crime aumentou ou, numa versão mais caritativa da mesma conclusão, que com Guebuza o crime continuou na mesma. A onda de raptos que assolou a cidade de Maputo – e que suscitou manifestações populares jamais vistas na nossa história recente – consolidou esta impressão. Contra factos, como se costuma dizer, não há argumentos. Os raptos foram reais, os homicídios, os assaltos a mão armada, o G-20, etc. também foram, e são. A insegurança é real, ainda que não seja como já foi há cerca de 15 anos com o tipo de terror espalhado por malfeitores como o famoso “Nininha”. Isto é tanto mais grave quanto um dos pilares da governação de Guebuza logo no seu primeiro mandato foi o combate à criminalidade. Ele declarou guerra a esse mal.
O argumento pode ser formulado da seguinte maneira: a sensação de insegurança é sintomática do falhanço da luta contra a criminalidade; as manifestações havidas em Maputo revelam a existência de sensação de insegurança, logo, essas manifestações são uma prova clara de que a luta contra a criminalidade falhou. Tive que fazer um certo malabarismo aqui para poder dar destaque ao lado argumentativo da questão. Todos queremos segurança. Disponibilizar essa segurança é uma das funções mais básicas de qualquer estado. É verdade que estados mais fortes do que o nosso (Estados Unidos ou Brasil para não falar da vizinha África do Sul) também têm deficits muito grandes a este nível, mas, prontos, Moçambique é a nossa terra, nós queremos segurança na nossa terra e que se lixe o que se passa noutros países. Só que este desiderato torna-nos reféns de explicações simplistas como é o caso em relação ao momento que atravessamos. O que determina a sensação de insegurança pode não ser necessariamente o falhanço no combate à criminalidade, mas sim (ou também) o tipo de crime com o qual temos que lidar em dado momento bem como as nossas expectativas em relação à segurança. Penso que estes dois factores não são equacionados na avaliação do desempenho de Guebuza em relação ao combate à criminalidade.
Os raptos revelaram, em certa medida, a vulnerabilidade da nossa sociedade ao crime. Não revelaram necessariamente o falhanço da luta contra o crime. Começaram como um fenómeno focalizado envolvendo um grupo bem restricto da nossa sociedade (e respeitando dinâmicas internas e particulares a esse grupo social) que através do efeito mimético ganharam rapidamente contornos gerais e alarmantes que pela sua imprevisibilidade aumentaram a sensação de vulnerabilidade de todos nós. A polícia podia ter tido um melhor desempenho, claro, mas mesmo o suposto envolvimento de agentes da polícia nas teias que essa forma de crime rapidamente criou revelou a extensão do desafio que é a luta contra a criminalidade, não necessariamente à ineficácia das medidas governamentais. Acresce-se a isto o facto de este tipo de crime ter tornado mais vulneráveis ainda sectores da sociedade que sempre viveram em relativa segurança nos seus condomínios fechados ou dos bairros mais afluentes da cidade – e nunca tiveram que lidar com o pequeno crime insidioso que caracteriza o dia a dia dos seus empregados domésticos na periferia – para perceber porque é possível que aumente a sensação de insegurança sem que o problema em si tenha piorado.
Com isto não quero de modo nenhum dizer que esteja tudo bem na frente do combate ao crime. Não está, não, e se Guebuza for sincero vai, ele próprio reconhecer que falhou neste objectivo que ele próprio declarou. O que quero dizer é que constatar este falhanço, sobretudo nos moldes como o fazemos, não nos prepara suficientemente para o desapontamento que pode vir com outros que nos prometerem um Moçambique sem criminalidade enquanto algumas questões centrais não forem colocadas. De resto, quem acredita num Moçambique sem criminalidade (ou com criminalidade controlada) deve reconhecer ser ingênuo. A vulnerabilidade ao crime é profundamente sintomática dum país a braços com problemas estruturais que ultrapassam a boa vontade de qualquer governante que seja. Arrisco-me até a dizer que em muitos casos o sucesso dum governo, seja em que frente for, no contexto actual de Moçambique, vai ser um resultado aleatório do que um resultado facilmente articulado com qualquer política que for. Isto limita, naturalmente, todo o mérito que o governo possa reclamar noutras áreas, mas é uma advertência necessária a uma melhor reflexão sobre mérito e demérito na avaliação do desempenho.
Quem quiser votar contra a Frelimo para penalizar Guebuza pelo seu “falhanço” no combate à criminalidade está, naturalmente, livre de o fazer. Na ausência duma reflexão mais abrangente e cuidadosa do que realmente está em causa toda a conclusão serve para efeitos eleitorais. Não seriam números, nem dados concretos que iriam dissuadir quem tem opinião ideologicamente formada a agir de forma mais racional. (In)Felizmente, isso não é fenómeno unicamente moçambicano. Em todo o lado, eleitores agem assim. Estamos a ver isso agora no Brasil. Nunca aquele país esteve tão bem como agora. Não obstante, as reservas ideológicas que existem em relação à Dilma e ao Partido Trabalhista estão a falar mais alto do que as estatítiscas que mostram um Brasil melhor. E como apesar da Fome Zero, Bolsa Família, etc. continua a haver quem morra de fome no Brasil existem sempre exemplos que podem ser apontados como sendo sintomáticos da ineficiência do actual governo. É o mesmo na Pérola do Índico. E o que é grave é que quem faz estas análises simplistas é quem devia saber melhor e, acima de tudo, devia ter maior interesse numa abordagem mais objectiva do país.
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