segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Um Governo com um prazo de validade

 

16/10/12 02:06 | António Costa


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Vítor Gaspar revelou um Orçamento que já o era antes de o ser. Um orçamento único, sem margem de negociação num Parlamento que vai fazer figura de corpo presente.
Apesar dos avanços e recuos, das medidas anunciadas e que, depois, foram retiradas, este é um orçamento sem história. Ou melhor, sem uma nova história, porque já se conhecia o que é relevante na proposta para o próximo ano, negociado nos corredores dos partidos da coligação e na rua, depois de ser apresentado às fatias aos portugueses. Os adjectivos para classificar este confisco legalizado por lei já se esgotaram, a esperança morreu. Resta-nos esperar que os mercados e os nossos credores, os actuais e os futuros, acreditem no que os portugueses já não acreditam. E que o ministro das Finanças seja capaz de o executar.
Já muito se escreveu sobre este orçamento, sobre este modelo de redução do défice público em que, até, o FMI já não acredita, mas que Gaspar garante ser a única alternativa, porque, sem ela, diz, será o caos. A austeridade continua a ser necessária, e criar a ilusão de que as dificuldades acabaram é pura demagogia que os portugueses não deveriam tolerar, porque foi isso, também, que nos trouxe até aqui. Mas não há apenas um caminho para a austeridade, leia-se para a correcção dos desequilíbrios externo e público da economia e das finanças portuguesas.
O Governo optou por um, o do agravamento brutal dos impostos, que já tinha seguido em 2012 com resultados negativos e que obrigam, precisamente, a mais austeridade. A receita fiscal vai explicar mais de 80% da redução do défice público em 2013, para 4,5%. Está tudo dito sobre o corte de despesa, aquele que é estrutural, que obrigaria a uma reforma do Estado, essa ficou na gaveta. O Governo comprimiu a despesa pública em 2012 e, claro, ainda é mais difícil fazê-lo em 2013 sem desestruturar o funcionamento do próprio Estado. A reforma fica prometida para 2014, se o Governo lá chegar.
O Governo ‘começou' este orçamento com o anúncio de uma medida de política económica, as mudanças na Taxa Social Única (TSU), que desapareceu por completo. Portanto, um orçamento que teria sempre, como se percebe agora, tendo até em conta o buraco orçamental de 2012, um brutal aumento de impostos, tinha também uma dimensão económica e de competitividade. Deixou de o ter, e passou a ser, apenas, um orçamento fiscal, de emergência, que tributa tudo que mexe, que divide os portugueses em ‘pobres por conta própria' e ‘ricos por conta de outrem'. A dimensão económica deste orçamento - arranjada à última hora e, pelos vistos, ainda em negociação com a ‘troika' - resume-se a mais um linha de financiamento das PME e a uma medida pedida há muito pelas empresas, a adopção do chamado IVA de caixa. É positivo, mas é pouco, é muito pouco para compensar o terrorismo fiscal que os portugueses, as famílias e as empresas, vão enfrentar. A economia vai sofrer, muito. Mais do que está previsto nos modelos macroeconómicos de Gaspar. Este é, aliás, um dos problemas deste orçamento: a sua credibilidade, ou a falta dela.
Chegados aqui, com este orçamento de emergência fiscal, sem estratégia, que só tem a ambição de chegar ao fim de 2013, e não chegará, infelizmente, sem novas medidas e orçamentos rectificativos, o espaço de manobra do Governo, e do País, reduziu-se muito. Pedro Passos Coelho perdeu o País no dia 7 de Setembro, quando anunciou, sob pressão, para responder à ‘troika', as alterações à TSU, a transferência de rendimentos dos trabalhadores para as empresas. Daí até ao dia de ontem, o Governo revelou um nível de improviso, até de impreparação, que não se tinha visto, que se desconhecia.
Pode dizer-se que ainda há dois países, o que visto pelos mercados internacionais, e o que é sentido pelos portugueses. Ao nível externo, apesar de tudo, a percepção sobre a evolução do ajustamento português é muito positiva, o que não é de somenos. Muito devido a Vítor Gaspar, à sua credibilidade internacional. As taxas de juro das obrigações portuguesas estão a cair nos vários prazos de forma consecutiva desde há meses, até para valores inferiores ao dos juros cobrados a Espanha. Ao nível interno, ao contrário, Vítor Gaspar falhou no cumprimento do objectivo que definiu como prioritário, a redução do défice público, e que também explica o brutal aumento de impostos previsto para 2013. Durante quanto tempo será possível manter esta realidade dupla?
Sem este orçamento, será o caos, diz Gaspar. O ministro tem razão, por responsabilidade própria. E sem o próprio ministro das Finanças no Governo? A remodelação é uma das opções do primeiro-ministro para recuperar o País. Não será, nunca, a solução milagrosa, mas o Governo precisa, seguramente, de mudar, de nomes e de orgânica. Mas qualquer mudança só será efectivamente eficaz se passar pelo Ministério das Finanças. Hoje, no entanto, é impensável este Governo sem este ministro. Parece um paradoxo criticar esta política e apoiar este ministro, mas, nas actuais circunstâncias, não é. Num aspecto, Gaspar tem razão: estamos nas mãos da ‘troika', e a ponte com o Governo passa pelo ministro. A sua saída, agora, seria percepcionada pelos mercados como uma concessão do Governo e do País ao facilitismo, e isso conduziria necessariamente a um ataque dos mercados a Portugal, a uma crise política que nos conduziria à bancarrota e ao segundo resgate. Gaspar é o nosso Mario Monti. Cada País tem o que tem, não o que quer ou gostaria de ter.
Pior, só mesmo uma crise política, um governo de salvação nacional ou eleições antecipadas. Mas, a prazo, estamos condenados a isso, com este orçamento, com esta coligação, com esta Europa.
Por um lado, os objectivos de redução do défice público não vão ser atingidos sem novas medidas ao longo de 2013, claro, com mais impostos e penalizando, ainda mais, uma recessão económica que vai ser mais profunda do que o 1% previsto por Vítor Gaspar. Em segundo lugar, o Governo vive numa situação de implosão que, noutro momento, já teria sido demitido pelo Presidente da República. O PSD e o CDS estão numa guerrilha permanente, mas estão condenados a viver juntos. À espera, finalmente, de uma decisão europeia global que tarda em chegar e que, quando chegar, só depois das eleições alemãs em Maio, já poderá ser tarde para as nossas necessidades.
O pior não é o que se sabe hoje, é o que se desconhece do dia de amanhã. Estão criadas as condições perfeitas para o regresso do ‘pântano' de António Guterres, que se revelou precisamente na ressaca das autárquicas de 2001. As eleições de Outubro do próximo ano são o prazo de validade deste Governo, deste ministro das Finanças. Se chegarem lá, nem mais um dia.
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António Costa, Director
antonio.costa@economico.pt

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