quarta-feira, 25 de junho de 2025

Estádio da Machava": Um gesto nobre — ou um passo fora da lei?

 

Hoje, 50 anos após a independência, o nome do Estádio da Machava muda oficialmente. Mas até que ponto o gesto do Governo respeita a história, a propriedade e a voz do povo? Leia e reflicta sobre os limites do poder na preservação da memória nacional.

Hanif CRV -Media 
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1 h 
Mz | 50 Anos da Nação:
O NOME DO ESTÁDIO DA MACHAVA MUDOU. MAS... PODE MESMO SER ASSIM?
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------ >> Chapo renomeia para “Estádio da Independência Nacional”. Um gesto nobre — ou um passo fora da lei?
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Beira, Moçambique, 25 de Junho de 2025 (Hanif CRV – Media | “Verdade pela Verdade”) — No dia em que o país assinala 50 anos da sua independência, o Presidente da República, Daniel Chapo, anunciou que o lendário Estádio da Machava passará a chamar-se “Estádio da Independência Nacional”. A decisão, segundo o Chefe de Estado, foi proposta esta semana no Conselho de Ministros. O objectivo? “Registar, de forma indelével, o acontecimento mais simbólico da nossa história.”
Sim, foi ali que, em 1975, Samora Machel proclamou a liberdade do país. Mas a pergunta impõe-se:
Pode o Governo, por si só, mudar o nome de um espaço que, ao que tudo indica, não lhe pertence?
E mais: com que participação popular? Com que base legal? Com que escuta à memória viva dos moçambicanos?
UM ESTÁDIO COM CORPO, ALMA... E DONO?
O actual Estádio da Machava começou a ser erguido nos anos 60, ainda no tempo colonial, pelos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), com grande envolvimento do Clube Ferroviário. Os trabalhadores ferroviários deram o corpo ao projecto: rifas, churrascos, contribuições de bolso. O estádio foi inaugurado em 1968, como “Estádio Salazar”.
Depois da independência, ganhou o nome que o povo adoptou sem cerimónias — “Estádio da Machava” — e passou a ser gerido pelo Clube Ferroviário de Maputo. A ligação aos CFM mantém-se até hoje, mas não consta, até onde se sabe, que o estádio tenha sido formalmente nacionalizado ou transferido para o Estado.
Ou seja, apesar de estar ligado a uma empresa pública, o estádio continua sob tutela de uma entidade que é, tecnicamente, privada. Daí a dúvida: pode o Governo renomear um bem que não administra nem possui?
SIMBOLISMO, SIM — MAS ATÉ ONDE?
Ninguém discute o simbolismo do local. Ali se declarou a independência de Moçambique, num dos dias mais marcantes da nossa história. Mas os gestos simbólicos também têm de ter pés e cabeça.
Se o Governo quiser eternizar esse momento — muito bem. Pode erguer um novo monumento, baptizar uma nova praça, ou até construir um novo estádio com o nome desejado. Mas impor um novo nome a uma infra-estrutura cuja posse não é clara, e sem qualquer debate público conhecido, levanta sérios sinais de alarme.
Até ao momento, não há qualquer informação pública que aponte para negociações formais com o Clube Ferroviário de Maputo ou os CFM. Não se sabe se houve acordo, proposta, ou apenas uma proclamação política feita de cima para baixo.
REACÇÃO POPULAR: ENTRE IRONIA E INDIGNAÇÃO
Nas redes sociais, a resposta não tardou. E não foi suave. Muitos moçambicanos — jovens e velhos, fãs de futebol e cidadãos atentos — expressaram desconforto com a medida. Eis algumas das reacções:
- “Sem consulta, sem Assembleia, e mudam o nome. Assim qualquer um chega e renomeia o que quiser.”
- “Para nós vai continuar a ser Estádio da Machava. Nem o Samora se atreveu a mexer nesse nome.”
- “Por que não constroem um novo estádio e lhe chamam Estádio da Independência? Isso sim faria sentido.”
- “Hoje mudam o nome do estádio, amanhã mudam o nome do país.”
Outros usaram o humor para marcar posição:
- “Vamos mudar também o nome do HCM para Hospital de Desatendimento Central de Maputo?”
- “O Conselho de Ministros agora decide sobre propriedade privada?”
Claro, também houve quem aplaudisse a decisão pelo seu valor simbólico. Mas mesmo entre esses, muitos pedem que haja mais seriedade na forma como se gerem os marcos da nossa história.
UM GESTO QUE PARECE MAIS APRESSADO DO QUE PENSADO
Mudar o nome de um espaço como o Estádio da Machava não é um acto qualquer. É tocar na pele da cidade, no mapa da memória, nas histórias de milhares de moçambicanos que ali vibraram, choraram e celebraram.
Quando isso é feito sem debate, sem explicação clara, sem mostrar o processo, soa a decisão imposta — e não a homenagem construída.
Além disso, mexer na memória colectiva sem respeitar a legalidade institucional ou a pertença cultural dos espaços abre um precedente perigoso.
Hoje é o nome do estádio. Amanhã será o quê?
EM JEITO DE CONCLUSÃO
A decisão presidencial pode ter sido bem-intencionada. Mas uma boa intenção não chega para mudar nomes que o povo já carrega há décadas no coração. E muito menos quando o bem em questão não tem, até onde se sabe, estatuto de propriedade pública clara.
Ressalve-se, até ao momento desta publicação, não há qualquer indício público de que o Governo tenha celebrado um acordo formal com o Clube Ferroviário de Maputo ou os CFM.
Se queremos valorizar a independência, que seja com coragem — mas também com respeito.
Respeito pelo que foi construído, pelo que é de todos e, sobretudo, pelo que é de alguém. (© 2025 | Hanif CRV – jornalista freelancer / Hanif CRV – Media | Nome legal: Mahamad Hanif Mussa (MhM) | mhm.b.mz@gmail | +258 84/87 572 8092 |
Revisão: ChatGPT - Foto: reprodução)
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