quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Julien Assange: Um homem que acredita ter uma missão

 

Por Fátima Moura da Silva

Vilão ou herói? Um dos homens mais acossados dos últimos tempos, Julian Assange, foi um hacker rebelde e obcecado em descobrir segredos e a verdade, escondia as disquetes dentro de uma colmeia, e acreditava ter uma missão. Ainda acredita. «Esta é a história de uma pessoa que chegou a tempo de concretizar determinado trabalho. Esse trabalho fez a sua diferença no mundo», afirma na sua autobiografia não autorizada.

A história - trazida para Portugal pela Editora Objectiva - foi contada pelo fundador da Wikileaks durante 50 horas de entrevistas gravadas mediante um contrato com a Canongate Books, em Dezembro de 2010, quando vivia em regime de detenção domiciliária, em Norfolk.
Mais tarde, quando viu a primeira versão do livro, disse que «todas as memórias são prostituição» e informou que queria rescindir o contrato, em Junho de 2011.
A editora discordou e considerou que o livro – que Assange terá considerado bem escrito – «explica quer o homem, quer a obra , sublinhando o seu compromisso com a verdade», decidindo, portanto, publicá-lo. Além de que o adiantamento recebido já fora entregue por Assange aos seus advogados para liquidar custas judiciais.
Ao longo de todas daquelas horas, o homem cuja extradição é hoje exigida pelos EUA e pela Suécia expôs a sua verdade, contou a sua história de vida , defendeu a transparência total da coisa pública e promoveu a liberdade social.
«Aquilo a que me opus, e continuo a opor-me, é o uso do sigilo pelas instituições como meio de se protegerem contra a verdade do mal que praticaram», explicou em «Julien Assange, A Autobiografia Não Autorizada», em parte memórias, em parte manifesto .
Apaixonado e provocador, Assange conta uma infância invulgar vivida com uma família pouco ortodoxa e muito empenhada no activismo político, com quem cedo aprendeu a contestar o poder. Só que de maneira diferente, com a revolução dos bits, quando mergulhou na adrenalina dos hackers e passou a vasculhar os computadores dos governos, do Pentágono, dos bancos e das grandes multinacionais.
«Já não nos interessava a psicoconversa fiada dos anos 60 acerca da liberdade (...) e tudo o que queríamos não era protestar contra o poder abusivo, mas derrubá-lo. Se tínhamos alguma coisa de subversivo , então era aquele tipo de subversão que funciona a partir do interior», conta, referindo-se à geração dos cyberpunks e considerando que «a tecnologia informática pode ser uma importante ferramenta no combate pela mudança social».
Para Assange, que mais tarde fundou o portal Wikileaks e começou a divulgar milhares de documentos secretos, a «criptografia era um conceito libertador que iria permitir que os indivíduos fizessem frente aos governos, a governos inteiros, e que era possível a uma pessoa resistir à vontade de uma superpotência».
«Os governos ficaram assustados, muito mais assustados, convém lembrá-lo, do que com pessoas a manifestar-se nas ruas, ou a atirarem cocktails molotov por cima das barricadas», diz. «A Internet proporcionaria um modelo de insurreição que baralhava a autoridade corrupta com a ciência pura», considera.
«A privacidade era apenas uma questão de vantagem para as empresas , os bancos e os governos, mas nós vislumbrámos uma nova linha de fronteira em que o poder das pessoas podia ser reforçado com informação», explica Assange, para quem a revelação não é um mero acto, é um modo de vida. «No meu entender, acarreta sensibilidade e bom senso: nós somos aquilo que sabemos e nenhum Estado tem o direito de nos tornar menos do que somos», defende.
E «quer se trate do governo do Quénia ou do Banco Julius Baer, elas (instituições) trabalham para si próprias e criam uma rede inteligente de pessoas que obtêm vantagens à sua custa e as promovem, enquanto o cidadão comum é empurrado para uma posição de desvantagem», afirma.
A Wikileaks foi fundada a 4 de Outubro de 2006 «partindo do princípio de que a própria presença de fontes seria infinitivamente desmentível». «Um dia, imaginei eu, esta tecnologia permitiria que as pessoas pudessem falar, mesmo que se forças poderosas ameaçassem punir todos os oradores», conta.
Foi o seu caso. Os EUA querem julgá-lo pela publicação no WikiLeaks de milhares de documentos diplomáticos que expuseram as manobras do governo norte-americano em todo mundo e a Suécia quer julgá-lo sob a acusação de violação e agressão sexual. Tinha razão, na altura, quando calculou que a sua «vida normal, se é que alguma vez a tivera, nunca mais seria a mesma».
«Podemos limitar-nos a viver as nossas vidas de forma complacente, preocupando-nos com a nossa hipoteca, ou ponderando se somos suficientemente famosos, ou suficientemente ricos, ou suficientemente amados; ou então podemos inspeccionar os ossos do nosso mundo, averiguando se são bons e genuínos», desafia Julien Assange.

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