sábado, 20 de outubro de 2012

O ESTADO E A INFORMALIDADE: MAPUTO E A TRAGÉDIA DOS COMUNS (PT.1)

 

by N Henriques Viola on Thursday, 26 July 2012 at 19:02 ·
Resposta ao Professor António Francisco

Na gestão dos recursos públicos, os políticos e governantes podem tomar decisões acertadas em questões de menor dimensão e baixa complexidade (O´Toole 2007). E quando o volume e a complexidade das questões sobre as quais decidir aumentam? Esta é a pergunta que surge ao olharmos para as tentativas, sem sucessos, do município de Maputo, capital de Moçambique, em impedir os informais de comercializarem os seus produtos nos espaços públicos, não autorizados, mas consentidos e até promovidos pelo próprio estado, nomeadamente, passeios, estradas, entre outros. Este texto surge em resposta ao interessante artigo do Professor António Francisco, intitulado “O Estado e a Informalidade: Como evitar a Tragédia dos Comuns em Maputo” (Francisco, 2012). O artigo do Professor Francisco ganha mais importância na medida em que faz um enquadramento teórico que ajuda a explicar não só o fenómeno da informalidade, mas também a questão da gestão dos recursos/espaços de acesso livre (ditos recursos públicos), recorrendo aos direitos de propriedade.

O presente texto assenta-se em 2 argumentos principais: a) No uso dos recursos/espaços de acesso livre públicos, a tragédia dos comuns já é uma realidade, pelo que a questão a colocar já não deve ser “como evitar” mas sim como sair da tragédia dos comuns na cidade de Maputo; b) O estado não tem, nem poderia ter, capacidade de planificar, alocar e gerir os espaços/recursos de acesso livre, de acordo com os interesses da sociedade, e de cada indivíduo que compõe a sociedade, numa economia de mercado, reconhecida pela Constituição da República (Assembleia da República de Moçambique, 2004).

Informalidade vs. pobreza
Se a informalidade por um lado tem servido como alternativa à armadilha da pobreza (Mosca, 2009), ela tem acarretado consigo uma série de nuances que a torna, simultaneamente, uma solução e um problema social e económico por resolver, acabando por colocar à prova a capacidade da sociedade e do estado de lidar com este fenómeno. As recentes tensões entre a edilidade de Maputo e os informais é apenas uma das faces visíveis deste iceberg, cujas dimensões ultrapassam a capacidade instalada de medição dos fenómenos sociais e económicos. Sendo assim, a grande maioria da informalidade permanece longe dos registros estatísticos nacionais (Francisco e Paulo, 2006).
Num país onde a maioria da população permanece pobre (INE, 2010), onde a economia e o mercado de emprego formais cobrem menos de 10% da população económicamente activa (INE, 2006), onde os incentivos à formalização da economia são quase incipientes, a população acaba encontrando na economia informal (visível e invisível) a alternativa para fugir da armadilha da pobreza. Ou seja a informalidade é, em grande medida, a consequência de um sistema social e económico que exclui grande parte da mão de obra activa em Moçambique (Francisco e Paulo, 2006, Mosca, 2009, Langa 2012).

A Tragédia dos comuns já é realidade
Em Maputo, o problema já não está em “como evitar” mas sim em como remediar ou sair da tragédia dos comuns, pois esta já é uma realidade. Os próprios vendedores informais chegam a não ter espaço para expor os seus produtos nas ruas. Basta notar que os automobilistas habituados a estacionar nos passeios já não conseguem espaço para as suas viaturas, ou porque todos ocupados ou porque degradados. Estes automobilistas são ao mesmo tempo usuários e vítimas dos passeios degradados pelas suas próprias viaturas. Em continuidade, os vendedores informais são, simultaneamente beneficiários e vítimas dos passeios, sujos pelo lixo advindo da sua própria actividade comercial. Portanto, é a verdadeira tragédia dos comuns retratada por Garrett Hardin (1968).


Estado e a informalidade: O que é?
Compreender o papel do estado no tratamento do fenómeno da informalidade é fundamental para melhor enquadramento e abordagem no sentido de solução, ou pelo menos, de redução do caos em que se encontra mergulhado. Sob o ponto de vista analítico, a abordagem desta questão pode sugerir duas perspectivas: a primeira idealista, no sentido de qual deveria ser o papel ideal do estado nesta questão; a segunda centralmente realista, procurando perceber, longe dos discursos e diplomas legais, como o estado tem lidado, de facto, com o fenómeno da informalidade em Maputo. Estas abordagens permitem-nos estabelecer uma destrinça entre “o que é” e “o que deveria ser”. É claro que nenhuma delas oferece respostas acabadas na perspectiva de solução, daí a pertinência do uso de ambas em conjugação.

A recente tensão e seus antecedentes, entre o município de Maputo (liderado por David Simango) e os comerciantes informais é paradigmático sobre como o estado tem lidado, de facto, com o fenómeno da informalidade, ou seja, de forma paradoxal, titubeante e no mínimo confrangedora para quem pretende entender o modus operandi da edilidade. Paradoxal e titubeante porque ora a edilidade atribui licenças aos comerciantes informais, ora retira-lhes os seus produtos alegando violação da postura camarária; a dada altura a edilidade cobra taxas diárias ou mensais aos comerciantes informais e de repente dá-lhes um ultimato para abandonarem as ruas. Antes que o ultimato termine, eis que o edil de Maputo volta e diz: “Podem vender à vontade, mas deixem as ruas limpas…” (Langa, 2012). Desta maneira, o Conselho Municipal de Maputo, revela falta de ideias de como ajudar a cidade a crescer de forma ordenada. E mais grave ainda é que demonstra uma fraca análise do fenómeno da informalidade e todos os factores envolvidos, designadamente da pobreza e exclusão que a informalidade camufla. É confrangedora na medida em que encontrar o fio condutor e a matriz que guia a edilidade na gestão dos espaços públicos torna-se um exercício, no mínimo, penoso, a não ser que se recorra a teorias dos jogos dos interesses meramente políticos do que propriamente desenvolvimentistas.

E deste modo, segurança jurídica, fundamental para qualquer investimento, fica hipotecada… e claro, o desenvolvimento também!

Continua...

Publicado originalmente em http://www.ordemlivre.org/2012/07/o-estado-e-a-informalidade-maputo-e-a-tragedia-dos-comuns-pt-1/ e republicado no jornal O Pais, dia 25 de Julho de 2012, Pagina 15

Nota: O autor agradece à Ana D. Jacob pelo apoio na crítica e melhoria deste texto e ao Professor António Francisco pela sua sugestão em aprofundar neste texto o assunto por ele levantado no seu artigo.


Referências
Assembleia da República de Moçambique. Constituição da República de Moçambique. 2004
Francisco, A. E Paulo, M. Impacto da Economia Informal na Protecção Social, Pobreza e Exclusão: A Dimensão Oculta da Informalidade em Moçambique. Centro de Estudos Africanos. 2006
Francisco, A. O Estado e a Informalidade: Como “Evitar a Tragédia” dos Comuns em Maputo. IESE. IDEIAS 41. 2012
Hardin, G. The tragedy of The Commons. Revista Science. 1968
International Property Rights Index 2012. Property Rights Alliance. Washington DC. 2012
Instituto Nacional de Estatísticas. Inquérito sobre o Orçamento familiar. 2010

Instituto Nacional de Estatísticas. Resultados do Primeiro Inquérito Nacional ao Sector Informal. 2006
Langa, Jeremias. Porquê Simango Perdeu a Guerra com os Informais? O país Online, disponível em http://www.opais.co.mz/index.php/component/myblog/Por-que-Simango-perdeu-a-guerra-com-os-informais-.html, consultado em 06 de Julho de 2012.
Mosca, João (2009): POBREZA, ECONOMIA “INFORMAL”, INFORMALIDADES E DESENVOLVIMENTO. Paper apresentado na 2ª Conferência do IESE. 2009.
O´Toole, Randal. “The Best-Laid Plans: How Government Planning Harms Your Quality of Life, Yourr Pocketbook, and Future”. CATO INSTITUTE. 2007

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