domingo, 7 de outubro de 2012

Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola


Elementos cedidos por um colaborador do portal UTW

Tiago Moreira de Sá
Tiago Moreira de Sá, nascido em 1971, é doutorado em História Moderna e Contemporânea, especialidade de História das Relações Internacionais no Período Contemporâneo. É professor auxiliar convidado na FCSH-UNL e investigador no IPRI-UNL.
O livro:
"Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola"
título: "Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola"
autor: Tiago Moreira de Sá

editor: Dom Quixote
1ªed. Alfragide, 14Abr2011
393 págs
23,5x15,5cm
preço: 21,95€
dep.leg: PT-324331/11
ISBN: 972-20-4522-3
Sinopse:

Em meados de Abril de 1975, Kenneth Kaunda visitou Washington e encontrou-se com Gerald Ford e Henry Kissinger. A viagem, que tinha sido combinada meses antes, devia ser rotineira, não se esperando que tivesse qualquer resultado importante, pretendendo, à partida, servir apenas como uma cortesia para com um dos pioneiros da luta pela independência em África.
Porém, o almoço de 19 de Abril na Casa Branca entre o presidente da Zâmbia, o seu homólogo norte-americano e o secretário de Estado Kissinger, acabou por se constituir como o momento de viragem na política dos EUA para Angola e mesmo para o continente africano. Kaunda convenceu Ford de que a URSS estava a intervir em Angola com conselheiros militares e armamento, o que podia ajudar o MPLA a tomar o poder, devendo os Estados Unidos opôr-se a tal acção em defesa dos vizinhos daquele país. No fundo, a mensagem que o presidente zambiano trazia, era que a intervenção de Moscovo tinha ultrapassado os limites aceitáveis para os Estados Unidos.

Recensão1:

A influência dos EUA na descolonização de Angola.

Talvez não haja um momento para se começar a história de um país. Quase 36 anos depois da Independência de Angola, Tiago Moreira de Sá reúne um conjunto de documentos e vai perceber como é que a presença dos Estados Unidos da América em território nacional, teve relevância para o desenrolar da descolonização de Angola.

A história de Angola começa a ser contada desde que Diogo Cão chega à Foz do Congo em 1482. Contudo, é a partir de 1975 que nasce um novo episódio da história dos angolanos, a República Popular de Angola.

"A história da República Popular de Angola começa como partido independente. Para Portugal também é um período importante porque vai deixa de ser um país com império colonial para passar a ser um país virado para a Europa", afirma o autor do livro Tiago Moreira de Sá.

O investigador português recorreu aos arquivos norte-americanos e percebeu que, nos dias que correm, já existe, "por um lado, o distanciamento, e por outro lado, a documentação suficiente, as fontes primárias para começar a contar esta história com base em documentação sólida e com base numa análise rigorosa dos factos e não em paixões".

O interesse norte-americano não foi somente por Angola, na Guiné-Bissau e na Guiné-Conacri também houve intervenção dos EUA, facto que veio pôr em causa a soberania portuguesa. A razão pela qual Angola é o país escolhido para a intervenção dos EUA é, numa primeira fase, a China. A União Soviética chegou à conclusão, pouco depois do 25 de Abril, que Portugal vai sair de África, de Angola, e a China está a querer ocupar o lugar dos soviéticos.

Um alto cargo da URSS, afirma que os chineses querem ocupar o lugar dos soviéticos um pouco por todo o Terceiro Mundo e a primeira coisa que a União Soviética tem que fazer é impedir que isso aconteça. No segundo momento está relacionado com os Estados Unidos, porque é neste momento que adoptam uma estratégica ofensiva para Angola a partir de Julho de 1975.

Um dos factos curiosos da intervenção dos EUA na descolonização angolana, prende-se com o facto de o governo norte-americano ter proibido a utilização de paramilitares da CIA em Angola e mesmo assim o departamento de segurança introduziu alguns homens junto do FNLA e da UNITA. De acordo com "Os Estados Unidos e a descolonização de Angola", o interesse por Angola não era puramente ideológico, já que reconheceram a independência de Moçambique (e da FRELIMO) que era apoiada pelos chineses e não pelos soviéticos.

Na realidade, o que se passa é que os Estados Unidos entendem a iniciativa da União Soviética de uma forma que ainda não tinha acontecido durante a Guerra Fria. Mas basicamente a história conta-se da seguinte forma: numa primeira fase os EUA são informados pelo Zaire que os soviéticos estavam a interfir em Angola a conceder armamento ao MPLA e financiamento. Todavia, o envolvimento cubano só começa [oficialmente] em Julho de 1975 – e os EUA só sabem em finais de Agosto desse ano. Depois disso, para o governo norte-americano, a grande conclusão é: depois de termos perdido no Vietname, temos que ganhar em Angola. Ao demonstrarem essa força, mostrariam também o seu poder, caso fosse necessário, na Europa.

Assim, os EUA tentam afirmar a sua influência não só em Angola mas no mundo todo. Depois disso, as relações entre angolanos e norte-americanos deterioraram-se um pouco, tanto que aquando da independência, os EUA não a reconhece. Nos dias de hoje, as relações entre os dois países é cordial e não há qualquer hostilidade.

Recensão2:

O historiador português Tiago Moreira de Sá teve acesso aos arquivos diplomáticos e dos serviços secretos de Washington relativos aos anos 1974 e 1975. O livro "Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola", mostra que Kissinger acordou tarde demais.

A "falta de uma estratégia norte-americana para Angola" é claramente evidenciada no recente livro do historiador português Tiago Moreira de Sá. Com o título "Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola", baseia-se em grande parte nos arquivos norte-americanos que já se encontram desclassificados e disponíveis e que revelam a extensão do atraso, dos erros e da derrota sofrida por Washington na mais importante das colónias portuguesas.

O livro começa com o relato de um almoço, a 19 de Abril de 1975, na Casa Branca, entre o presidente Gerald Ford, o secretário de Estado Henry Kissinger e o presidente da Zâmbia Kenneth Kaunda. Foi "o momento de viragem na política dos EUA para Angola e mesmo para o continente africano."

Kaunda, que falava em nome dos presidentes vizinhos (mencionou Nyerere da Tanzânia, Mobutu do Zaire e Samora Machel de Moçambique), "convenceu Ford de que a URSS estava a intervir em Angola com conselheiros militares e armamento, o que podia ajudar o MPLA a tomar o poder".

O MPLA, acentuou Kaunda, "não era apenas um grupo marxista como a Frelimo em Moçambique", mas sim "um instrumento de Moscovo". O presidente da Zâmbia propôs que os EUA apostassem em Savimbi como "o líder de compromisso" e assegurou que também o ministro [português] dos Negócios Estrangeiros, Melo Antunes, "estava disposto a passar a apoiar" o líder da UNITA.
O encontro com Kaunda obrigou Washington a abrir os olhos e a passar à ofensiva. Moreira de Sá explica que "os EUA tinham de demonstrar a Moscovo, mas também a Londres, a Bona, a Paris e a Pequim, que a derrota na Indochina não reduzira a capacidade e a vontade de resistir à expansão soviética".

MPLA o menos tribal

De Luanda, desde 1974 que Washington recebeu relatos diários do seu cônsul Everett Briggs, que assegurava que o MPLA tinha várias ligações com o industrial português Manuel Vinhas, enquanto António Champalimaud seria "o principal apoiante" de um "futuro exército angolano de oficiais brancos", constituído à base de mercenários. Quanto a Rosa Coutinho, "é definitivamente amigo dos Estados Unidos (…) Ele não nos parece ser um esquerdista".

Para Robert Hulslander, responsável da CIA em Angola, Holden Roberto, o dirigente supremo do FNLA, era "um homem corrupto e sem princípios" que representava "o pior do racismo radical africano". Já o MPLA era "o menos tribal dos três movimentos" e o "melhor para governar Angola". Na altura (1974), estaria mais próximo "do socialismo radical europeu do que do marxismo-leninismo soviético".

Sabe-se como desde cedo a União Soviética apostou numa "política de fortalecimento do MPLA, sob a liderança de Agostinho Neto". Mas, na fase inicial, a política de Moscovo foi "dominada pelo seu conflito com Pequim e não com Washington". A China apostava na FNLA, tendo feito chegar, logo em Maio de 1974, o primeiro contingente de 112 conselheiros militares.

Porém, "a internacionalização da descolonização de Angola não começou por acção de Moscovo, ou de Pequim, ou de Washington, mas sim dos países africanos vizinhos", como o Zaire (ao lado da FNLA), o Congo Brazzaville (do MPLA) e a África do Sul (da UNITA).

Alvor foi sempre letra morta

Nem os EUA nem a URSS acreditavam no Acordo de Alvor, de Janeiro de 1975, e ambos apostaram em liquidá-lo à nascença. Ainda em Janeiro, o departamento de Estado fazia uma antevisão de possíveis eleições em Angola. A UNITA "provavelmente ganharia por causa do seu apoio forte" entre os ovimbundos; a FNLA, sólida entre os bakongos, "terminaria em segundo"; o MPLA poderia ficar "num distante terceiro lugar". Mas o principal problema residia "nas ambições pessoais dos três líderes (…), querendo todos ser presidentes".

A guerra em Luanda iniciou-se a 21 de Março; apesar disso, o cônsul dos EUA sustentava que "não havia o risco iminente de uma guerra civil". Depois do golpe de 11 de Março em Portugal, Neto enviou a Lisboa Iko Carreira, o seu comandante militar, em busca de "formas concretas de auxílio", tendo sido acordado o envio a Angola de "civis ligados aos radicais do Movimento das Forças Armadas para falarem com a liderança do MPLA". A 30 de Abril foram presas no aeroporto de Luanda nove pessoas com passaportes portugueses novos: "dois russos, dois jugoslavos, dois búlgaros, um brasileiro e outros dois de nacionalidade não identificada".

Segundo o consulado dos EUA, teriam sido "enviados pelo PCP para ajudar o MPLA". Este foi o primeiro grupo de estrangeiros identificados. Seguiram-se mais dois, um dos quais formado por "portugueses, brancos, membros do PCP, enviados ao grupo de Neto".

A partir de Lisboa, Melo Antunes e Almeida Santos empenharam-se "em enfraquecer as ligações do MPLA à União Soviética através da abertura, ou reforço, de outros canais de apoio como a Zâmbia, a Jugoslávia, a Roménia e a Argélia".

Outro elemento – bem menos conhecido –, foi a entrega de armamento à UNITA, concretizada parcialmente pelo general Silva Cardoso, com a concordância de Melo Antunes e do presidente Costa Gomes. Num almoço com o embaixador americano em Lisboa, Frank Carlucci, Almeida Santos disse que o MPLA era "um perdedor" e que Savimbi era "o líder angolano mais inteligente e que provavelmente chegaria ao topo".

Melo Antunes pensaria o mesmo. Ao seu homólogo francês afirmou que o Governo de Lisboa "tinha cometido um grande erro ao apoiar o MPLA e que ia tentar reverter essa tendência se não fosse muito tarde", acrescentando que "Savimbi era o líder nacionalista que valia a pena apoiar".

Cubanos entram em acção

Inserido num projecto de pós-doutoramento no Instituto Português de Relações Internacionais, o livro – editado pela portuguesa "Dom Quixote" – mostra como a descolonização de Angola foi "um produto da Guerra Fria". A "Operação IAfeature", nome de código do programa para Angola, representava, segundo o "New York Times", "a maior operação secreta norte-americana com a excepção do caso do Vietname".

Constituiu em três medidas associadas: apoio económico à FNLA e UNITA (numa verba que poderá ter atingido 81 milhões de dólares); fornecimento de equipamento militar; e recrutamento de mercenários para conselheiros daqueles movimentos. Dirigida pela CIA, a supervisão foi entregue a John Stockwell, e os mercenários foram recrutados em Portugal, Brasil, França e especialmente Reino Unido.

Os primeiros foram portugueses, "300 elementos por um valor total de 570 mil dólares", que entraram pelo Zaire, em Agosto, em reforço do grupo de mercenários "liderado pelo coronel Santos e Castro já anteriormente recrutado pela FNLA". Dos brasileiros tratou Werner Walters, enquanto da França o famoso Bob Denard forneceu 20 mercenários para apoio à UNITA.

A intervenção cubana [às claras] iniciou-se na segunda metade de Julho de 1975. Chamada "Operação Carlota" e da iniciativa de Fidel Castro, viria a contar com o apoio soviético. Na ponte-aérea entre Havana e Angola, vários aparelhos cubanos e soviéticos foram abastecidos nos Açores, no aeroporto de Santa Maria. O livro regista as datas dos voos e o número de passageiros transportados. A decisão cubana provocou em Kissinger "uma surpresa total", como o próprio admitiu nas suas memórias.

À acção montada pela África do Sul foi dado o nome de "Operação Savannah". Destinada a apoiar uma frente entre a FNLA e a UNITA, participaram no respectivo comando operacional quadros da extinta PIDE/DGS. Tiago Moreira de Sá sublinha que o envolvimento de Pretória afastou a China e a maioria dos países africanos da UNITA e da FNLA e acabou por legitimar a intervenção soviética e cubana.

Frente anti-FNLA

Uma das revelações mais interessantes do livro respeita ao encontro secreto, em 29 de Agosto, entre o MPLA e a UNITA, em Lisboa, visando a criação de uma frente anti-FNLA. Participaram nas negociações, Lopo do Nascimento e Carlos Rocha pelo MPLA, e José N"Dele e Fernando Wilson pela UNITA, e decorreram "no Palácio de Belém com a mediação de Costa Gomes e o apoio do Executivo português".

A fonte é a embaixada em Lisboa. Os EUA tudo fizeram junto de Savimbi para pôr cobro a este acordo. Como escreveu Stockwell, os EUA não queriam aliados "moles" na guerra contra a URSS e o MPLA.

O historiador teve ainda acesso aos diálogos sobre Angola entre Ford e Kissinger por um lado, e Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping por outro, em Dezembro de 1975. Para Pequim, "vale a pena gastar dinheiro neste problema. Porque é uma questão de importância estratégica-chave".

O livro trata com algum pormenor da batalha de Quifandongo, na véspera do dia 11 de Novembro, a 20 quilómetros de Luanda. Espelho da Guerra Fria, de um lado estavam a FNLA, comandos do Zaire, mercenários portugueses, conselheiros da África do Sul e da CIA, do outro forças do MPLA, com apoio cubano e armamento soviético.

Vinda do Sul, a coluna Zulu, composta por tropas da UNITA e da África do Sul, foi impedida de prosseguir a 200 quilómetros da capital pela destruição de uma ponte sobre o rio Queve. A 11 de Novembro, dia da independência, era o MPLA quem controlava Luanda – e, "em África, quem controla a capital detém o poder".

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Angola: EUA e URSS tiveram papel decisivo na descolonização, sendo Portugal menos relevante no processo

10:23 Domingo, 1 de maio de 2011

Lisboa, 01 mai (Lusa) -- O resultado da descolonização de Angola surgiu do confronto entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, tendo Portugal um papel menos decisivo no final do processo, segundo o livro "Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola".
A obra de Tiago Moreira de Sá, doutor em História Moderna e Contemporânea, será lançada a 03 de maio, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, contando com a apresentação do embaixador António Monteiro.
"Para analisar o papel dos Estados Unidos (EUA), é preciso analisar também, em comparação, o papel da União Soviética (URSS). As duas (potências) somadas tiveram um papel determinante em Angola, por isso a minha primeira conclusão é que o resultado da descolonização de Angola foi o que as potências quiseram que fosse", disse à Lusa Tiago Moreira de Sá.

Comentários
Finalmente
moncarapacho 10:38, 1 de maio de 2011
Espero que este estudo revele com clareza, o que muita gente sempre soube.
Os saudosistas que tantas calúnias lançaram sobre algumas personalidades, nunca se aperceberam que outros valores mais altos se levantavam. Desde a eleição do Kennedy que a política USA era correr connosco de Angola quanto mais depressa melhor. Quanto à URSS foi sempre foi a sua política, misto de ideologia e interesse nas riquezas locais, promover a independência desses territórios, tendo começado a doutrinação de autóctones muitos anos antes.
Nós éramos uns pigmeus nessa luta de gigantes e nada podíamos alterar. O destina estava traçado...

Explicar o inexplicável!
Runaldinho 14:32, 1 de maio de 2011
Tentar escamotear os factos históricos, sempre foi coisa q interessou a muita gente, ansiosa por "mostrar os dois lados da verdade", cuja mentira reside em nunca haver culpados de nada. É uma espécie de sina Lusa. Fazem-se asneiras grosseiras, cometem-se actos de pura irresponsabilidade, mente-se e manipula-se, sempre na boa fé de estarmos no caminho certo.
Isto de desculpabilizar os nossos "coveiros", só mesmo para idiota entender, pois ninguém com juízo perfeito acreditará q nós não fomos verdadeiramente irresponsáveis em todo aquele Processo de Descolonização.
Nenhum ser racional poderá desmentir q os duas grandes potencias emergentes da 2.ª Grande Guerra, determinavam per si, por via da economia ou ideologia, muito dos comportamentos sociais e políticos dos povos Africanos e Ibero americanos. Também séculos anteriores isso acontecera com Coroa Britânica e Espanhola, muito mais até do q com a Portuguesa, apesar do nosso orgulho bacoco.
Agora, Portugal foi um país q sempre aguentou habilmente os seus interesses estratégicos na 2.º Guerra e na Guerra Colonial. Estivemos em 3 frentes e já havia URSS / EUA até na sua pior fase imperial (Vietname, Cuba, Chile, Etiópia entre outros).
Defender-mos o fim da Guerra no antigo ultramar, onde milhares de vidas foram ceifadas de ambos os lados, desejar-mos a emancipação dos povos coloniais e a sua independência em especial económica, nada tem a ver com a grotesca descolonização efectuada pelos governantes Portugueses nos anos 75 e 76

Runaldinho 14:37, 1 de maio de 2011
...Esta nossa propensão para o idiotice, matar-nos-à como povo, caso não saibamos distinguir o trigo do joio.
Valha-nos ao menos a Diáspora, para nos irmos libertando da lei da incompetência!

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