Grande entrevista com neto de Lázaro Kavandame
– acusa o neto do histórico Lázaro Kavandame, assassinado por figuras da Frelimo juntamente com os “reaccionários” reverendo Urias Simango, Joana Simeão e muitos outros, em Mtelela, no Niassa
Eu nunca ouvi que houve um reaccionário do sul do país.
Kavandame era de etnia makonde, natural de Mueda. Defendia o capitalismo. Acabou sendo apelidado de “reacionário”, com intenções depreciativas, para mais tarde vir a ser ele próprio assassinado com Urias Simango, Joana Simeão, Mateus Gwengere e mais de duas centenas de outros nacionalistas. Foram queimados vivos, em Mtelela, na província do Niassa.
Lázaro Kavandame está a ser tratado por inimigo da FRELIMO, mas ele particularmente não foi inimigo da FRELIMO. Ele tinha uma concepção filosófica que a FRELIMO pensava que estava errada.
Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa entraram na Frelimo graças ao convite de Lázaro Kavandame. Pachinuapa foi secretário particular de Lázaro Kavandame.
Na zona norte de Moçambique a Frelimo implantou uma concepção de que os subsídios que os antigos combatentes auferem vêm do bolso da própria Frelimo. Dizem que tal dinheiro não é do Estado, mas da Frelimo. E dizem que aquele que se desviar da relação com o partido deixa de receber o dinheiro. A Frelimo considera Mueda uma reserva-berço do seu nascimento e como lá existem muitos combatentes impõem ameaças sobre os antigos combatentes alertando-os que a oposição não pode ganhar naquela área.
Maputo (Canalmoz) – Lázaro Kavandame foi um militar histórico da Luta de Libertação Nacional que acabou por se incompatibilizar com a direcção da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) na fase pós assassinato do primeiro presidente da Frente de Libertação de Moçambique, Eduardo Chivambo Mondlane.
Kavandame era de etnia makonde, natural de Mueda, e defendia o capitalismo. Acabou sendo apelidado de “reacionário”, com intenções depreciativas, para mais tarde vir a ser ele próprio assassinado com Urias Simango, Joana Simeão, Mateus Gwengere e mais de duas centenas de outros nacionalistas. Foram queimados vivos, em Mtelela, na província do Niassa. O neto de Kavandame continua em Mueda, em Cabo Delgado, tem 35 anos, e quer resgatar a memória do seu avô e levar à Justiça os responsáveis pelo crime de que foi vítima o pai do seu pai. Diz, sem papas na língua, que quem mandou matar o seu avô está vivo e alguns altos dirigentes do país sabem bem de toda a história.
Alberto Augusto Kavandame Júnior, neto do então “chairman” (comandante militar da Frelimo em Cabo Delegado), Lázaro Kavandame, uma das vítimas de Mtelela, concedeu uma entrevista exclusiva ao Canal de Moçambique/Canalmoz, em que questiona as razões que levaram os companheiros de luta do avô a assassiná-lo, acabando por afirmar a certa altura que em sua opinião se tratou de motivações meramente tribais que levaram o Partido Frelimo a assassinar o seu parente e outras vítimas de Mtelela, no Niassa.
Para Alberto Augusto Kavandame Júnior, as vítimas de Mtelela foram fuziladas por não serem do sul.
Historial
Na sua teoria, Alberto Kavandame Júnior corrobora o ponto de vista do avô, razão pela qual fizemos um rasteio do que o antigo “chairman” falou por altura de 1969. Numa entrevista que concedeu em 1969, o velho Kavandame classificou a Frelimo como inimiga do povo, como movimento que apenas se interessava pelo sul do país, enquadrado por chefes sulistas que se agarravam à melhor parte do bolo que lhes era oferecido pelos países que capitalizavam a guerra contra Portugal colonial.
Kavandame fez frente a Samora Machel após a morte do líder Eduardo Mondlane, sendo detido e enclausurado num “campo de trabalho” da Frelimo em Mtwara, na Tanzânia, de onde se evadiu, atraindo a seguir para o seu movimento diversos «chairmans» makondes. Posteriormente viria a ser preso, com os seus 16 chefes tribais que o seguiam. Foi conduzido para Nachingweya e por fim para o “Campo de Reeducação de Mtelela”, este na província do Niassa.
Há palavras pronunciadas pelo histórico Kavandame na referida entrevista e que provavelmente inserem-se num dos motivos por que os seus algozes o levaram à morte, nomeadamente por acreditar que a direcção da Frelimo encabeçada por Marcelino dos Santos e Samora Machel não primava pela unidade nacional. Lázaro Kavandame explicaria que aquelas duas figuras mais o seu grupo, de que faziam parte Joaquim Chissano, Armando Guebuza, que acabaram por se tornar presidentes da República de Moçambique, traíram os ideais do Dr. Eduardo Mondlane, o que o motivara a desertar.
Lázaro Kavandame era um homem de fortes convicções. Defendia que lutava “pela liberdade de Moçambique, pela felicidade do povo moçambicano, a felicidade que nunca pode ser encontrada no regime de terror que é apanágio dos actuais dirigentes da Frelimo, eleitos (no 2º Congresso)”. Já em 1969 dizia o velho que “a Frelimo de hoje nada tem a ver com a Frelimo que iniciou a guerra contra o colonialismo português”.
Entretanto, foi com vista a extrair o sentimento do neto que o Canal de Moçambique/Canalmoz abordou Alberto Kavandame Júnior.
Siga em discurso directo a entrevista com Kavandame Júnior:
Canal de Moçambique/Canalmoz (Canal): Qual o seu nome completo?
Kavandame Júnior (Kavandame Jr.): Alberto Augusto Kavandame Júnior.
Canal: Tem algum grau de parentesco com a histórica figura da FRELIMO durante a Luta de Libertação Nacional, Lázaro Kavandame? Qual era o primeiro nome dele?
Kavandame Jr.: Sim. O nome dele completo era Lázaro Kavandame Chinamuenda Jacob.
Canal: O que ele é para si?
Kavandame Jr: Lázaro Kavandame, como é conhecido, é o pai do meu pai. Portanto, meu avô paterno.
Canal: Chegou a conhecê-lo?
Kavandame Jr: Ele morreu quando eu era muito novo. Não cheguei a conhecê-lo.
Canal: Que idade tem Alberto?
Kavandame Jr: Eu tenho 35 anos.
Canal: Quando é que o seu avô paterno foi morto?
Kavandame Jr.: Não tenho conhecimento da data certa em que ele foi morto. Acredita-se que tenha sido nos finais da década 70, ano 77 ou 78.
Canal: Onde?
Kavandame Jr: Mtelela, no Niassa.
Canal: Porquê Mtelela, no Niassa?
Kavandame Jr: Ele era preso político. Foi para ali deportado. Trouxeram-no da Tanzânia e após isso foi levado a Mtelela onde estava a prisão dos presos políticos.
Canal: Na Tanzânia onde ele estava preso?
Kavandame Jr: Em Nachingweya (NA: Base principal da FRELIMO na Tanzânia, durante a Luta de Libertação Nacional). É lá onde ele foi preso por acusações que não foram verdadeiras. Foram obrigados a declarar, a confessar crimes que eles nunca tinham praticado.
Canal: Se não praticaram porquê não negaram? Porquê confessaram?
Kavandame Jr: A confissão deles tinha certo objectivo para certas pessoas que eram dirigentes, intencionados em tomar a direcção da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Canal: Se não conheceu o seu avô, como é que sabe essa história?
Kavandame Jr: (Sorriso irónico) É muito engraçado. Eu convivo com pessoas que conviveram com Lázaro Kavandame. Que não dão cara à imprensa e a outras pessoas. Pessoas que viveram directamente com Lázaro Kavandame é que me contam a história.
Canal: Quem são essas pessoas? Conhece-as?
Kavandame Jr: Evito dizer os nomes. Conheço tais pessoas, que para se tornarem membros da Frelimo derivou-se do convite efectuado por Lázaro Kavandame, nesse sentido. São grandes figuras na arena nacional, no país.
Canal: Conhece alguma pessoa que tenha uma posição relevante na Frelimo e que para aderir à FRELIMO tenha sido convidada por Lázaro Kavandame?
Kavandame Jr: Conheço duas pessoas de grande vulto e que são naturais do distrito de Mueda. Quando me refiro a tais naturais de Mueda as pessoas podem identificá-las naturalmente. Lázaro Kavandame foi uma das primeiras pessoas a aderir à FRELIMO. Entrou na vida política entre 1957/8. Antes da fundação da FRELIMO. Portanto, ele é membro fundador da FRELIMO. Os outros vieram se lhe juntar para servirem de soldados da Frente de Libertação Nacional. Digo isso porque jovens de 25 de Setembro que aderiram à luta e que se lhe juntaram na Tanzânia não sabiam em que dia, hora, iria começar a luta de libertação nacional. Mas Lázaro Kavandame sabia. Era uma pessoa de grande confiança do Dr. Eduardo Mondlane, que por essa razão o nomeou chefe da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em Cabo Delgado.
Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa
Canal: Falou de figuras de Mueda. Quer se referir a Alberto Chipande?
Kavandame Jr.: Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa entraram na Frelimo graças ao convite de Lázaro Kavandame. Pachinuapa foi secretário particular de Lázaro Kavandame.
Canal: Já alguma vez ter-se-á aproximado daquelas figuras a que se referiu?
Kavandame Jr.: Nunca me aproximei a essas pessoas, por razões simples. Em Cabo Delgado, concretamente no distrito de Mueda, se alguém confessa que é familiar de Lázaro Kavandame será tratado com certo ostracismo. Nós somos discriminados, estigmatizados.
Canal: Pode descrever como se manifesta esta estigmatização?
Kavandame Jr: Eu gosto de dizer coisas reais. Evito falar coisas que desconheço. Quando me pronuncio sobre o parentesco com Lázaro Kavandame, junto dos antigos combatentes, eles perguntam-me a que Lázaro me refiro. Então quando digo que me refiro ao Lázaro Kavandame Chinamuendo Jacob as pessoas ficam espantadas, depois com aquela pena, têm-no como um inocente que ajudou a FRELIMO, os camaradas, até à conquista da independência nacional. Houve problemas que o levaram a ser afastado da Frelimo. Não posso negar isso. Na avaliação que dele fazem, eles só conseguem notar uma hipotética pequena parte que foi negativa, deixam uma grande parte positiva que o caracterizou.
Canal: A parte que nomeia negativa é de facto negativa ou resulta de um antagonismo dentro da FRELIMO? Ou são pessoas na Frelimo que o acharam negativo?
Kavandame Jr.: Exactamente! Ele não foi o que dizem. Eles consideram que foi uma pessoa negativa porque naquele tempo sujeitava-se que todos pensassem da mesma forma. Fora do pensamento comum era considerado inimigo. É este facto que levou Lázaro Kavandame a ser tratado por inimigo da FRELIMO, mas ele particularmente não foi inimigo da FRELIMO. Ele tinha uma concepção filosófica que a FRELIMO pensava que estava errada.
Canal: Mas como é que sabe?
Kavandame Jr.: Eu procurei saber por que razão Lázaro Kavandame foi afastado da FRELIMO. Uma das razões é a que estamos a seguir, e que levou, na altura, a chamarem a Lázaro Kavandame reacionário. Ele advogava o capitalismo e a propriedade privada. Quando a FRELIMO penetrou em Cabo Delgado, para o processo de libertação, já então Lázaro Kavandame tinha seus tractores, tinha seus bens, machambas. Posso dizer que era o único na altura que tinha e conduzia tractor e carro. Ele tinha seus projectos. Alguns camaradas apanharam boleia graças ao carro de Kavandame.
Canal: Pode-se considerá-lo vítima de inveja?
Kavandame Jr.: Sim!
Canal: Mas inveja de quê?
Kavandame Jr.: Do capitalismo, dos bens que ele detinha. Posso defender isso. Ele estranhava que algumas pessoas quisessem levar, fazer uso dos seus bens, para a maioria. Colectivamente.
Canal: O seu pai o que diz sobre a morte de Kavandame e as circunstâncias que medeiam o desentendimento/desinteligência com a Frelimo? Como é que o seu pai descreve a trajectória de Kavandame até entrar em choque com os seus companheiros de luta na FRELIMO?
Kavandame Jr.: O meu pai, filho de Kavandame, é militante da Frelimo até hoje. Muitos não gostam do meu pai pelo facto de eu não ser do partido Frelimo. Encaram com muita seriedade este facto, a ponto de pensarem que alguma coisa acontece com o meu pai. Meu pai nunca repudiou o facto de eu não ser da Frelimo, nem fala do pai que foi morto por ele próprio ser militante da Frelimo.
Canal: Seu pai tem medo de sofrer retaliações?
Kavandame Jr.: Meu pai beneficia de um subsídio de antigo combatente. Meu pai vendia cartões da Frente, foi professor da FRELIMO, em Tunduru. Na zona norte de Moçambique a Frelimo implantou uma concepção de que os subsídios que os antigos combatentes auferem vêm do bolso da própria Frelimo. Dizem que tal dinheiro não é do Estado, mas da Frelimo. E dizem que aquele que se desviar da relação com o partido, deixa de receber o dinheiro. A Frelimo considera Mueda uma reserva-berço do seu nascimento e como lá existem muitos combatentes impõem ameaças sobre os antigos combatentes alertando-os que a oposição não pode ganhar naquela área.
Canal: Lázaro Kavandame, à data da sua morte, tinha uma esposa, que ficou viúva?
Kavandame Jr.: Na parte paterna ele tinha irmãos. Da mãe nada tinha. Ele tem sobrinhos, irmãos, que não se mostram, até omitem os nomes. Tenho irmãos que omitem os nomes para não sofrerem retaliações. Para conseguirem emprego. Porque o que acontece, eu sou discriminado porque sou Kavandame. Não tenho como conseguir emprego, só porque sou Kavandame. Acredita nisso?!
Canal: Para onde terá concorrido, se para uma empresa pública ou privada, a ponto de concluir que está a ser discriminado?
Kavandame Jr.: Eu evito apontar factos em aberto, porque assim vou estar a mencionar pessoas. Eu penso que são pessoas, não acredito que seja o Governo.
Canal: Ou as pessoas têm medo de lhe facilitar o acesso ao emprego e por conta disso sofrerem retaliações? Conte como isso funciona…
Kavandame Jr.: Existe uma forma tal especial de que a família Kavandame deve ser tratada de certa maneira. Não sei se só é para o caso da família Kavandame, Simeão ou Simango. No caso desta família Simango penso que eles descuidaram-se porque esta não pode depender da Frelimo. A família Simango não precisa de ajuda de ninguém que seja da Frelimo. Para o meu caso, acredito que houve um controlo sistemático. Primeiro tinham que criar a pobreza na família Kavandame. Uma pobreza absoluta na família Kavandame e o analfabetismo. Fora dos filhos do meu pai não acredito que na família Kavandame haja quem tenha a décima segunda classe, um nível de ensino elevado. Acredito que é uma maneira de controlo.
Canal: Pode dizer como isso se manifestava? Será que os outros eram sujeitos a faltas disciplinares sistemáticas, eram proibidos de estudarem?
Kavandame Jr.: A pobreza semeia-se pela discriminação em si. Nós íamos à escola, só que quando chegávamos a determinada fase não tínhamos possibilidade de prosseguir com os estudos, por falta de dinheiro.
Vai levar o assunto à Justiça?
“Meu pai nunca poderá falar porque é pensionista, receia que lhe seja retirada a pensão”
Canal: Você já pensou alguma vez em intentar uma acção judicial contra o Estado moçambicano em torno do caso de desaparecimento de Lázaro Kavandame?
Kavandame Jr.: Para mim, como membro da família Kavandame, esse caso é chocante e constitui a primeira oportunidade de falar com jornalistas. É um apoio. Acredito que esta é uma luz no fundo do túnel, um farol. Nunca antes pensei em notificar a alguém pela morte de Lázaro Kavandame. A minha idade não favorecia. No passado, quando eu quisesse saber em que circunstâncias Lázaro Kavandame morreu, nunca conseguia obter um fio, bem assim as razões. Só agora, já que a idade está avançada e por causa de convivência, pelos órgãos de comunicação, consigo descrever quem foi Lázaro Kavandame e por que razão ele morreu.
Canal: Na sua casa não é possível saber pelo seu pai?
Kavandame Jr.: Meu pai nunca poderá falar. Meu pai é pensionista. Receia que lhe seja retirada a pensão.
Canal: Pensa mover uma acção judicial contra o Estado ou a Frelimo?
Kavandame Jr.: De momento deixamos para a história, que pode julgar os seus algozes.
Canal: Se um advogado colocar os seus préstimos a título gratuito na defesa da sua causa você irá admitir a possibilidade de efectuar uma queixa, para ressarcir-se dos prejuízos e limites que tem sofrido pelo facto de ser neto de Lázaro Kavandame? Estaria disposto a resgatar o bom nome do seu avô?
Kavandame Jr.: Claro que sim! Estou disposto a ir até às últimas consequências! Os outros familiares poderão não se pronunciarem, mas desde o desaparecimento de Lázaro Kavandame é a primeira vez que alguém aparece a público a falar dele.
Canal: Já tinha tido alguma vez a oportunidade de falar à comunicação social?
Kavandame Jr.: Nunca antes tive essa oportunidade. Quando me refiro que sou Kavandame as pessoas só se limitam a perguntar “Kavandame? Oh!!.. Kavandame!?..” Limitam-se a fazer-me perguntas para saber quem ele era. Mesmo jornalistas, conheço muitos jornalistas que nunca me perguntaram nada. Esta é a primeira oportunidade que se me oferece para falar de Lázaro Kavandame.
Canal: Será que os jornalistas não estarão a sofrer auto-censura? Não terão medo?
Kavandame Jr.: Os jornalistas podem levantar esse problema e o Governo não gostar, porque esse tipo de investigação que os jornalistas poderiam fazer-me é um problema que já estava fechado. Não acredito que alguém possa aparecer publicamente para falar quem é Lázaro Kavandame.
Lázaro Kavandame é herói nacional
Na imagem: Lázaro Kavandame (foto de Cardoso A. Martins)
Canal: Você não vê de uma ou outra forma alguma possibilidade de reconciliação com a Frelimo?
Kavandame Jr.: Em nenhum momento eu posso perdoar a Frelimo. Estou a falar a sério. Nunca poderei perdoar a Frelimo. Agora que sei a razão por que o mataram, criaram uma grande mágoa em mim. Até fui instrumentalizado em miúdo. Cantava “Lázaro Kavandame é reacionário”, “Lázaro Kavandame é reacionário”. Não sabia por que o chamavam reacionário. Eu escrevi nas provas na escola os nomes de reacionários, em reposta à pergunta: “quem são os reacionários de Moçambique?” O primeiro nome que lá colocava era o do meu avô. Eu nunca falhava. Sempre escrevia o nome do meu avô em primeiro. Só agora consigo ver quem é Lázaro Kavandame. Lázaro Kavandame é herói nacional. Posso falar de uma forma que algumas pessoas poderão não gostar. Lázaro Kavandame foi morto como reacionário por ser do norte de Moçambique. Nunca ouvi que houve um reacionário do sul de Moçambique.
Canal: Acha que se ele fosse do sul não teria problemas?
Kavandame Jr.: Eu nunca ouvi que houve um reacionário do sul do país. Quantas coisas aconteceram? Eu nunca ouvi nem nunca aconteceu que houvesse um reacionário do sul de Moçambique. Conheço o caso do Padre Gwenjere, que é de Sofala, Silvério Nungu.
Canal: Mas houve o caso de Adelino Gwambe, que era de Inhambane, do sul de Moçambique.
Kavandame Jr.: Ele era de Inhambane, mas tinha uma forte influência de Sofala, por cá ter vivido e trabalhado. Ele vivia em Búzi, província de Sofala. Ele foi membro fundador da FRELIMO.
Canal: Conhece bem a história, porquê? Aprendeu com o seu pai?
Kavandame Jr.: Eu sempre disse que vivo a história de Moçambique. Se eu pudesse poderia mencionar os nomes das pessoas que me contam a história na primeira pessoa. Eles chamam-me a atenção para não os citar como indivíduos que ma contam.
Os últimos momentos de vida de Kavandame, Urias Simango e outros
Os presos políticos em número de duzentos e tal foram levados, amarrados, metidos em jeeps, até um sítio onde abriram uma enorme cova, onde havia lenha. Lá foram metidos. Regados com combustível e imolados. Enquanto os presos morriam os executores cantavam canções revolucionárias.
Canal: Atendendo à situação, já alguém o terá abordado para falar dos últimos momentos de infortúnio do seu avô?
Kavandame Jr.: Conheço alguém que participou da morte do meu avô, mas infelizmente morreu no ano passado. Ele vivia em Nampula. Um senhor muito conhecido que me falou em que circunstância é que mataram o meu avô. Sinceramente, é a primeira pessoa que posso perdoar. Ele disse-me que não sabia por que razão estava a matar Lázaro Kavandame. Ele participou da morte de Kavandame.
Canal: Como é que descreve esse derradeiro momento?
Kavandame Jr.: Foi muito cruel.
Regados com combustível e imolados
A comunidade internacional sabe deste caso e cala-se
Canal: Conte-nos, por favor.
Kavandame Jr.: Ele disse-me que era numa tarde em que os presos políticos em número de duzentos e tal foram levados, amarrados, metidos em jeeps, até um sítio onde abriram uma enorme cova, onde havia lenha. Lá foram metidos. Regados com combustível e imolados. Enquanto os presos morriam os executores cantavam canções revolucionárias.
Canal: Como é que descreve o silêncio da comunidade internacional e dos moçambicanos em relação a essas mortes?
Kavandame Jr.: A comunidade internacional sabe deste caso e cala-se. Não é uma ou duas vezes que os executores foram chamados aos órgãos de comunicação social onde eles confessaram terem-nos morto por justiça popular. Há dois meses um dito herói nacional pronunciou-se em torno deste assassinato e chocou-me.
Na Frelimo é relevante para ser herói o facto de ter morto pessoas
Canal: Como é que se identifica o heroísmo na Frelimo? Tem a ver com acção nacionalista pela libertação ou com matanças?
Kavandame Jr.: Na Frelimo é relevante para ser herói o facto de ter morto pessoas.
Canal: Conhece alguém muito próximo que tem um parente que morreu naquelas circunstâncias?
Kavandame Jr.: É o caso de Patrício Vingabuje, cujo pai, Gaspar Vingabuje, morreu nas mesmas circunstâncias. Patrício Vingabuje vive em Nampula. Ele não se pronuncia porque se beneficia de pensão de reforma. Patrício estudou em Tunduru. O pai foi morto em Mtelela. Ele não fala nada. Beneficia de subsídio de pensão. Ele receia pronunciar-se, senão vai perder esse privilégio.
Canal: Quer dizer que alguns dos familiares das vítimas de Mtelela estão a ser silenciados a troco de uma ninharia?
Kavandame Jr.: Conheço uma pessoa, cujo pai foi morto em Mtelela, mas que não fala nada, porque recebe esse subsídio. Eles trocam dinheiro com o silêncio sobre a vida de uma pessoa.
Canal: É uma pessoa de Cabo Delgado?
Kavandame Jr.: É do Niassa.
Canal: Quer dizer, conhece algumas pessoas cujos parentes foram vítimas de Mtelela e calam-se porque estão a receber dinheiro?
Kavandame Jr.: Conheço!!
Canal: Mas isso não é uma vergonha?
Kavandame Jr.: Que fazer? Estamos em Moçambique. Eu não sei se tal poderia acontecer se estivéssemos noutro país.
Canal: Você considera que o seu futuro em Moçambique está comprometido do ponto de vista profissional?
Kavandame Jr.: Está comprometido! Eu não acredito que venha a ter um futuro próspero. Agora que estou a falar, não sei que tipo de consideração as pessoas em Mueda terão em relação à minha pessoa. Praticamente serei isolado, mas estou disposto para qualquer eventualidade. Mas eu me pronuncio por causa da dor que sinto em relação à morte de Lázaro Kavandame.
Canal: No dia em que intentar uma acção judicial contra o Estado moçambicano, o que iria exigir pelo assassinato de Lázaro Kavandame?
Kavandame Jr.: A minha preocupação primeira é que os mandantes fossem julgados e condenados. Isso eu exigiria. Não tenho outra coisa a trocar pela vida de Lázaro Kavandame, pois se ele estivesse vivo eu não estaria nestas condições. Não tenho emprego nem habitação. Não tenho nada. Não tenho dignidade como pessoa.
Canal: Acredita na justiça moçambicana?
Kavandame Jr.: Não há justiça!
(Fernando Veloso, Adelino Timóteo e Luciano da Conceição)
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