Em defesa de Ossufo Momade
O pior inimigo dos fracos, pobres ou derrotados são os outros fracos, pobres e derrotados. Se calhar isso é que explica porque eles são isso. Nestas últimas eleições, ninguém foi mais criticado do que a Renamo e o seu líder. Por vezes, dava a impressão de que o desgoverno dos últimos dez anos fosse da sua inteira responsabilidade. Não é que como o segundo partido mais forte – algo relativo se considerarmos o seu desempenho nas eleições anteriores – a Renamo não tivesse a responsabilidade de exigir melhor governação através duma oposição robusta. Tinha, mas num sistema político completamente viciado a favor de quem governa, é difícil imaginar melhor desempenho.
O resultado que a Renamo aparentemente alcançou agora parece dar razão aos que viraram as costas e fecharam o coração à Renamo e ao seu líder. Mas uma leitura atenta mostra também que a Renamo estava em queda livre como resultado da sua incapacidade de se ajustar aos novos tempos. É que com a “Paz Definitiva” impunha-se uma outra maneira de fazer política e isso exigia uma reestruturação que ela não fez. Ao contrário de muitos comentadores, contudo, não creio que o problema da Renamo tenha sido a forma como tratou Venâncio Mondlane ou mesmo ter ido às eleições com Ossufo Momade. Isso corresponde ao hábito dos pobres de baterem noutros pobres.
A Renamo não tinha outra alternativa senão tomar as decisões que tomou, incluindo eleger Ossufo Momade como seu candidato. Apesar de ele ser apagado e, provavelmente, totalmente perplexo, não foi por isso que a Renamo se deu mal. De resto, se ser apagado e perplexo fosse realmente um problema, a própria Frelimo não teria tido o Presidente que teve nos últimos dez anos e que, não nos esqueçamos, ganhou as últimas eleições com mais de 70% dos votos.
A Renamo existe não apenas como um partido político, mas sim como um grupo de pessoas com vivências próprias, com trajectórias colectivas e com uma relação com o resto do País que faz dela algo muito mais “sagrado” do que ser simplesmente um partido político. Uma entidade desta natureza perderia toda a sua razão de ser se aceitasse vergar-se a um indivíduo sem essa vivência, nem esse historial por mero cálculo eleitoralista.
E não só. Quem mais queria que Ossufo Momade não concorresse não eram maioritariamente membros da Renamo. Eram principalmente pessoas desapontadas com a Frelimo, frustradas com a política no país e ciosas duma mudança que só realmente se motivariam com um candidato “anti-establishment” como foi, e tem sido, Venâncio Mondlane. Trata-se de pessoas que, no fundo, perderam a crença em partidos, razão pela qual não consideraram a possibilidade de dar o seu voto a outros partidos da oposição como o MDM ou a Nova Democracia. O voto no PODEMOS não constitui uma contradição. Reflecte a natureza deste eleitorado de disposição messiânica que faz política para acabar com a política. Vemos isso no Brasil com Bolsonaro, nos EUA com Trump e em Portugal com o CHEGA, tudo extrema-direita e sua desconfiança congênita da própria democracia.
O erro de Ossufo Momade não foi dele. Foi do seu partido, portanto, de pessoas de qualidade que tem no seu seio e que não souberam definir a melhor estratégia para responder ao abalo sofrido com o conflito interno. Eles deviam ter desenvolvido uma estratégia eleitoral que consistisse em manter o seu reduzido eleitorado e, acima de tudo, encorajá-lo a ir votar. Provavelmente por complacência, pensaram que tudo fosse ser como sempre foi, e isso foi um erro grave como se vê.
O contraste aqui é com a Frelimo que também teve um candidato que, em circunstâncias normais – portanto, condições dum partido menos disfuncional – não foi “natural” e cuja inexperiência – e perplexidade – ficou patente ao longo de toda a campanha. Só que a Frelimo, beneficiando dos recursos do Estado, claro, investiu tudo na manutenção do seu eleitorado, algo que parece ter conseguido a julgar pelos resultados. Isso não foi porque a Frelimo é mais organizada. Foi porque ela tem algo a dar aos seus membros – os recursos do Estado – e, por isso, para ela é sempre mais fácil conseguir que os seus militantes séniores desapontados – ou de costas viradas – façam campanha.
No fundo, Ossufo Momade representa toda a fragilidade que caracteriza a nossa oposição. E, curiosamente, o extraoridnário desempenho do candidato independente não mostra o que uma oposição melhor pode ser. Mostra exactamente a sua fragilidade, pois disputa eleitoral mesmo é entre a própria oposição! O que hoje parece um êxito pode vir a revelar-se como uma vitória pírrica para toda a oposição e, por extensão, para o país inteiro. Como dizia um antigo presidente americano, aquece quando a gente urina nas próprias calças, mas depois fica bem frio.
Quem se ri de Ossufo Momade ri-se do parente pobre que hoje sofreu o infortúnio que todos na família ainda vão sofrer. O último a rir, ri melhor.
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