Limpeza
Vi recentemente um depoimento triste de Carlos Serra a reclamar o comportamento dos nossos compatriotas na praia um dia após o grand emomento de activismo social que foi o dia mundial de limpeza. Sem amargura, mas com determinação, ele apelou à consciência cidadã e ao amor à terra. Vi também várias manifestações de indignação, uma boa parte das quais destacou a falta de civismo, o problema da mentalidade e a necessidade de as autoridades actuarem energicamente sobre as pessoas que teimam em sujar os espaços públicos.
Há um cunho de verdade na lamentação sobre a falta de civismo e a ausência de acção enérgica por parte das autoridades. Mas não é tudo. A sociologia, que não serve para muita coisa, pode ajudar um pouco, pelo menos para a gente perceber que tipo de problema precisa de ser atacado. A primeira coisa é interiorizar a necessidade de nunca ceder à tentação de generalizar um comportamento com uma morfologia bem clara. O que aconteceu na praia não foi exactamente uma demonstração de falta de civismo (ainda que no fundo seja isso). O que aconteceu foi uma manifestação do que acontece onde multidões se concentram em ambiente festivo. Aposto que estiveram lá pessoas que na véspera participaram no acto de limpeza.
O Leonardo Abilio Hofisso, um estudante de sociologia da UEM, está a escrever o seu trabalho de fim do curso sobre a questão do fecalismo a céu aberto em Maputo. O trabalho progride de forma interessante e uma constatação extremamente importante e rica que ele faz é que estes comportamentos aparentemente individuais não são, na verdade, individuais, mas sim colectivos. Há todo um esforço coordenado envolvendo várias pessoas - umas directamente, outras contra a sua própria vontade - no sentido de propiciar esse tipo de comportamento. Esta hipótese aplica-se lindamente ao comportamento na praia, onde a inoperância do município, a lógica comercial num ambiente altamente competitivo, a interacção fechada em pequenos grupos de cumplicidade comportamental, o álcool que jorra, etc. conspiram para normalizar certos comportamentos. É preciso entender estes meios, sobretudo a maneira como eles são produzidos por várias pessoas de forma consciente ou inconsciente, antes de fazer recurso ao civismo.
Uma solução, que não vai vingar logo à primeira, seria, por exemplo, a ruptura desse trabalho "colaborativo" na produção desse comportamento problemático. Isso pode ser feito, por exemplo, limitando o número de barracas e criando mais espaços entre uma barraca e outra, demarcando espaços de ocupação da praia (incluindo (des)incentivos financeiros), colocação de fiscais de limpeza com a função de garantir que não surjam focos de sujidade (que só vão encorajar as pessoas a sujarem ainda mais) que podem recolher lixo ou admoestar pessoas que sujam, imposição de proibições de consumo em certos espaços, etc. Isso exige um trabalho concertado e de longo prazo, sujeito, é claro, a retrocessos porque onde há multidões o civismo essencialmente acaba.
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