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Manual Prático para Manter Moçambique Politicamente Instável -
ou como todos nós colaboramos, com empenho patriótico, para que nada mude
Por vezes, fala-se de instabilidade política como se fosse uma fatalidade africana, uma espécie de clima tropical inevitável. Mas isso não é verdade. A instabilidade política é um projecto que dá trabalho. Exige dedicação, convicção e uma ética específica que, felizmente, temos cultivado com zelo exemplar. Não se trata apenas do governo. Seria injusto reduzir o mérito. É uma obra coletiva, onde todos, da classe dirigente à oposição, do analista de WhatsApp ao cidadão revoltado na bicha do banco, contribuem com entusiasmo. Aqui está o que nos une no esforço colectivo de minar a independência.
a) Demonizar a Diferença
Primeiro mandamento: jamais tratar uma opinião contrária como legítima. A diferença não enriquece, ela só corrompe. Quem discorda é vendido, infiltrado, ou é "mão externa". O pluralismo é bom no papel, mas perigoso na prática. Só há uma pátria: a minha. Só há uma verdade: a que me convém.
b) Transformar a Constituição em Documento Decorativo
Cumprir regras é coisa de países inseguros da sua soberania. Nós preferimos adaptar as regras ao momento. Se o tribunal decide contra nós, questionamos a sua independência. Se a eleição corre mal, pedimos nova contagem, ou um protesto bem barulhento. Afinal, o importante não é o processo, é o desfecho. E se o desfecho nos serve, o processo foi “transparente e maduro”. E recompensamos quem relatou o processo com um cargo ministerial que retira todo o sentido de justiça ao nome do pelouro.
c) Nunca, jamais, assumir erro
A infalibilidade é um direito adquirido. Governos não erram, são sabotados conforme dizem os que os defendem. A oposição não erra, é traída por aqueles que estão contra a “organização do país”. Cidadãos não erram, são enganados porque velar para que os governos cumpram as suas promessas seria anti-patriótico. E se alguém aponta inconsistências, logo se acusa de “espalhar negatividade” ou “servir interesses estrangeiros”. O verdadeiro patriota nunca hesita. Ele distorce os factos, se preciso for, mas nunca põe em causa o seu ego.
d) Agir por ressentimento, não por responsabilidade
Não se governa com responsabilidade, governa-se com memória. Se o outro lado ganhou, é porque manipulou. Se perdeu, é porque o povo acordou. Não importa o que se faz, importa quem faz. Nunca diga “isso está a funcionar”, diga “mas quem começou isso foi o nosso governo em “milsenji não sei quantos!”. Assim garantimos que nenhuma ideia sobrevive ao seu autor.
e) Tratar adversários como inimigos
A política não é disputa de ideias, mas sim ajuste de contas. Não há adversários, só traidores potenciais. Cumprimentar o outro lado em público? Fraqueza. Ser visto em público com um suposto “crítico”? comprometedor! Dialogar? Sinal de que se vendeu. Assim, fortalecemos a lógica da trincheira permanente, e cada eleição é uma guerra moral da qual ninguém sai ileso, muito menos o país.
f) Desconfiar de qualquer esperança
Esperança? Ilusão. Progresso? Conversa para uma conferência internacional organizada por aqueles que vivem da comercialização dos nossos problemas para o exterior. A instabilidade exige um povo resignado. Nada motiva mais a apatia do que repetir “nada vai mudar” com ar de sabedoria. É fundamental desincentivar qualquer tentativa de reconstrução cívica, rejeitar qualquer proposta que pareça sensata, e chamar de “ingénuo” quem ainda acredita, ou quem acha que não é pela violência que as coisas vão mudar, apesar de ser por ela que elas se perpetuam.
Epílogo: União nacional pelo bloqueio mútuo
E assim vai a pátria a(r)mada, cada um de nós absolutamente convencido da própria razão, fiel à sua “tribo” política, pronto a gritar “democracia!” enquanto prepara o terreno para a próxima exclusão. O que seria de nós sem esta bela coreografia do impasse? O que seria de nós se não fóssemos capazes de acreditar que uma chama levada do Rovuma ao Maputo em prol da unidade nacional fala mais alto do que acções concretas de reconciliação que incluam o respeito consequente e intransigente das regras de jogo? O que seria de nós se não fóssemos capazes de acreditar que por um mero gesto simbólico, podemos reabilitar um estádio votado ao esquecimento como se ele pudesse ter o condão de nos absolver do julgamento duma história feita da recusa da independência?
A estabilidade pode esperar. Afinal, para quê mudar, se já nos habituámos tão bem ao caos?
Viva os 50 anos da nosssa Independência Nacional, apesar de tudo!
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Alvaro Simao Cossa
A instabilidade política pode levar à criação de novos postos de trabalho, mas também à perda dos já existentes. A curto prazo, as crises e os conflitos políticos podem estimular a procura de determinados bens e serviços relacionados com a segurança, a defesa ou a ajuda humanitária, o que cria novos postos de trabalho nestes sectores. No entanto, a longo prazo, a instabilidade política tem geralmente um impacto negativo na economia, levando à redução do investimento, à fuga de capitais e, consequentemente, à perda de emprego noutros sectores.
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Adelino Branquinho
Bem, o manual prático para a instabilidade está em princípio, bem elaborado; de facto o hábito ao caos chega a ser pior que o vício à cocaína, ou à nicotina do tabaco, é uma ressaca terrível, conhece a história do cavalo do Inglês, prof. : Quando começou a habituar-se a fome, morreu da mesma.
De instabilidades em instabilidades, vamos resistindo ao hábito que as estabilidades podem causar.
Viva o 25 de junho sempre! 







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Hassimina Taju
Vive moçambicano, viva pátria a(r)mada!
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