sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Wiriyamu: horror no passado

Wiriyamu: horror no passado, aridez no presente e incerteza no futuro

Vinte Pacanato é um senhor de 63 anos com 10 filhos e 21 netos. A sua linhagem fixou-se em Wiriyamu há tanto tempo que ele já não consegue fazer contas.
Vinte Pacanato é pai, ancião e sábio, na aldeia. Preserva na memória o jovem que foi quando aos 23 anos sobreviveu ao massacre das forças coloniais em 1972.
“Dois jactos sobrevoavam a aldeia no dia 16 de Dezembro, os soldados pularam dos aviões e começaram a queimar as casas. ‘Vocês dizem que não conhecem os turras (guerrilheiros da Frelimo), mas estão a dar-lhes comida! Vocês não vão sobreviver, vão morrer aqui e hoje’, gritavam-nos os portugueses. Era fim de tarde e o sol estava indo-se embora.
Reuniram-nos, mandavam-nos ficar em pé e matavam-nos um a um. Quando chegou a minha vez eu disse que não morava na aldeia, que estava em visita aos meus pais. ‘Onde está o seu cartão?’, perguntaram-me.
Eu disse que o havia esquecido em Tete. ‘É mentira, tu vives aqui, acompanha estes homens’. Três soldados indicaram o caminho, afastamo-nos mandaram-me correr.
Dispararam tiros contra mim e eu caí no chão, pensei que tinha sido alvejado, mas não.
Levantei-me e continuei a correr em direcção ao mato. Só parei quando cheguei a casa dos meus avós, junto do rio Luenha, onde fiquei escondido nos meses seguintes”, recorda Vinte Pacanato apoiado na sua bengala, sequela de um tropeço numa noite de festa há três anos.
Os de Wiriyamu apoiavam os guerrilheiros da Frelimo, auxiliavam-nos com alimentos, informações e esconderijos.
Uma gente que não se vergava e resistiu aos reassentamentos coloniais, uma das estratégias portuguesas no Norte durante a guerra de libertação. Porque o povo sonhava e lutava pela independência, no dia 14 de Dezembro aviões civis sobrevoaram e dispararam sobre a região. No mesmo dia uma equipa da Direcção-Geral de Segurança tentou obter informações junto aos moradores sobre os ‘turras’. Inútil tentativa, pois os nyúngwe são bravos e fiéis as suas causas. Na véspera do massacre seis portugueses que patrulhavam a área foram mortos numa emboscada guerrilheira. Os tugas quiseram vingança.
Calhou num sábado o 16 de Dezembro, e talvez os habitantes de Wiriyamu preparassem-se para descansar o corpo da lida da terra. Quiçá beberiam vinho de múcua (o fruto do embondeiro) e assariam um cabrito, e porventura haveria um guerrilheiro a trazer notícias sobre o avanço da guerra de libertação. Isso se a Operação Marosca - que assaltou as localidades de Wiriyamu, Juwao e Chawola - não tivesse desabado dos céus, violenta como nenhuma tempestade e deixando cerca de 400 mortos.
Mulheres, idosos e crianças não foram poupados. Há relatos de atrocidades, como a mulher grávida que foi esventrada para que os soldados conhecessem o sexo do feto que impediram de tornar-se homem1. “Nós éramos a favor da Frelimo, claro que sim. Apoiávamos os guerrilheiros, mas no dia do massacre nenhum deles estava aqui, por isso não mentimos aos soldados portugueses. O Chico Kachavi estava presente, era muito perigoso e comandava, mandava matar as pessoas. Ele era um africano com o coração europeu. Perdi o meu pai e o meu avô, além de muitos amigos, eles não foram enterrados e os seus corpos apodreceram no ar. Trataram-nos como animais”, relembra Vinte Pacanato.
O esquecimento é a recordação de Isaías Sinova sobre o dia do massacre, então com 14 anos.
“Não me recordo de como as coisas se passaram, tenho apenas algumas imagens: fogo nas casas, choros e gritos e eu a correr. Não me lembro de mais nada”.
Wiriyamu foi destruída e passaram-se meses até o regresso dos sobreviventes, que reconstruíram a vida sobre feridas abertas, no sítio exacto onde os seus antepassados nasceram, viveram e morreram.
A partir da cidade de Tete são 25 quilómetros na estrada nacional, em direcção ao Sul, até alcançar-se à picada que leva à aldeia. São sete quilómetros de terra batida, não há chapas e para chegar a estrada os moradores percorrem a distância a pé. Mulheres com os seios a mostra, cercadas por bidões amarelos, xinguileiam enquanto bombeiam a água dos poços cavados na margem dos riachos.
Arbustos secos e embondeiros majestosos dominam a terra castanha e estendem-se para além do alcance do olho. Em Setembro as machambas não deixam ver que foram semeadas e os rios escondem o seu leito. Ainda que o céu azul não tenha manchas e o sol mantenha-se inclemente, o povo está confiante e aguarda paciente a chegada das chuvas com sua promessa de fertilidade.
“Para encontrar água num poço junto do rio basta cavar cinco metros, mas noutros sítios podemos cavar 50 metros sem encontrar um pingo. A chuva vem, o problema é que ela não dura. Nós somos camponeses e dependemos da terra, plantamos mapira, amendoim, feijão e milho, mas este é pouco.
Continuamos a sentir a fome em Wiriyamu”, admite Isaías Sinova envergonhado.
As mulheres não estão menos diligentes com os animais por ser domingo, alimentam e dão de beber às cabras e ao gado da aldeia. Atraídas pelos visitantes, deixam os seus afazeres e com as crianças recebem os jornalistas de Maputo.
Sorriem e conversam em boasvindas, oferecem as mãos e os braços em saudação. Os risos transformam-se em gargalhadas e espalham-se convocando quem ainda estava em casa. A mútua incompressão é o motivo da graça: os jornalistas não falam nyúngue e as mulheres não entendem o português.
O professor Carlos Alciano, 40 anos, é o responsável pela escola de Wiriyamu desde 2006. A seu cargo estão 568 crianças entre a 1ª e a 7ª classe. As três salas de aulas, com carteiras e cadeiras, não são suficientes e as copas das poucas árvores frondosas também abrigam alunos. A aldeia tem duas latrinas melhoradas, que servem aos 2500 moradores, embora a localidade de Wiriyamu abrigue aproximadamente 4200 pessoas. “A maioria das crianças deixa de estudar quando termina a 7ª classe, é difícil prosseguirem porque estamos longe de Tete e o transporte é complicado. A vida é muito difícil por aqui, vive-se com o mínimo.
Desde há um mês os camiões da Rio Tinto estão a sondar a região. Tenho dúvidas se o negócio do carvão é bom para Tete, porque o povo não está a beneficiar da riqueza, os que foram reassentados em Moatize não têm uma vida melhor”, pondera Carlos Alciano.
As casas de Wiriyamu são tradicionais, com paredes de adobe e cobertas por palha ou apenas de palha. Estão bem distribuídas pela aldeia e formam pequenos agrupamentos que indicam as relações de antiguidade e familiaridade entre os moradores. As galinhas andam soltas, mas há curral para bois e cabritos. A organização e a limpeza deixam o espaço impecável, e as crianças podem improvisar jogos sem receios.
As mulheres trabalham nas esteiras em frente as suas casas e os homens conversam. Junto ao monumento de homenagem às vítimas do massacre, adolescentes mulheres carregam lenha na cabeça. “A agricultura, a lenha, o carvão e os animais são os únicos negócios que podemos fazer. Porém, nem sempre temos excedente de produção para comercializar”, observa Vinte Pacanato.
O chefe da aldeia saiu em negócios, mas todos afirmam que a solidariedade é a garantia da sobrevivência em Wiriyamu.
“A solidariedade é imensa, todos se ajudam aqui. Quando há problemas reunimos toda a comunidade para discutir como resolvê-los, se não fosse a união não conseguíamos sobreviver”, sublinha o professor Carlos.
No posto de venda da vila há cerveja, refrescos, arroz, óleo e rebuçados. Com excepção dos doces, qualquer produto custa 40 meticais. Entre a cobertura de palha da venda vislumbra-se o painel solar que alimenta o rádio, a tocar “assim você me mata”. Se os painéis solares dizem que se está no século XXI, a produção agrícola de subsistência, o espaço e a estrutura da aldeia e a pobreza do povo colocam-nos em múltiplos tempos passados. “Depois da independência Samora Machel veio visitar-nos, ele chorou pelos mortos do massacre e pela aldeia. Há um tempo o governador Alberto Vaquina (Agora nomeado Primeiro-ministro) veio ver Wiriyamu. Dissemos a ele que a água, a fome a falta de um hospital são os nossos maiores problemas. Ele disse-nos ‘vocês bem sabem que têm de trabalhar, têm de continuar activos para lutar contra a fome’”, conta Vinte Pacanato.
Os jovens de Wiriyamu estão a dividir-se entre as promessas da cidade e do desenvolvimento e as obrigações para com a terra e os antepassados.
Tafaro Marijoão, 19 anos, é casado, trabalha como segurança a porta da EDM na cidade de Tete e faz planos para o futuro.
“Eu ganho três mil, quero sair de Wiriyamu e ir morar na cidade, onde há muitas maneiras de se pegar no dinheiro. Aqui falta tudo e estou cansado de caminhar 14 quilómetros para ir e voltar do trabalho. Em Tete vou ter um futuro melhor”. Faisal Francisco, 20 anos, é casado e tem duas filhas. Não tem dúvidas sobre o que deseja para sua família nem receios pelo futuro. “Eu nasci aqui e sou camponês, essa é a minha vida.
Com o trabalho na terra, numa altura boa, posso ganhar 1200 meticais num mês. Mas não se trata do dinheiro. Eu sou de Wiriyamu e não posso deixar esta terra”. O apelo da terra e dos antepassados mantém viva Wiriyamu para além do terror do passado, da aridez do presente e da incerteza do futuro.
“Nascemos aqui, nossos pais nasceram aqui, nossos avós e bisavós e ainda mais para trás também são daqui.
Todos viveram aqui e estão enterrados nesta terra. Não podemos deixar a terra e os antepassados, não podemos e não vamos deixar esta terra que é nossa”, garante Vinte Pacanato.
1 Portuguese Massacre Reported by Priests” a reportagem publicada pelo jornal inglês The Times em 10 July 1973.
2 Nenhum dos sobreviventes recorda-se com precisão do regresso a Wiriyamu e da reconstrução da aldeia.
SAVANA – 19.10.2012
Recorde em http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/wiriamu/

1 comentário:

Anónimo disse...

But truth be told, аs eaсh disсοveгy iѕ astounԁіng, simіlar to biofeedbаck only betteг.
Henry uѕes live lοоps anԁ voсal harmonies, sounds made with еlectгic
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