domingo, 15 de fevereiro de 2015

Os arrependidos


26.01.2015
RUI SÁ
Em alguns processos judiciais surge a figura do "arrependido". Aquele que, tendo estado metido no processo até ao tutano, se "arrepende" do que fez, quebrando a cadeia de solidariedade com os outros arguidos. E que, com as suas declarações, ajuda a esclarecer o que realmente se passou (ou, pelo menos, apresenta uma versão dessa realidade), incriminando, por norma, mais os outros e descriminando-se. Negociando, previamente, a benesse dessa colaboração, dada, normalmente, sob a forma de redução da pena.
Quando vejo esses "arrependidos" fico sempre com a sensação de que se dividem em duas categorias: aqueles que se arrependem verdadeiramente do que fizeram e que, colaborando com as autoridades, procuram expiar os seus "pecados"; e aqueles que apenas procuram salvar a pele, de nada se arrependendo verdadeiramente. Ou seja, falsos arrependidos que, tal como outros, entrarão no Céu com a mesma probabilidade com que o camelo passa no buraco da agulha.
Lembrei-me desta situação quando ouvi Rui Rio a defender energicamente a regionalização. E, confesso-o, não sei em que classificação de arrependimento devo colocar Rui Rio. Nos genuínos ou nos que procuram "salvar a pele"? É sabido que Rio, em 1998, fez campanha contra a regionalização. Foi, aliás, secretário-geral do PSD, escolhido pelo então presidente do partido, Marcelo Rebelo de Sousa, que foi o grande artífice do referendo à regionalização ajudando Guterres a atolar-se no pântano da sua incoerência. Marcelo que foi um defensor da regionalização e, depois, arrependeu-se......
Rio, em 1997, numa crónica na TSF, dizia: "Pertenço ao vasto conjunto de portugueses que têm muitas dúvidas se a regionalização é solução para um desenvolvimento equilibrado do país ou se, pelo contrário, apenas vem agravar a despesa pública, criar mais alguns cargos políticos desnecessários e dividir os portugueses". Rio concluía dizendo: "Ainda não consigo votar a favor da regionalização".
Repare-se que os argumentos vêm na linha do que os seus amigos do CDS (hoje os seus mais fervorosos defensores - mais até do que o seu próprio partido), na altura, diziam. Quem não se recorda da mais vergonhosa campanha de demagogia que se assistiu contra a regionalização, com a rábula dos tachos (tachos sujos e tachos areados, mas sempre tachos!), em que se identificava a regionalização com o crescimento dos cargos políticos (bem sei que, na altura, era Manuel Monteiro - outro arrependido? - o líder do CDS, mas todos sabemos que era Portas o seu ideólogo).
Mas, na verdade, Rio pode ter-se arrependido e, apesar da sua altíssima perspicácia e visão estratégica, pode apenas ter visto a luz 16 anos depois do referendo. E, após ter sido um dos mais centralistas presidentes da Câmara do Porto, com desprezo completo pelas juntas de freguesia e pela assembleia municipal (onde passou a ir espaçadamente, porque o chateava), ainda bem que, agora, pugna pela verdadeira e efetiva descentralização.
Curiosamente fez este auto de fé numa iniciativa do PS Porto, onde teve o "prazer" de se encontrar, novamente, com o seuamigo António Costa - um dos ministros de Guterres aquando do referendo de 98...... PS Porto cujo líder se apressou a pôr água na fervura, defendendo que isso da regionalização precisa de calma: primeiro descentralizemos para as CCDR e, depois, desgovernamentalizemos as mesmas reforçando a sua legitimidade democrática, disse. Como sabemos o que têm sido os governos do PS, onde até ministros do Porto, antes fervorosos adeptos da regionalização, se transformaram em mansos cordeiros inebriados pelo centralismo......
Mas, como diz José Luís Carneiro, no debate que juntou o centrão e algumas flores para comporem e disfarçarem o ramalhete, o consenso existe é em torno dos círculos uninominais. Ou seja, na reforma do sistema político para perpetuar o bloco central no Poder. Sobre isso voltarei à carga em próximos artigos......

Sem comentários: