27.09.2018 às 23h05
A equipa da BBC África conseguiu encontrar os culpados pelos violentos homicídios de duas mães e dos seus filhos que, em julho deste ano, chocaram a internet. O caso passou-se nos Camarões e os homens já estão a ser investigados. Mas como é que a BBC conseguiu, através do vídeo amador de um deserto genérico africano, colocado na internet sem qualquer informação anexa, saber a data exata dos acontecimentos, o local onde os atos foram cometidos e quem foram os homens que disparam os 22 tiros assassinos?
Através de um único pedaço de informação, um vídeo sem data colocado no Youtube, a televisão pública britânica conseguiu determinar quem são os homens que se veem nas imagens chocantes de um assassinato de duas mães e dos seus dois filhos nos Camarões.
Ao longo de três arrepiantes minutos veem-se as duas mulheres, com os seus filhos, a serem levadas por uma estrada de terra batida para depois serem assassinadas, com as crianças, com 22 tiros à queima-roupa. A gravação amadora tornou-se viral pouco após ter sido colocada no site de domiciliação de vídeos YouTube, a 10 de julho. No dia 12, a Amnistia Internacional culpava o exército camaronês, mas o governo negou, alegando serem “notícias falsas”.
As mulheres foram acusadas de pertencer à organização terrorista Boko Haram e a BBC conseguiu provar que foi, de facto, o exército o autor da execução. Mas a história aqui é como o conseguiu.
No início, quando vários utilizadores do Twitter e do Facebook começaram a identificar o país, muitos diziam que as imagens tinham sido gravadas no Mali. Esta foi a primeira discórdia: de onde chegavam as chocantes imagens?
A primeira coisa que a equipa do programa “Africa Eye” da BBC fez foi isolar a forma da montanha que se vê logo no início da gravação. Através do Google Earth, e depois de terem recebido uma pista de um anónimo, a BBC conseguiu encontrar o exato contorno da montanha que se vê no vídeo: localiza-se perto de Zelevet, no norte dos Camarões. Todas as pequenas casas, a forma das ruas e os aglomerados de árvores que se veem no vídeo também aparecem nas imagens de satélite do Google Earth. Não havia dúvidas.
A menos de um quilómetro localiza-se um quartel militar do exército dos Camarões, que, no norte, mantém uma intensa luta contra os extremistas do Boko Haram.
E quando é que os assassinatos aconteceram? Poucos dias antes de o vídeo ter sido colocado online foi a primeira hipótese a ser colocada, já que praticamente ninguém espera muito tempo para partilhar conteúdo online. Mas não. Uma análise mais minuciosa do terreno por onde os soldados encaminham as mulheres e os seus filhos para a morte mostra que, perto da estrada, há um edifício que só é visível no satélite até 2016. Depois disso, desaparece. Os homicídios passaram-se antes. Várias outras análises a edifícios próximos e às mudanças que sofreram colocam os acontecimentos nos primeiros meses de 2015. Um carreiro secundário à estrada principal, que só se torna visível na época das secas, revelou que tudo se passou entre janeiro e abril.
Mas este ainda era um intervalo de tempo abrangente. Os analistas da BBC analisaram, então, as sombras dos soldados, para entender a posição do sol naquele dia. A direção do sol é fácil de ver pela direção da sombra das pessoas. Juntando estes dados à localização já conhecida, a BBC verificou que a posição da terra em relação ao sol determinava que a data dos assassinatos se situava entre 20 de março e 5 de abril de 2015.
E quem disparou 22 tiros sobre estas mulheres, uma delas ainda com um dos seus filhos às costas? Não são soldados camaroneses, garantiu o governo na altura da publicação do vídeo. Até porque, escreveu num comunicado o ministro da Comunicação Social, as armas que se vêem nos vídeos não correspondem àquelas que são usadas pelos soldados naquela zona do país. Mas, através das imagens, a BBC conseguiu identificar uma das metralhadoras como sendo uma Zastava M21, fabricada na Sérvia.
Não é uma arma comum mas é usada, sim, por algumas divisões do exército como mostram várias fotografias em página pessoais do Facebook de vários soldados camaroneses. Também a camuflagem militar, que o governo disse não ser a tradicionalmente utilizada pelos soldados no norte, é de facto comum, como mostram várias outras reportagens de meios de comunicação internacionais feitas no norte dos Camarões.
A BBC falou, também, com membros da Amnistia Internacional que estiveram na zona de Zelevet a entrevistar pessoas, não por causa desta situação, mas para tentar entender por que dificuldades passavam quando eram deslocadas para outras zonas devido à violenta guerra do exército contra o Boko Haram. Só que um desses entrevistados garantiu ter estado presente quando os soldados levaram as mulheres pela estrada e as mataram. Essa fonte diz ter ouvido os mesmos tiros que o vídeo original mostra.
Em agosto deste ano, o governo anunciou que sete membros do seu exército estavam a ser investigados por ligação a estes homicídios. A BBC, porém, já sabe quem são os três homens que apertaram o gatilho: Cyriaque Bytiala, Barnabas Donossou e um homem identificado apenas como “Tsanga”, o último a disparar sobre os corpos já imóveis das mulheres e das crianças e que não pára de disparar até os colegas lhe dizerem que já chega - três vezes.
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