Celso Coreia e o caminho
O Ministro da Agricultura deu uma licção excelente de seriedade política. Ele participou num programa radiofónico durante o qual respondeu às críticas que são feitas ao seu trabalho e, em particular, ao programa SUSTENTA. Ele revelou conhecimento e consciência dessas críticas, mas não só. Revelou também que tem reflectido sobre isso e que se serve das críticas para tentar melhorar o seu trabalho.
Surpreendeu-me pela positiva, sobretudo quando penso nas reacções agressivas e até mal-educadas de pessoas que pensam vir em sua defesa quando alguém se pronuncia criticamente sobre o SUSTENTA. Muito salutar esta atitude do Ministro que, diga-se, também contrasta vivamente com o seu chefe que reage a críticas com insinuações.
O Ministro reagiu a uma das críticas que eu tenho feito. Eu tenho dito que o SUSTENTA definiu mal o problema. O programa parte do princípio de que existe um problema de produtividade agrícola que um programa de criação, reforço e promoção de cadeias de valor que ajude os camponeses (ele fala de 4 milhões de famílias) a elevarem a sua produtividade pode resolver.
Eu aventei a hipótese – porque não fiz nenhum estudo, apenas leituras – segundo a qual o problema seria de emprego rural, não de produtividade agrícola. Dito doutro modo, as pessoas não são camponesas por opção, mas sim por falta de opção. Logo, a solução não pode consistir em ajudar as pessoas a serem melhores camponesas. Esta é apenas uma crítica que eu tenho feito. Tenho outras duas, mas por enquanto não são relevantes para o que estou a fazer neste post.
Ora, a resposta do Ministro foi boa, mas do ponto de vista lógico, circular. Foi boa porque ele enfrentou-a directamente dizendo que tem consciência do problema do emprego. A questão, contudo, é que para criar emprego é preciso aumentar a produtividade agrícola. Ao longo da reflexão, ele foi mais preciso dizendo que, no fundo, o problema é o da pobreza de famílias rurais que vivem com muito pouco, e que com este programa têm possibilidades de aumentaram, por exemplo, o número de refeições diárias.
Digo que esta resposta é circular porque ele transforma o problema que ele definiu – a produtividade agrícola – na sua própria solução. Na verdade, a sua posição é de que o problema é a pobreza que vai ser resolvido através do aumento da produtividade.
Esta nuance argumentativa altera muita coisa, mas vou levantar apenas duas objecções. Primeiro, se a produtividade agrícola é o mecanismo através do qual ele quer resolver o problema da pobreza, coloca-se a questão de saber porque é absolutamente necessário aumentar a produtividade agrícola da massa de camponeses (e de forma não diferenciada)? Porque não fazer simplesmente transferências de comida para os necessitados e concentrar a atenção naqueles que realmente vão fazer a diferença na produção agrícola (portanto, médios e grandes agricultores)? Ou ele está a usar esse discurso para fazer essa outra coisa de forma escondida?
Segundo, se o problema é a pobreza rural, então, o desafio é inter-sectorial, logo, algo que não se reduz a um programa ministerial, mas sim a um programa inter-ministerial. Uma coisa é montar um programa num Ministério e esperar que os outros façam isto mais aquilo, outra coisa é montar um programa do governo que ataca o problema da pobreza rural de forma coerente e concertada. Aqui levanta-se a questão da articulação da acção governativa, um grande desafio em Moz.
Hoje estava a explicar a um sobrinho porque a resposta do Ministro me parece insatisfatória. Fiz isso com um exemplo simples. Na periferia de Maputo, muita gente vive do comércio informal. O que o Município deve fazer para abordar esta situação? Bom, precisa de começar por determinar o problema. Se usar a lógica do Ministério da Agricultura, pode dizer que a pobreza nos bairros faz com que as pessoas não tirem rendimento suficiente do comércio informal. Sendo assim, iria decidir montar um programa para ajudar os vendedores informais a fazerem melhor o seu comércio.
Faria sentido isso? Claro que não! E porquê? Porque o problema é outro. As pessoas fazem o comércio informal por falta de alternativas. Melhorar a actividade precária que eles fazem por falta de opção não vai ajudar as pessoas a saírem da pobreza. É perder tempo e recursos. Por isso mantenho a minha crítica à forma como o SUSTENTA definiu o problema.
Mesmo assim, o Ministro está de parabéns pela sua urbanidade, coisa rara, sobretudo neste governo e nos seus simpatizantes oficiosos. Era tão bom que as coisas melhorassem neste sentido para o bem de todos nós. Há tanta coisa que teria sido diferente – para o melhor – se houvesse o hábito de tomar decisões políticas com base na deliberação.
O Município de Maputo, por exemplo, vai se envolver num gigantesco programa de transporte público de alta tecnologia sem nenhum debate público. O fiasco que Cabo Delgado é, mas também a própria “Paz Definitiva”, não teriam sido diferentes se tivesse havido mais atenção à necessidade de envolver a sociedade na deliberação?
Sobre Cabo Delgado, estava a ler há cerca de 4 semanas a acta da reunião duma “Think-Tank” tanzaniana realizada no ano passado para reflectir o problema de Cabo Delgado. Envolveu membros do governo, universitários, diplomatas, etc. que dissecaram de forma impressionante o problema até ficar claro que o nosso governo não sabe o que está a fazer lá. Uma vergonha para qualquer moçambicano que tenha respeito por si próprio.
Celso Coreia podia ter reagido à crítica acusando os críticos de não quererem o sucesso do programa, ou de estarem contra os camponeses, ou contra o governo sviku txakala-txakala. Podia até mostrado fotos coloridas de campos de girassol ou passado vídeos promocionais do programa.
Mas não o fez. Enfrentou a crítica de peito aberto e abriu a porta para o diálogo. Eu até me envergonho de, por vezes, ter sido desnecessariamente duro na crítica. Não obstante, acho que ele continua equivocado. Mas esse é o caminho. O da deliberação, quero dizer.
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