Relações delicadas entre Frelimo e Renamo: realidade ou ficção?
Maputo (Canalmoz) – O antigo reitor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e então presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), Brazão Mazula, disse que manteve em Gorongosa um encontro com o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, que lhe garantiu que a sua estadia naquele quartel não é a pretexto de reinício da guerra por sua parte.
Brazão Mazula, que se deslocou há dias a Portugal a convite dos Missionários da Consolata para uma série de conferências relacionadas com o papel dos leigos na reconstrução da Igreja e o lançamento do livro “Véu de morte numa noite de luar”, da autoria do padre Diamantino Antunes, foi citado pela Revista Católica Fátima Missionária, como tendo dito que “o presidente Dhlakama enfatizou no referido encontro que das mãos dele, que assinou o acordo de paz com o presidente Chissano, nunca dará ordens para iniciar a guerra, explicando que está em Gorongosa como uma estratégia de pressão sobre problemas que ele apresentou ao Governo”.
Questionado se o regresso do líder da Renamo à Gorongosa, antiga base militar do movimento, é preocupante, Mazula respondeu, no entanto, afirmativamente. Adiantou que “a ida de Dhlakama à Gorongosa não se deve minimizar”.
“Sim. Não se deve minimizar. Essa foi também uma das razões pela qual fui à Gorongosa, para perceber um pouco o que se passa”, escreve a Revista Fátima Missionária citando Brazão Mazula.
O periódico católico quis saber do académico se não teme um regresso às armas. Brazãi Mazula respondeu: “Não. Acredito na boa vontade dos homens, mas devemos fazer todos os esforços para que as coisas aconteçam pelo bem”.
Esperança dos moçambicanos serem mais felizes
Na entrevista à Revista Fátima Missionária, Brazão Mazula, manifestou-se esperançado na manutenção da paz no país, apesar do clima de “tensão” entre a Renamo, de Afonso Dhlakama e o Governo de Armando Guebuza.
Maula caracteriza Moçambique como uma nação sorridente, com um futuro promissor pela frente.
O ex-presidente da CNE disse, por outro lado, que olha por um Moçambique novo, um Moçambique diferente, que é hoje um país sorridente e com a paz. “É um país que está a enveredar pelo desenvolvimento económico e é uma alegre surpresa ver como está a despontar para os grandes recursos minerais, para os hidrocarbonetos, para a agricultura e o mar”.
“E isso alimenta em todos nós uma grande esperança de sermos mais felizes”, disse Brazão Mazula.
Recentemente os bispos Católicos de Moçambique manifestaram-se preocupados com o clima de ansiedade política e económica que se vive no país e pela situação de pobreza que afecta grande parte da população moçambicana.
Indignação dos bispos católicos
Sobre a indignação dos bispos, Mazula considerou que “o comunicado da Conferência Episcopal é positivo, porque a Igreja chama a atenção para os perigos que podem surgir ou que podem constituir um entrave ao desenvolvimento harmonioso e integral”. “É esse o papel da Igreja, ser a consciência histórica de uma sociedade e inclusivamente da governação do país, na chamada de atenção para as disparidades, assimetrias e desigualdades económicas, para que haja igualdade de oportunidade no acesso aos recursos económicos e sociais. Mas isso, no meu entender, não pinta o país a tinta preta”, considerou o Professor Brazão Mazula também citado pela Agência Eclesia.
A Renamo já disse que não haverá eleições caso as suas exigências não sejam levadas em consideração, porque as vai inviabilizar a todo o custo. E o facto de Dhlakama estar instalado na Gorongosa com um discurso dual – ora ameaçando voltar às hostilidades, ora dizendo que não há perigo de se voltar ao conflito armado – já tem estado a levar a especulações que o conotam como estando envolvido numa estratégia com Guebuza – tecida num encontro entre ambos o ano passado em Nampula – para inviabilização de eleições com o intuito de, como solução, na presença de eventuais convulsões, um se manter no poder nem que seja com um governo de gestão ou de transição, e o outro poder continuar a receber cheques, afastando a hipótese do eleitorado optar por outras soluções apostando noutras candidaturas.
Relações delicadas entre Frelimo e Renamo: realidade ou ficção?
A Assembleia da República, com o voto maioritário da Frelimo e também do MDM, já aprovou a Lei Eleitoral. Com as eleições autárquicas (este ano), legislativas e presidenciais (2014) à porta, foi questionado a Brazão Mazula como estão as relações entre a Renamo e o partido do Governo, a Frelimo.
“São relações que sempre foram delicadas. Temos que entender que historicamente eles foram inimigos de sangue, lutaram, guerrearam-se, bateram-se, mataram-se, mas mais que isso criaram uma mente militar”.
O desafio é tornar a mente limpa, “desbarbarizar as mentes”, respondeu o antigo reitor da UEM acrescentando que “infelizmente nem sempre a mente humana se desfaz de um momento para o outro”. “Tem que haver um esforço para nunca se resolverem os conflitos com armas, sempre com o diálogo. Neste momento o Governo está em diálogo com a Renamo. Eu próprio estive há uma semana com o senhor [Afonso] Dhlakama, em Gorongosa, para poder perceber a situação, enquanto sociedade civil, e fazer o apelo para que o diálogo prevaleça”, acrescentou.
“No Islão basta alguém zangar-se com outro e cria logo a sua mesquita. Tal não acontece com o cristianismo que tem o dom da reconciliação”, Brazao Mazula.
Numa outra abordagem, Mazula, que é um homem de fé e profundamente cristão, disse que o islamismo está a avançar a grande velocidade em África, talvez pela facilidade dos seus valores.
“Mas também cresce porque além dos valores é ao mesmo tempo religião, economia e desenvolvimento. E tem aquela questão de que quem é rico pode construir a sua mesquita. Então, a mesquita está ligada à pessoa que tem posses e há uma multiplicação de mesquitas”, disse Brazão Mazula, acrescentando que “no Islão basta alguém zangar-se com outro e cria logo a sua mesquita. Tal não acontece com o cristianismo que tem o dom da reconciliação”.
“Véu de morte numa noite de luar”
Entretanto, o padre Diamantino Antunes, director do Centro Catequético do Guiúa, na província de Inhambane, apresentou a semana passada na cidade portuguesa do Porto o livro “Véu de morte numa noite de luar” que narra a história dos 23 catequistas mortos há 20 anos naquela instituição.
Na madrugada de 22 de Março de 1992 as famílias que frequentavam um curso no centro foram “sequestradas, interrogadas e levadas para um local a 3 km da instituição”, por militares da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), contou o sacerdote ao programa Eclesia transmitido na quarta-feira dia 9 de Janeiro corrente.
“Morreram 23 catequistas, massacrados à baioneta. Alguns fugiram e conseguiram sobreviver, enquanto algumas crianças foram poupadas”, recordou o missionário da Consolata, acrescentando que o acontecimento “marcou profundamente a Igreja em Moçambique”.
Já em 1987, segundo o sacerdote, a mesma organização militar (a Renamo) que combatia o regime governamental da Frelimo tinha morto um catequista e raptado várias famílias do centro, sucessivamente encerrado e reaberto devido à guerra civil.
“Estes mártires da fé representam muitos desconhecidos, leigos e missionários, mortos nos conflitos ocorridos em Moçambique, primeiro contra Portugal, antes da independência, em 1975, e durante a guerra civil que começou em 1976 e terminou a 4 de Outubro de 1992 com a assinatura do acordo de paz, em Roma, sob os auspícios da Comunidade de Santo Egídio, da Igreja Católica”, referiu.
O religioso suspeita que os ataques foram motivados pelo facto de as instalações do centro estarem próximas de um posto de abastecimento de água à cidade de Inhambane, 500 km a nordeste de Maputo, mas não afasta a possibilidade de o assassinato ter sido uma demonstração do poder da Renamo, numa época em que decorriam as conversações de paz.
O livro, com prefácio do bispo do Porto e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, Dom Manuel Clemente, descreve as famílias residentes no Centro e relata o ataque, rapto, interrogatórios e morte dos catequistas, além de incluir testemunhos dos sobreviventes.
A apresentação da obra faz parte de um ciclo de conferências sobre o papel dos leigos na Igreja, que contou com intervenções do religioso Brazão Mazula. (Bernardo Álvaro)
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