
A cidade da Beira, a segunda maior de Moçambique, enfrenta uma crise de abastecimento de água, que se arrasta há vários anos, deixando milhares de famílias sem acesso ao recurso mais básico. Bairros inteiros, incluindo zonas consideradas nobres, como Macúti, Estoril, Palmeiras, Ponta Gêa e Matacuane, vivem sem água potável e os moradores acusam a Águas da Região Centro de incumprimento do contrato e falta de respostas concretas.
“Há mais de cinco anos que não temos água potável. Vivemos uma situação insustentável”, denuncia Samudini Jamal (nome fictício), residente no bairro do Estoril. “Pago cerca de 20.000,00 Meticais por mês para comprar água em camiões. Um metro cúbico custa 1.000,00 Meticais. É impossível viver assim”, disse.
O problema, dizem os moradores, atinge tanto as zonas mais desenvolvidas como os bairros densamente povoados e vulneráveis, onde a situação é descrita como “caótica”. Além de Macúti e Estoril, também Xota, Macurungo e parte de Matacuane sofrem com a falta total de abastecimento. “Há casas com furos, mas a água é salubre. Quem usa essa água para beber, cozinhar ou lavar corre riscos de saúde”, afirma Jamal.
De acordo com os relatos locais, alguns residentes recorrem a métodos clandestinos para obter água, cortando tubagens da rede principal da Águas da Região Centro. “A empresa diz que há perdas de água, mas as pessoas estão desesperadas. Vão tirar água nos tubos deixados ao abandono”, acrescenta.
Nos bairros periféricos, a realidade é ainda mais dramática. Inês, moradora, há vários anos, da cidade da Beira, conta que já não recebe água canalizada há mais de três anos. “No início ainda saía água, mas de repente parou de vez. Entretanto, a Águas da Região Centro continuou a trazer facturas, entre 300 e 400 meticais, mesmo sem uma gota nas torneiras”, relata.
A fonte sublinha que, quando os moradores deixaram de pagar, as cobranças cessaram, mas o problema manteve-se. Sem alternativas, as famílias cavam poços e procuram antigos tubos subterrâneos para recolher o pouco que resta. “Temos de cavar, procurar tubo até em baixo. Quando há alguma casa com água, pagamos 3 a 5 meticais por cada 20 litros”, explica Inês.
A água, assegura, é “turva e suja”, mas é a única disponível. “Tiramos água até das valas de drenagem. É imprópria, mas não temos escolha”, diz. “Estamos a viver muito mal. A água é suja e os centros onde há um pouco de água ficam muito longe. Andamos quilómetros com bidões na cabeça”, desabafa.
Promessas adiadas e obras paradas
Em 2023, a Águas da Região Centro anunciou um projecto de construção de reservatórios em Estoril, destinado a abastecer cinco bairros da autarquia. O prazo de conclusão era o mês de Setembro de 2024, mas, um ano depois, as obras permanecem inacabadas. “As tubagens e os tanques parecem prontos, mas o sistema não funciona. Passou um ano além do prazo e ninguém nos explica o porquê”, critica o morador.
A centralização recente do Fundo de Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG), que deixou de operar através das antigas administrações regionais, poderá ter atrasado o processo, mas a empresa não apresentou esclarecimentos públicos sobre o estado do projecto.
O problema está também a comprometer o sector económico da cidade. Por exemplo, o Hotel Sena, em Macúti, e um hospital privado, em Estoril, são alguns dos estabelecimentos afectados. “Essas instituições têm de comprar água, o que gera custos operacionais altíssimos e impede a expansão dos serviços”, referiu Jamal. “Há projectos parados, obras suspensas e uma cidade a perder vitalidade.”
Moradores alertam ainda para o risco de surtos de doenças provocadas pelo consumo de água contaminada e pela falta de saneamento. “As autoridades estão a fechar os olhos. As pessoas estão revoltadas e cansadas de promessas”, afirmam.
“Carta” tentou ouvir o sector das águas da Região Centro, mas sem sucesso. A empresa não respondeu às chamadas da nossa reportagem. Os residentes exigem uma resposta urgente do Governo e da administração central da empresa, temendo que a situação se transforme numa crise humanitária urbana. “Já não há paciência. A população está revoltada e fala-se em manifestações. Só queremos água para vivermos com dignidade”, conclui Samudini Jamal.





