01 de Setembro de 2018 17h16 - 26 Visitas
Cá estamos novamente. Testemunhamos a dura de ser músico num país onde parece que a arte só serve para divertir e não fazer viver. Com quantas interrogações pode-se escrever o manual de dúvidas sobre o ser músico em nosso país. Parece que os da “velha guarda” são esquecidos e guardados numa velha mala de memórias amargas. A lista é enorme dos músicos que morreram sem nenhum amparo ou intensidade da alegria que nos proporcionaram com as suas músicas.
Chorou-se muito, na última sexta-feira, quando o caixão descia. Era um caixão que carregava o corpo de Zeca Murrasse. Era pesado porque tinha um duplo peso: corpo desfeito de morte e pobreza alimentada de esquecimento. Chorou-se muito no Cemitério de Michafutene, distrito de Marracuene, província de Maputo. Parecia que as lágrimas queriam inundar as ruas onde Zeca Murrasse navegava como uma folha arrastada pelo vento.
Era manhã de final de Agosto quando Zeca descia para o subsolo da terra; era final de Agosto e fim de Zeca Murrasse. Teve caixão porque houve quem deu o que tinha. Nas redes sociais grupos de admiradores partilhavam o contacto da Tia Joana, irmã do Zeca, e transferiam em diversas vias moedas para ajudar na partida final do músico.
Nos anos 90, aquando da criação da Banda Halakhavuma, Zeca Murrasse, foi escolhido como vocalista principal. Que vocalista principal? Nos últimos dias, Zeca, era vocalista das ruas da cidade de Maputo. Algemado de sujidade, com o cabelo alisado por falta de pente, carregando sacos cheios de “loucura” era assim que podia ser encontrado. A música “Mamana wa Murrasse” encenou-se na sua vida. Triste realidade. Cantou uma música triste e a música por sua vez cantou a sua vida triste.
E a estupidez pode falar mais alto e perguntar a nossa insensatez: “quem morreu? Um louco qualquer ou um músico?”. É verdade que morreu um músico, mas um lugar vazio vai ficar nas ruas da cidade. Zeca Murrasse cantou com outros monstros como Filipe Nhassavele, João Bata e Diniz Magaia. E o caixão desceu no Cemitério de Michafutene. E os choros trovejavam no meio de tudo isso. Desceu o caixão carregado pelo corpo de Zeca. Os pés de Zeca, aqueles que tatuavam passos em todos cantos da cidade, estavam ali parados, congelados pela morte e sem nenhum movimento mínimo. E desceu o caixão. Miguel Torga já dizia “a maior desgraça que pode acontecer a um artista é começar pela literatura, em vez de começar pela vida” e aconteceu uma desgraça inversa a Zeca Murrasse: começou pela música e não pela vida. Zeca Murrasse. Zeca.
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