terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os problemas de Moçambique: quem são os culpados?

 

TODOS os dias em qualquer canto ouvem-se cidadãos moçambicanos se queixando disto e daquilo sobre o seu país. E nessas queixas há sempre bodes expiatórios localizados como sendo os culpados.
Maputo, Quarta-Feira, 10 de Outubro de 2012:: Notícias
Há quase um coro em identificar um culpado por causa da fome, do desemprego, da falta de habitação, da falta de um bom sistema de saneamento nas nossas cidades, da falta de um sistema de transporte capaz de satisfazer em quantidade e qualidade, as necessidades de transporte para pessoas e bens, de um lugar para o outro, etc.
Quero recordar que há três elementos considerados fundamentais para a existência de um Estado: falo de Estado no sentido de uma sociedade politicamente organizada. Os três elementos são: terra, povo e governo. Deixemos agora a terra e consideremos os dois últimos. Normalmente, em todas as queixas colocadas pela maioria dos moçambicanos, o culpado absoluto é o governo, e o partido que dirige esse governo.
Em qualquer Estado há sempre dois sistemas. O sistema que governa e o sistema governado. O sistema que governa refere-se à estrutura política que forma o governo e conduz todos os negócios do Estado. O sistema governado diz respeito ao povo e o resto de todas as coisas cuja vida, existência e a forma de existir dependem, e são influenciados pelos planos e decisões que emanam do sistema que governa.
Normalmente, nas queixas que oiço dos meus compatriotas, a culpa de todos os males vai para o sistema que governa. E nunca se tenta olhar, também, a partir do sistema governado, particularmente o povo, sobretudo, o tipo de povo que um Estado como o nosso possui. É indubitável o papel crucial dos governos para o sucesso de qualquer sociedade politicamente organizada, pois é de acordo com a qualidade e o nível do alcance dos seus planos, programas e estratégias, a nível da política interna e externa, que vai depender, o vir a ser de qualquer nação. Não se pode esquecer que seria impossível existir um sistema que governa onde não existisse um sistema governado. Não se deve esquecer, também, que a conquista, o exercício e a manutenção do poder pelo sistema que governa só é possível com a colaboração do povo, e este faz parte do sistema governado. Isso é assim, pelo menos, em regimes democráticos.
O presidente de um país não é um monarca, ele é coadjuvado pelos seus ministros, e esses têm os seus vice-ministros, tem os seus secretários permanentes, etc. Há directores nacionais disto e daquilo até que se chegue ao funcionário mais pacato. Para que um país ande é necessário que se trabalhe, e mais do que trabalhar, é preciso que se trabalhe bem e a sério. Ora, embora alguma parte das pessoas que trabalham para que um país ande pertença aos membros do sistema que governa, não se pode esquecer de que a maior parte das pessoas que trabalham fazem parte do sistema governado e não do que governa.
Só para evitar uma confusão, nem todos os membros do partido no poder são elementos do sistema que governa. São elementos deste sistema, os membros do partido no poder, que sejam parte dos grupos que comandam o processo decisório sobre as questões vitais de Moçambique. Esse tipo de indivíduos encontra-se em qualquer um dos três tipos clássicos de poder: o executivo, o legislativo e o judicial.
Reconhecendo a força do impacto que a decisão tomada pelo sistema que governa (embora constituído por uma minoria quantitativa) tem para o desenvolvimento ou não desenvolvimento de uma sociedade, é relevante, também, lembrar que para que esse desenvolvimento ocorra, não depende apenas da qualidade dos planos, programas e decisões do sistema que governa. É, também, necessária para o efeito, uma contribuição séria e de alta qualidade, por parte do sistema governado. Dito de maneira mais simples, é também necessária uma boa contribuição por parte do povo. Pois, embora o povo seja uma minoria qualitativa (no sentido de não tomar decisões, pelo menos, directamente) perante os membros do sistema que governa, ele é uma maioria quantitativa.
Partidos da oposição devem ser a alternativa política
Partidos da oposição devem ser a alternativa política

Desenvolvimento depende de cada um de nós

Maputo, Quarta-Feira, 10 de Outubro de 2012:: Notícias
Se cada um dos moçambicanos fizer o seu trabalho com zelo, dedicação e disciplina, estará a dar um contributo para o desenvolvimento do país. O que se espera, se chegarmos num ambiente onde um/a secretário/a permanente dorme com boca aberta no seu gabinete, e outros funcionários do ministério estejam a ver novelas. Será que nesses lugares não há trabalho para fazer? O que se espera de um país onde é frequente chegar numa secretaria de uma certa instituição e notar que as pessoas que deveriam atender-te estão a conversar sobre suas futilidades e insuficiências e não se dignam em dar uma paragem, para atender as pessoas diante delas? O que se espera de um país onde, quando as pessoas atendem ao público nos seus locais de trabalho, não fazem-no como sendo parte de sua obrigação profissional e moral, mas sim, atendem ao público como se estivessem a prestar algum favor? Lembre que mesmo um favor pode ser prestado a alguém, com carinho. O que esperar de um país onde o combustível que é para carros das instituições uma parte dele é desviado e vendido. O que se espera de um país onde as pessoas chegam atrasadas no serviço, e a partir das 13 horas os seus olhos assediam o pêndulo do relógio e não vêem a hora de sair. Enquanto as pessoas deviam sair às 15:30h, saem, regra geral, uma hora antes. O que se espera de um país onde ao invés de pessoas pensarem em fazer o seu trabalho com zelo e ter tudo a fazer completo dentro dos prazos estabelecidos, elas estão mais atentas à passagem do tempo só para receberem os salários? Despacham o seu trabalho mergulhando-se em rituais (para justificar que trabalham). O que se espera de um país onde as pessoas que trabalham para atender ao público mandam nos voltar em amanhãs incessantes só por preguiça de cumprir com o seu dever ao público? Mandam-nos voltar amanhã até que a gente cansa-se e mobiliza directores dessas instituições, reclamando do que queremos há tempo e não conseguimos. E assim, os directores chamam diante de nós, as mesmas pessoas a quem nos dirigimos no início, e dizem: está a ver este senhor aqui, procura o que ele quer, por favor. E aí essas pessoas é que prestam-nos, em pouco tempo, o que se esquivam de prestar-nos durante semanas. Será que é necessário que as pessoas esperem que um director lhes cante, em todas as manhãs, uma ladainha de recordação sobre o que cada um deve fazer, como fazem as hospedeiras a bordo no início e no fim de cada viagem?
Quando falar-se da fonte do mal da situação de Moçambique, não se pode atirar o mal, apenas ao sistema que governa. É necessário, também, olhar para o tipo do sistema governado, concretamente, o povo. Uma sociedade que tivesse seu povo e governo doentes estaria condenada a um sofrimento eterno. Não é só a qualidade dos governos que dita o desenvolvimento de um país, mas também, e se calhar mais importante ainda, seja a qualidade do seu povo. Ainda que o governo de um país seja o melhor do mundo, se o seu povo for constituído maioritariamente por bestas, tal sociedade caminharia para a derrocada.
Pode-se notar que, ainda que um governo seja ruim, se o seu povo for iluminado, pode lutar contra os governos opressores e mudar a situação. São exemplos claros que a história nos ensina sobre isso, os casos da Revolução Francesa de 1789 e da Revolução Russa de 1917. Nesses exemplos, se não fosse o povo que era iluminado e não queria mais abusos de poder e desrespeito às liberdades e garantias fundamentais, tenho a certeza de que Luís XVI em França e Nicolau II, o então e último Czar da Rússia, nunca iriam oferecer essas conquistas sublimes, conseguidas por esses povos, de bandeja.
Até aqui o que queria mostrar é que não se deve encontrar a causa dos problemas de que nós os moçambicanos enfrentamos, apenas no governo, mas há que olhar, também, para o tipo de povo que Moçambique tem. Que estrutura intelectual, ética e moral temos nós, como um povo, para que possamos todos dias, insultar de forma barata o sistema que nos governa?
Há uma crise no seio dos partidos da oposição
Há uma crise no seio dos partidos da oposição

Partido no poder vs. partidos da oposição

Maputo, Quarta-Feira, 10 de Outubro de 2012:: Notícias
O segundo nível de argumentação vai incidir especificamente sobre o sistema que governa.
Os teóricos modernos sobre governação, quando falam do sistema que governa, o alcance do significado deste conceito, parece me incidir apenas sobre o governo, o que seria equivalente ao indicar o grupo político que esteja no exercício do poder. Para a minha análise neste texto, vou atribuir a significação do sistema que governa, não só para o governo ou estrutura política que conduza os negócios do Estado, mas sim considero como parte desse sistema que governa, também, a todas as organizações políticas que lutam pela conquista, exercício e manutenção do poder político.
Em outras palavras, para o meu propósito neste texto, o sistema que governa é constituído pelo partido político em exercício do poder e pelos partidos políticos de oposição. Com isso, quero dizer que o sistema que governa tem uma constituição bipartida, no sentido de que esse sistema deve ser olhado sobre dois ângulos. Sobre o ângulo do partido que governa, e do ângulo dos partidos de oposição.
Chegado a esse ponto, vou repensar o ponto de vista em que as causas das angústias dos moçambicanos são atribuídos ao sistema que governa. Quando a causa ou as causas das angústias e sofrimento que pesam sobre a maioria dos moçambicanos é atribuída ao sistema que governa, a parte do sistema que é identificada é a que governa (directamente) o país, ou seja, o partido Frelimo. Aqui, ouve-se todos os dias, vozes cheias de fúria. Esses indivíduos da Frelimo não fazem nada; não têm pena do povo; prometem coisas e não cumprem, etc. E nesse olhar sobre a causa do mal a partir do topo (do sistema que governa), considera, apenas, a parte do sistema que se encontra a conduzir os negócios do Estado (o partido Frelimo). Não se pára para olhar o outro ângulo do sistema, ou seja, o lado dos partidos de oposição que existem em Moçambique.
Mais uma vez quero recordar que, estou ciente da importância capital dos governos, para que um país resolva e supere os seus problemas, mas para que as coisas corram bem, não depende só do partido no poder, mas também, depende (e de maneira significativa) dos partidos de oposição.
Pois os partidos políticos de oposição devem servir como alternativas políticas em diversos aspectos que digam respeito aos problemas e preocupações do Estado ou da nação. Prestando atenção ao tipo de partidos de oposição presentes em Moçambique, será que podem ser considerados como alternativas políticas de facto? Talvez, o MDM venha a ser no Futuro. Quando digo talvez, não quer dizer que agora não possa ser, mas apenas mostrar que a sua história no xadrez político nacional é muito recente para eu possa formular uma opinião mais estruturada e consistente sobre este partido. Até agora, a Renamo e a maioria do resto dos pequenos partidos de oposição não podem ser considerados, pelo menos, por mim, como partidos alternativos. Não podem ser considerados como tal porque não apresentam alternativas nenhumas. Se constituem alternativas, talvez, apenas, em termos de jure e não em termos de facto e substância.
Os partidos de oposição devem ser uma espécie de freio ao partido no poder, chamando atenção, sempre que este tender a exceder-se. Estes partidos devem apresentar soluções alternativas perante as grandes questões que estejam a apoquentar os moçambicanos, e não ficarem apenas a fazer críticas pueris e desprovidos de uma argumentação clara, coerente e convincente.
A questão de um partido de oposição ter que servir como uma alternativa política deve estar patente a partir do escrito no seu manifesto político e eleitoral. E também no seu manifesto em termos práticos de como se expõe aos moçambicanos, por exemplo. Já pude ler manifestos de alguns partidos de oposição e compará-los com o da Frelimo. Àqueles, simplesmente não apresentam uma alternativa. O aspecto alternativo dos nossos partidos de oposição parece estar apenas nos nomes que são dados aos partidos, e não numa proposta política diferente e que possa convencer os moçambicanos a dar o seu voto.
A crise dos nossos partidos de oposição em falta de alternativa é revelada até, quando se quer bater as palmas na Assembleia da República. A bancada da Renamo, por exemplo, não tem nem sequer uma forma alternativa de bater as palmas. Esta bancada, simplesmente imita a maneira como a bancada da Frelimo aplaude.
Para um país que esteja a carecer de resposta para muitas coisas para que possa dar passos galopantes, firmes e satisfatórios para o seu sucesso, não só é preciso ter um bom governo, no sentido de ter um partido político competente na governação, mas também precisa de ter bons partidos políticos de oposição, que cumpram de forma efectiva o seu papel como oposição.
E as coisas falham bastante no caso de Moçambique porque os partidos de oposição presentes estão desprovidos daquelas características necessárias para o efeito. Pois, enquanto líderes de alguns desses partidos são puxa-sacos do partido no poder (seus discursos revelam que eles são puras caixas de ressonância do discurso do partido no poder), outros partidos políticos têm uma participação política em forma de guerrilha. Dito doutro modo, não se sabe onde estão e o que fazem ao longo de todo o tempo. Esses partidos só aparecem repentinamente no tempo dos escrutínios eleitorais e depois desaparecem para um estado de hibernação, até que chegue um outro período eleitoral.
Esta realidade é assim porque esses não são políticos por vocação, no sentido de Max Weber do termo. Eles fazem política, provavelmente, para que possam obter algum dinheiro para si. Não vivem para a política, mas sim vivem da política.
Outros partidos e seus líderes ainda, como no caso descrito acima, também não fazem a política por vocação, e sim, fazem-na para o benefício próprio e pela simples vontade de poder. As suas motivações pela política não têm sinais que mostrem um espírito de preocupação por Moçambique e pelos moçambicanos. A prova disso é que quando falham os seus intentos de conquistar o poder político para si, por meio de mecanismos democraticamente legítimos de conquistá-lo, ficam possuídos de fúria. Quando estão tempestuosos perdem toda a noção de coerência e fazem discursos incendiários. Um exemplo concreto disso é o tipo de discursos emitidos por Afonso Dhlakama, líder da Renamo, sempre que se encontra em ataques de fúria. Acho que o leitor está em condições de se recordar do mais recente desses discursos e dos subsequentes acontecimentos na Rua dos Sem Medo, na província de Nampula.
Se é perigoso que uma nação seja conduzida por um governo que seja deficiente, é mais perigoso ainda, quando deficientes, também, forem os partidos políticos de oposição presentes.
Em suma, queria deixar claro que quando estivermos a pensar sobre as causas dos problemas que os moçambicanos sofrem, e sobretudo, quando tivermos a intenção de encontrar os culpados, e não apenas em percebermos o que está errado entre nós como um todo, não devemos pensar de forma quadrada e emocional. Pensar desta forma leva-nos a atribuir as culpas, como tem acontecido, apenas, ao sistema que governa. Desta vez, falo do sistema que governa, no sentido da estrutura do governo disposto pelo partido no poder. Quando pensarmos sobre as causas do mal ou dos males, e procurarmos os culpados, devemos, também, ter em conta o tipo de povo que nós somos, sobre que tipo de contribuição e exemplos positivos que nós estamos a dar enquanto os rasos da base.
Para este nível primeiro de argumentação neste texto, a ideia é que o desenvolvimento de um país não depende apenas do tipo de governo vigente, mas também, depende, significativamente, do tipo do povo. Dito de maneira mais simples, o desenvolvimento de um país não depende, apenas, das disposições do sistema que governa. Ele depende, também, das disposições do sistema governado (o povo). É por essa razão que, na história houve povos que fizeram revoluções bem-sucedidas e instalaram regimes mais sólidos e flexíveis para responder às necessidades de desenvolvimento. Falo de desenvolvimento no sentido de Amartya Sen. Nesse caso, falo deste conceito, enquanto significando as conquistas reais em termos de liberdades substantivas de natureza económico-material (ex: emprego, boa habitação, boas condições de transporte, saúde e saneamento, educação, etc.) e de natureza política (ex: todos os direitos e garantias fundamentais como as liberdades civis) que as pessoas desfrutam.
Para o segundo nível de argumentação neste texto, quero deixar claro que: quando pensarmos ou pensar-se sobre os problemas que sufocam os moçambicanos, e sobretudo, quando, também, desejarmos encontrar os culpados dentro do sistema que governa, como é o caso do que revelam os nossos discursos diários, não devemos olhar para este sistema de forma unívoca. Temos de fazer uma cirurgia dele e sermos, também, capazes de olhar para a parte deste sistema que é constituída pelos partidos de oposição, e avaliarmos criticamente o seu papel. Pois, estes partidos têm um papel muito importante para o incremento da qualidade do sistema que governa. Ao sistema que governa, refiro-me, neste exacto momento, à parte deste sistema constituída pelo partido que governa directamente o país (o partido no poder). A importância do papel dos partidos de oposição deve ser através de uma participação política efectiva, coerente e contributiva para a realização dos objectivos de interesse superior da nação.
Que condições intelectuais, éticas e morais têm os partidos políticos de oposição e, nós, como um povo, para fazermos críticas baratas ao nosso governo e atribuirmos, apenas, a ele, a culpa pelo que vivemos em Moçambique? Inspirando-me em Mariano Grondona, terminaria dizendo que: é melhor evitarmos fazer perguntas do tipo quem fez ou faz isso connosco, quando pensarmos nas coisas que não estão bem; e investirmos mais em perguntar, por exemplo, o que está errado connosco?
  • Pedro Chibamo Vilanculo - Sociólogo - Pedro.chibamo@hotmail.com

Sem comentários: