segunda-feira, 15 de outubro de 2012

MOÇAMBIQUE 1974: O FIM DO IMPÉRIO E O NASCIMENTO DA NAÇÃO


A «Frente interna»

Com a morte anunciada do sistema colonial, na chamada Frente interna, Jardim não é o único a movimentar-se. Existiram outras forças que tentaram a sua oportunidade. Entre elas está a superactiva
Dr.a Joana Simeão. A moçambicana era visita frequente da missão diplomática dos EUA em Moçambique. A 24-10-1973, o cônsul norte-americano MacDougall recebe-a em sua casa para uma conversa que durou mais de duas horas.
 
Joana deu-lhe conta da formação do GUMO, dos contactos de Máximo Dias em Lisboa, que assumia a presidência do grupo. Critica alguns dos candidatos locais à Assembleia Nacional, ao mesmo tempo que elogia outros que forçosamente tinham simpatias para com o GUMO. E é impiedosa no que se refere ao Dr. Miguel Artur Murupa, negando qualquer ligação ao advogado Domingos Arouca, porque «não queria ser manchada de acusações de ligação aos comunistas ou à oposição portuguesa».
 
Através de uma filha do industrial português António Champalimaud tinha obtido o seu apoio, e afirma que nessa semana se iria encontrar com Jorge Jardim. Mas coloca sérias dúvidas acerca do apoio do engenheiro, pois ele estaria mais interessado numa solução do tipo rodesiana e que Jardim
«precisava mais de nós do que nós dele».

O encarregado da missão diplomática em Lourenço Marques, Van Oss Hendrick, duvida da genuinidade da Dr.a Simeão. Entende que o GUMO deve ter «cobertura portuguesa, talvez até mesmo mais do que Simeão pensa» e recomenda a Washington que espere, não só para avaliar a capacidade de sobrevivência do grupo, mas sobretudo pela «prova do apoio português».
 
Mais uma vez constatam que a política era alguém a observar, porque se tratava da «única mulher universitária negra, educada, politicamente consciente». Além de que era dinâmica e agressiva, e disso ninguém duvidava. Um dia, nosinícios dos anos sessenta, na cidade de Argel, o Dr. Pascoal Mocumbi, então representante da FRELIMO naquele país, promoveu umencontro na sua residência para tentar sanar as divergências entre Joana e o seu marido.
 
Para surpresa de todos, esta tinha aquecido azeite, atirando-o sobre o cônjuge, provocando-lhe sérias queimaduras. Acto que lhe conferiu fama e inspirou terror. Se se comportava assim numa tentativa de apaziguamento, ainda por cima em casa de terceiros, qual seria o tratamento para com os seus inimigos? Numa carta «muito secreta» descreve o encontro havido com Jorge Jardim a 22 de Outubro de 1973 para uma «revisão total do panorama de Moçambique». Jardim esconde-lhe as suas negociações de Lusaka e recusa a sua participação no GUMO por ser «prejudicial», ficando a dúvida se o prejuízo era para ele ou para o grupo. Fica, no entanto, acordado que poderiam ser estabelecidas
áreas futuras de colaboração.

A PIDE sabe do encontro havido entre Joana Simeão e Jardim e também do convite para este integrar o projecto do GUMO. «O Eng.° Jorge Jardim teria pedido 3 dias para reflectir e a 25 do mesmo mês partiu da Beira para Inhambane para conferenciar com o Dr. Domingos Arouca». A 3-7-1973, o Dr. Domingos Arouca, o primeiro advogado negro moçambicano, regressa ao seu país, depois ter cumprido oito anos de cadeia nas prisões da P1DE em Portugal. O seu cri-me? As suas relações com a FRELIMO.
 
Foi preso a 29 de Maio de 1965, um dia depois das cerimónias comemorativas do 28 de Maio, data emblemática do início do Estado Novo. Arouca havia sido intimado a comparecer, como forma de rendição, a essas celebrações. Meses antes haviam sido presos o pintor Malangatana Valente, os escritores José Craveirinha, Rui Nogar e Luís Bernardo Honwana, Albino Magaia, entre outros, todos pertencentes ao grupo da FRELIMO na região Sul, comandado por Matias Mboa.
 
Domingos Arouca era um símbolo do nacionalismo moçam-bicano oprimido e uma pedra no sapato no regime colonial. A sua libertação era permanentemente exigida em vários fóruns e por vários movimentos de opinião cívica. A Amnistia Internacional, em 1972, considera-o «o preso político do ano». Com o intuito manifesto de servir de exemplo foi obrigado a cumprir parte da sua pena de prisão em Portugal, apesar dos seus protestos para permanecer em Moçambique. Durante o seu tempo de prisão no forte de Caxias eram muitos osmoçambicanos que o visitavam.
 
Quase todos simpatizantes da FRELIMO. Consta que militantes do Partido Comunista Português, tam-bém detidos nessa cadeia, acusavam Arouca de «comprometido ou colaboracionista». De facto, o advogado esteve sempre muito afastado do ideário marxista, além de que era um preso em terri-tório estrangeiro. Essas acusações sectárias são ouvidas e, face aos tempos que se viviam, não auguravam nada de bom.
 
Arouca é um caso paradigmático de como umcidadão negro poderia concluir a formação universitária. Enfermeiro no Hospital de Mambone, sempre quis seguir os seus estudos. Fez diligências várias. Valeu-lhe a sorte de ter ganho a lotaria da Federação das Rodésias e o empenho do seu pai num negócio de destilarias. Com esse dinheiro seguiu para Portugal onde completa os estudos secundários e posteriormente o curso de Direito em 1960.
 
O regresso de Arouca à sua pátria não significou a sua liber-dade. O sistema legal da ditadura permitia que os presos políti-cos, mesmo depois de cumprida a pena, continuassem detidos, por critérios de mera subjectividade da segurança da nação, ou então ficavam sujeitos a termo de identidade e residência fixa. Foi isso que sucedeu ao advogado: mandaram-no para Inhambane, sujeito a uma vigilância apertada. Domingos Arouca, era um ícone na luta de libertação de Moçambique, pois não só pagou anos da sua vida na prisão, como era licenciado, intelectual com obra publicada.
 
Nos planos independentistas deJorge Jardim importava en-contrar um moçambicano negro derenome para lhe dar credibi-lidade. A entrada em cena do Dr. Domingos Arouca era um dado novo, que importava investigar. Em Novembro de 1973, Jardim, acompanhado do Dr. Pinto Fernandes, comissário nacional da Mocidade Portuguesa e por «mera conveniência» cunhado do Dr. Arouca, visita o advogado nasua casa em Inhambane, depois de muitos telefonemas.
 
Queria sondar os planos políticos do advogado e tentar, através dele, uma aproximação à FRELIMO, convencendo-o a participar nos seus planos. Nada de concreto foi estabelecido. Escreve o engenheiro: «Parecia-me que Domin-gos Arouca poderia oferecer, no futuro próximo, um exemplo de reconciliação e personificar uma corrente de esperança.»
 
Mas o Dr. Domingos Arouca estavasaturado da prisão a que esteve sujeito. A PIDE fazia-lhe uma apertada vigilância, até porque não foi do seu agrado o regresso do advogado a Moçambique. Era mais um problema, a juntar aos muitos com que ingloriamente se debatia. Num relatório pode ler-se: «na composição deste puzzle aparece agora a figura do Dr. Domin-gos Arouca, como possível candidato a qualquer destaque no Moçambique, Terra Queimada, p. 147.335
 
A PIDE escuta os seus telefonemas, regista as conversas com o Eng.° Jardim e anota, com estranheza, o convite para que visitasse o Malawi. Convite não concretizado devido às graves convulsões sociais na Beira, resultantes do ataque dos colonos ao exército, em Janeiro de 1974, como iremos analisar. O Dr. Domingos Arouca sempre negou qualquer compromisso com Jorge Jardim, ou com o GUMO. Nem sequer conheceu, nesse período, a Dra Joana Simeão. Ele sentia-se como sendo da FRELIMO. No entanto, a Frente que ele havia conhecido em 1963, na Suazilândia, havia mudado muito em termos ideológicos.
 
O homem forte do Eng.° Jardim sempre foi o Dr. Miguel Artur Murupa. Antigo adjunto do Departamento das Relações Internacionais da FRELIMO será, com Lázaro Kavandame, um dos elementos hierarquicamente mais importantes da Frente de Libertação que se entregaram às forças coloniais. O Dr. Murupa estudou nos Estados Unidos, para onde fora enviado pelo primeiro  presidente da FRELIMO.
 
Mantinha correspondência regular com o Dr. Mondlane, e uma grande admiração por ele. Numa carta de 13-9-1965, escreveu ao Dr. Mondlane: «Mesmo admitindo os erros e as fraquezas inerentes a toda a obra humana, a FRELIMO fez, durante os poucos anos da sua existência, uma obra gigantesca em prol da nossa Revolução [...] Cada vida que se perde em campo de batalha, cada gota de sangue.
 
Miguel Murupa nasceu em Pebane a 8-1-1939. Fez os seus estudos primários nessa localidade e continua os seus estudos naMissão católica de Pilima. De 1952 a 1959 frequentará o Seminário do Zobué, a cargo dos Padres Brancos. Deixa os estudos e vai trabalhar até 1962 como revisor do Diário de Moçambique e, em Fevereiro desse ano, ruma para o então Tanganica, para se juntar à FRELIMO.
 
Iniciou os seus estudos na Lincoln University, na Pensilvânia, e depois na Howard University, em Washington. Foi bolseiro do Special African Students Program. Carta depositada nos Arquivos da FRELIMO, do A.H.M. MOÇAMBIQUE 1974: O FIM DO IMPÉRIO E O NASCIMENTO DA NAÇÃO que se derrama, cada lágrima que se verte, cada sacrifício do nosso povo é como um impávido e soberano magistrado sentado ex--cathedra a julgar-nos: «tu és traidor da Revolução; tu és herói da Revolução». Acaba com uma frase distinta para o seu percurso: «para todo o homem o único caminho digno é definir uma posição e segui-la, venham que vierem as consequências».
 
Regressado à Tanzânia em 1968, é integrado como professor no Instituto Moçambicano. Estava consciente de que regressaria aos Estados Unidos para continuar osseus estudos. Nesse ano é nomeado para integrar a equipa dos trabalhos preparatórios do 2.° Congresso. E eleito membro do Comité Central. Nomeado secretário-adjunto do Departamento das Relações Exteriores e, nessa qualidade, visita os EUA, Canadá, Inglaterra, Holanda, Noruega, Suíça, Jugoslávia, Argélia, Egipto e Sudão. Uma agenda carregada de viagens.
 
Com a crise da FRELIMO de 1969, demite-se em Maio de 1970. Será detido pela polícia tanzaniana e depois entregue à FRELIMO, onde permanece na base de Naschingwea. Numa história de con-tornos cinzentos foi integrado numa coluna de guerrilheiros em marcha para o interior do país. Desertou, na zona do Sagal, em Cabo Delgado, entregando-se ao exército português a 7-12-1970. O comunicado n.° 21/70, do Comando-Chefe, relata: «Em Cabo Delgado apresentou-se às nossas tropas Miguel Artur Murupa, ex-dirigente da FRELIMO.» Lacónico e parco em palavras.
 
As razões públicas da deserção de Miguel Murupa foram por si apresentadas ao público, numa concorrida conferência de imprensa, em Nampula, invocando que as independências em África se mostraram prematuras. No caso de uma vitória da FRELIMO, haveria a substituição do Governo português por uma força imperialista, de natureza comunista. Invoca também. A conferência teve lugar no Prédio Morgados, a 7-12-1970.
 
Era católico apostólico romano, não se inte-grando na atitude ateísta da FRELIMO. Respondendo a uma pergunta de um jornalista, o Dr. Murupa foi visionário. Afirmou: «Pessoalmente creio que a guerra está no fim. Mas a guerra que virá depois é bem pior do que esta.» Acertou. Estávamos em Dezembro de 1971. Defacto, a guerra iniciada por alguns camaradas de Murupa, com o apoio expresso do regime de Smith e da Africa do Sul do apartheid, poucos anos depois da independência de Moçambique, será bem mais devastadora no que se refere a vítimas humanas e à destruição de infra-estruturas do que toda a luta de libertação contrao colonialismo, deixando marcas profundas no país.
 
Murupa troca, num golpe de asa, Dar-es-Salam pela Beira, onde passou a viver, tendo casado em 1972 numa mediatizada cerimónia social, registada de modo pouco habitual pelos órgãos de informação locais. Passado o tempo de «quarentena» que os desertores da FRELIMO eram obrigados a passar, porque, como explicava Marcelo Caetano «esses elementos [...] não podiam ser logo valorizados de modo a dar a aparência de que o ter militado nas fileiras inimigas constituía razão de preferência em relação aos constantemente fiéis», o Dr. Murupa foi designado, em finais de 1972, director da Voz Africana, semanário do grupo editorial do Notícias da Beira.
 
A partir de 8-8-1972, semanalmente, o Dr. Miguel Artur Murupa começa a escrever artigos de opinião virulentos contra os seus antigos companheiros, exorcizando o comunismo o espectro da sua aplicação em Moçambique.. A esposa era natural da Beira, residente nazona das Bananeiras no Bairro da Munhava. A madrinha de casamento foi Teresa Jardim, esposa do Eng.° Jorge Jardim. Não havia na época publicações que se dedicassem à divulgação da socialite, hoje frequentes em Maputo. A mediatização do casamento foi criticada por Baltazar Rebelo de Sousa: «Não me pareceu aceitável o casamento do Dr. Murupa com a repercussão pública e apadrinhamento ilustre», carta ao governo-geral, in  Marcelo Rebelo de Sousa, Baltazar Rebelo de Sousa — Fotobiografia, Bertrand Editora, p. 453.
 
A fraca audiência da Voz Africana em nada ajudou a voz de protesto. E muito escreveu. Editou em português um livro, Revolta e Desilusão, distribuído gratuitamente, às centenas de exemplares, pelos serviços de propaganda do regime colonial. Depois publica outra obra, desta vez editada em inglês. E uma compilação de várias entrevistas a jornalistas não identificados. Nas suas respostas o Dr. Murupa defende a concepção integra-cionista plena do Ultramar português. «Ser português tem apenas e tão-só a ver com a cidadania e nacionalidade, não com a cor da pele» e recusa mesmo que exista colonialismo em Moçambique. Terá ido longe demais. Perdeu a pouca credibilidade política que ainda congregava após a sua deserção da FRELIMO. As palavras escritas com sinceridade ao Dr, Mondlane pesavam contra si.

1 comentário:

Anónimo disse...

It's sort of strange, but Erotic Massage brings it all together. In addition the my items, I also want to use a water resistant lining, perfect for the traffic along the I-5 heading up to Solana Beach. Armonizaci n energ tica, si bien puede tambi?

My web site ... London Tantra