Análise
Por Luís Benjamim Serapião
Os
médicos continuaram a usar os hospitais que os colonialistas deixaram;
os políticos passaram a viver e a trabalhar nas residências que os
dirigentes colonialistas habitavam. A Igreja Católica Nacional/
Moçambicana, como todas as demais instituições no país, assumiu e
perpetuou as infra-estruturas religiosas deixadas pelo governo
português. No entanto, nunca foi considerado como um privilégio o facto
de os médicos usarem as infra-estruturas físicas de saúde herdadas do
colonialismo, nem tão pouco um privilégio os governantes do Moçambique
pós-colonial passarem a habitar as residências dos antigos chefes
colonialistas.
Hoje,
há interesse entre o mundo académico em investigar a diferença entre a
Igreja Católica Colonial e a Igreja Católica Nacional/Moçambicana que
surgiu no período pós-colonial. A corrente teórica defendida pelo
Professor Dr. Eric Morier-Genoud sustenta argumentos que sugerem que
houve uma certa continuidade da Igreja Católica Colonial na nova Igreja
Católica Nacional /Moçambicana Depois de admitir que houve alguma rotura
da Igreja Católica Colonial em relação à Igreja Católica
Nacional/Moçambicana, Morier-Genoud acrescenta que ʺhouve também muitas
continuidades, sejam elas de pessoal, na maneira de operar, ou nas
ideias e na teologia”.Tenta persuadir o leitor quando adianta: ʺNão me
parece adequado afirmar que a Igreja Colonial desapareceu em 1975 e que
só ficou uma igreja nacional que não gozou ‘de privilégios de qualquer
sistema no país’”. Por fim, realça que ʺela (a Igreja
Nacional/Moçambicana) guardou elementos após a independência (incluindo
algum pessoal colonial e colonialista); e quis guardar todas as
propriedades que a Igreja Colonial tinha recebido do poder português.
O
que acima se disse é o resumo dos argumentos de Morier- Genoud em apoio
da tese da continuidade. Porém, contradizendo os argumentos acima
citados, é um facto que houve uma rotura total e completa da Igreja
Nacional/Moçambicana com a Igreja Católica Colonial. Primeiro, o
argumento que houve pessoal colonial/colonialista na Igreja
Nacional/Moçambicana é contradito pela acusação da Frelimo contra a
Igreja Nacional/Moçambicana quando alega que ela é racista porque não
tinha indivíduos de descendência colonialista no seu pessoal. É também
de notar que o pessoal que integrou a nova Igreja Católica conformou-se
com a ideologia pastoral da nova hierarquia. Quanto à maneira de operar,
ou nas ideias e na teologia a que Morier-Genoud se refere para provar a
tese da continuidade, bastava nós reflectirmos sobre o princípio
filosófico que os escolásticos defendem: operari sequitur esse.
Se
um indivíduo é colonialista terá de operar/agir como um colonialista.
Isto explica porque é que a teologia pastoral do tempo colonial era uma
teologia colonialista. Note-se que os seminaristas do Seminário Maior da
Namaacha acusaram a Igreja Católica Colonial, (especialmente da
arquidiocese de Lourenço marques), de pregar o colonialismo nas Igrejas.
(Serapião, 1972). Felizmente, na Igreja Católica Nacional/Moçambicana
houve rotura completa com a teologia pastoral colonialista. Isto é,
nunca mais se fez a apologia do colonialismo nas igrejas.
Quanto
à referência de que a Igreja Católica Nacional/Moçambicana quis guardar
as propriedades que a Igreja Colonial tinha recebido do poder
português, não se pode descurar uma outra realidade concreta: o
procedimento adoptado em relação às infra-estruturas físicas que o
governo colonial deixou no país. Os médicos continuaram a usar os
hospitais que os colonialistas deixaram; os políticos passaram a viver e
a trabalhar nas residências que os dirigentes colonialistas habitavam. A
Igreja Católica Nacional/Moçambicana, como todas as demais instituições
no país, assumiu e perpetuou as infra-estruturas religiosas deixadas
pelo governo português. No entanto, nunca foi considerado como um
privilégio o facto de os médicos usarem as infra-estruturas físicas de
saúde herdadas do colonialismo, nem tão pouco um privilégio os
governantes do Moçambique pós-colonial passarem a habitar as residências
dos antigos chefes colonialistas.
Em
toda a África os governos e as sociedades civis continuaram a fazer uso
das infra-estruturas físicas deixadas pelos colonialistas. Em
Moçambique a ocupação e destruição das igrejas tinha mais como
finalidade erradicar aquilo que era o símbolo da espiritualidade do povo
moçambicano. É dentro deste contexto, que a Igreja Católica
Nacional/Moçambicana reagiu negativamente. Não se tratava de uma questão
de defender privilégios herdados do governo colonial, mas antes
defender os símbolos da espiritualidade do povo moçambicano. (Canal de Moçambique)