Tuesday, October 14, 2025

Análise

 Elisio Macamo

5 d 
Análise
Muita gente pensa que analisar (em ciências sociais) é o mesmo que constatar. Não é. Constatar é dizer o que se vê: “há corrupção”, “os jovens estão revoltados”, “as coisas estão caras”. Esse tipo de coisa. Analisar, pelo contrário, é perguntar porquê e como isso acontece. O “como”, sobretudo, é importante. Quando constatamos, descrevemos o sintoma; quando analisamos, procuramos o mecanismo que o produz e tentamos entender como ele o produz. É como uma médica que, ao ver febre, não se limita a registar a temperatura. Ela tenta descobrir a infecção que a provoca e como esta última faz isso.
No dia a dia, fazemos isso sem percebermos. Se um colega chega sempre atrasado, podemos constatar o atraso. Mas, se repararmos que ele tem que apanhar “Chapa” com encurtamento de rotas, aí já começamos a analisar. Entender o atraso nessas circunstâncias teria que envolver um conhecimento do que está por detrás do problema de transportes públicos e como isso afecta o dia a dia do nosso colega. Notem que o nosso colega ainda podia acordar mais cedo! As decisões que ele toma, as suas motivações individuais, tudo isso conta para a análise.
O mesmo vale para a política. Dizer que “Moçambique depende dos doadores”, por exemplo, é uma constatação. Há gente que pode usar isto para explicar tudo, por exemplo, porque há corrupção, porque estamos a ser “recolonizados”, etc. Só que analisar é diferente, porque é mostrar como essa dependência se instala e se mantém, por exemplo, quando o Estado passa a esperar a ajuda antes de planear, quando certas elites vivem de gerir projectos financiados de fora, ou quando as instituições públicas se habituam a prestar contas aos doadores em vez de aos cidadãos. Aqui também, as motivações individuais contam. Quando analisamos, deixamos de ver apenas o problema e passamos a compreender o sistema que o sustenta e o que nos leva a agir como agimos dentro desse sistema.
Há muita coisa que passa por análise quando, na verdade, é apenas um conjunto de constatações. E quanto mais essas constatações confirmarem o que “toda a gente sabe”, mais importante é termos cuidado. Há aqui o perigo de transformarmos a nossa postura moral num critério de validação das nossas constatações e, com base nisso, acharmos que analisamos. Repito: dizer que “Moçambique foi recolonizado pela corrupção” é uma constatação moral. Investigar como o Estado, os interesses privados e as instituições internacionais se cruzam para produzir esse resultado, isso, sim, é análise. E não se demonstra de forma anedótica. Abordagens que nos fazem vítimas inocentes ou coniventes do poder alheio não nos levam longe.

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