Henry Kissinger esquivou-se de Pretória em 1975

 

FACE AO PEDIDO PARA PRESTAR APOIO MILITAR À UNITA E AO FNLA

􀂾 Porque é que o Governo norte-americano não condenou a intervenção sul-africana em Angola, tal como fez com o envolvimento soviético e cubano? A referência a uma interferência “extracontinental”significa que os Estados Unidos ignoram o papel do Zaire e da África do Sul? – questiona um telegrama da Embaixada dos Estados Unidos da América na Nigéria, enviado ao Departamento de Estado, em Dezembro de 1975

O ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger esquivou-se, em Novembro de 1975, a um pedido da África do Sul para que desse apoio militar à UNITA e à FNLA, segundo um telegrama confidencial.

O telegrama integra um lote de 7500 confidenciais disponibilizados pelo “site” WikiLeaks sobre Angola e Moçambique, relativos ao período 1973-76, o consulado de Henry Kissinger, que historiadores do período acreditam que podem abrir novas linhas de investigação sobre o envolvimento norteamericano na descolonização e guerra civil nas ex-colónias portuguesas.

Depois de, em 18 de Novembro de 1975, o chefe de Estado maior sul-africano pediu apoio norte-americano à UNITA/FNLA, que já combatiam o MPLA, Kissinger envia instruções ao adido de Defesa da embaixada em Pretória, pedindo que as transmita na íntegra ao Governo.

Estas referem que, embora Washington partilhe da preocupação com o papel “perigoso e provocativo” que os soviéticos e cubanos desempenhavam em Angola, deplorando a rejeição do MPLA de um processo político, FNLA e UNITA “continuam a receber armas adequadas à sua defesa”, incluindo capacidade anti-aérea.

“A única solução aceitável para o problema de Angola é um acordo político, no qual nenhum dos grupos domina o outro”,refere o telegrama de Kissinger, marcado como confidencial.

Jamie Miller, investigadora da Universidade de Yale, disse que a resposta de Kissinger “pode ser lida de várias maneiras diferentes, mas em última instâncianão promete apoio adicional tangível norte-americano ao esforço militar sul-africano”, o que terá causado “muita confusãoem Pretória”.

Governo abrangente

Mais tarde, a 27 de Novembro, após intervenção do primeiro-ministro sul-africano, John Vorster, sobre o mesmo assunto, junto da missão diplomática, Kissinger dá instruções para que voltem a transmitir que a prioridade de Washington é um Governo de unidade, evitando a “introdução de uma grande confrontação de poderes na África Central”.

A posição norte-americana perante o conflito, e o grau de apoio às forças sul-africanas que já estavam dentro de Angola, chega a ser confusa para os próprios diplomatas norte-americanos, como mostra um telegrama da Embaixada na Nigéria ao Departamento de Estado, pedindo “orientações”em Dezembro de 1975.

“Porque é que o Governo norte-americano não condenou a intervenção sul-africana em Angola, tal como fez com o envolvimento soviético e cubano? A referência a uma interferência `extracontinental’ significa que os Estados Unidos ignoram o papel do Zaire e da África do Sul?”, países queapoiavam as forças da UNITA e MPLA, questiona o diplomata, que assina Easum.

Em relação a Portugal, causou particular incómodo no Departamento de Estado o uso da ilha de Santa Maria, nos Açores, para reabastecimento de aviões cubanos com destino a Angola, no final de 1975 e início de 1976.

Outra fonte de preocupação é a cimeira da Organização da União Africana em Janeiro de 1976, que leva Kissinger a escrever a todos os postos diplomáticos, alertando para a necessidade de defender a opção de um Governo de unidade nacional, perante o risco de prevalecer a versão de que as forças da UNITA e MPLA estavam à beira do colapso.

“Assumir que o MPLA pode impor um Governo em toda Angola, que não partilhe o poder com a liderança Ovimbundu e Bakongo, é ignorar a história de rivalidades tribais e pessoas passadas e a longa luta contra os portugueses”,refere Kissinger, alertando para o risco de uma guerra civil prolongada e até mesmo “desintegração” do país.