Extremamente lamentável, triste e incompreensível. É assim que se pode descrever a situação prevalecente no Serviço Nacional de Saúde (SNS), devido à greve ou paralisação laboral decretada pela Associação Médica de
Moçambique (AMM). Este é o pior presente de boas entradas ao ano novo oferecido aos cerca de 23 milhões de moçambicanos. É difícil discutir a questão do ponto de vista de culpados neste braço de ferro que, em última
análise, prejudica directa e intensamente a maioria esmagadora da população moçambicana, pois, apesar da situação, continua a ter como único recurso, o SNS. Não discutimos sim culpados ou legitimidade das reivindicações porque, efectivamente o que interessa, neste momento, é ver o mais básico e indispensável direito constitucional da população moçambicana devolvido. O povo tem direito à saúde, independentemente dos vários contornos nebulosos que circundam a actual greve dos médicos.
Por ser uma área de actividade extremamente sensível, tínhamos nós a esperança de que antes do início da greve, as partes iriam colocar mão à consciência e virar mundos e céus, caso fosse necessário, para evitar a greve dos médicos filiados na AMM, assegurando, deste modo, o pleno funcionamento do Serviço Nacional da Saúde. Infelizmente, enganamo-nos. Apesar de não ter feito ouvidos de mercador porque efectivamente estava a dialogar com os médicos, parece-nos que o Ministério da Saúde (MISAU) tentou medir a capacidade de confrontação que os médicos poderiam apresentar. Pensou o Ministério da Saúde que o grupo reivindicativo era apenas composto por um nicho de “jovens rebeldes” e recém formados. Pensou o Ministério da Saúde que os “mais velhos” e os estrangeiros iriam se multiplicar no sentido de fecharem todos os buracos que seriam abertos pela ausência dos jovens médicos. Esqueceu o Ministério que os “mais velhos” tem múltiplas ocupações, facto que, mesmo querendo e tendo a consciência da necessidade de redobrarem esforços, a multiplicidade de ocupações lhe impede. Na mesma situação estão os
estrangeiros que, mesmo querendo multiplicar-se, não podem porque o serviço privado, também espera por eles. Esqueceu-se também o Ministério da Saúde que os “jovens rebeldes” são a maioria esmagadora, pelo que mesmo que faltasse apenas a metade, as consequências seriam de todo nefastas, tendo em conta que lidam com a saúde e a vida dos utentes do Serviço Nacional da Saúde. Igualmente se esqueceu o MISAU que, como entidade governamental,
seria a primeira instituição a ser responsabilizada caso vidas inocentes fossem perdidas em consequência directa ou indirecta da greve, pois compete ao governo assegurar o pleno funcionamento do SNS. Também se esqueceram as autoridades moçambicanas que a paralisação de uma padaria é completamente diferente da paralisação de um hospital.
Até aqui poderíamos pensar que foi tudo uma questão de infelicidade nos cálculos feitos pelas autoridades moçambicanas e que vendo efectivamente que a situação era de facto de greve, o governo moçambicano iria correr para a busca da solução no sentido de evitar que vidas inocentes fossem desnecessariamente sacrificadas. Não estamos a dizer solução em termos de dizer, na hora, que passamos a pagar X ou Y, mas sim, provar com A+B que efectivamente vai satisfazer a níveis possíveis as reivindicações dos médicos.
Infelizmente, as autoridades moçambicanas decidiram avançar para confrontação, mesmo tendo a consciência de que vidas inocentes correm risco.
Não cremos que os médicos sejam insensíveis e rebeldes ao ponto de não cederem caso o seu patrão (Estado) lhes mostrasse algum sinal de carinho e respeito.
O que mais irrita a AMM é notar, nalgum momento, não uma acção de aproximação por parte do MISAU mas de distanciamento. Pior ainda, mesmo vendo que a situação estava a tornar-se complicada e a vida de pacientes estava a ser colocada em risco, o MISAU continuou e continua pura e simplesmente a proferir ameaças e a insistir num braço de ferro desnecessário.
Continua o MISAU a insistir em ameaças que se consubstanciam na marcação de faltas, corte de salários, processos disciplinares...tudo alegando que à luz da lei, a greve era ilegal, na óptica de que ainda não existe sindicato da função pública para convocar greve para os médicos do SNS. Os juristas do MISAU, deliberada ou não, se esqueceram que a Constituição da República de Moçambique é a mãe de todas as mães e que tudo que vem à posterior deve
respeitar a Constituição. Vários juristas explicaram que efectivamente a greve convocada pelos médicos não tem nada de ilegal. Portanto, a greve é legal. Assim, caía por terra o grande argumento do MISAU para condenar e obrigar os médicos a irem trabalhar.
Enquanto no terreno, as coisas davam indicações de que efectivamente a greve era assunto sério, o MISAU inexplicavelmente, inicia um jogo de desinformação no sentido de convencer as pessoas que a situação estava sob controlo e que as unidades sanitárias estavam a funcionar em pleno. Não pode ser verdade que estejam a funcionar em pleno porque, apesar de a aderência não poder ir muito além dos 50 por cento, muitos médicos não estão a trabalhar desde segundafeira. Ontem, terceiro dia da greve, o Ministério da Saúde, voltou, em conferência de imprensa, a tentar dar entender que estava tudo bem e que os médicos rebeldes seriam sancionados. Este é o pior discurso nesta altura. Estamos numa altura que precisamos de um discurso conciliador, amigável e de cedências, mas o MISAU teima em tapar o sol com a peneira. Aliás, antes do início da greve, já o ministro da saúde, Alexandre Manguele não foi feliz ao tentar atacar pessoas concretas em vez de atacar o problema que tinha sido colocado pelos médicos. Tentou o ministro identificar os medicos que não estavam directamente a trabalhar no SNS, esquecendo que a questão de
fundo é a satisfação das preocupações apresentadas pelos médicos. Logo, à partir da primeira hora, este processo foi pessimamente gerido pelas autoridades moçambicanas, mesmo tendo reconhecido a legitimidade e a razão de
ser das reclamações que tem estado a ser apresentadas pelos médicos.
Portanto, em vez de se continuar a ameaçar e usar as Forças de Defesa e Segurança para obrigar os médicos a irem trabalhar, o MISAU deve rapidamente mostrar e provar que quer e vai oferecer melhores condições de vida
aos médicos. Efectivamente, uma engenharia financeira pode ser conseguida no sentido de se alcançar um consenso para o actual problema. Porque as exigências do pessoal médica são antigas, pensamos que até o Orçamento do Estado para 2013 já devia contemplar para o sector da saúde, a componente do aumento salarial deste grupo profissional.
Felizmente, nalgum momento, sentimos que esta aproximação está a acontecer, apesar de as partes continuarem a tentar exibir a sua musculatura.
O pior cenário que pode acontecer é os médicos irem trabalhar apenas por obrigação, situação que pode resultar numa greve silenciosa, cujos efeitos podem ser extremamente piores que os que actualmente assistimos.
Editorial do Mediafax, 10/01/13
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