Monday, September 24, 2018

Prólogo para um renovado debate sobre a cannabis em Moçambique

Prólogo para um renovado debate sobre a cannabis em Moçambique
A reação pública cá entre portas sobre a legalização do uso privado da cannabis na RAS foi alarmista. O enfoque da conversa se centrou nos efeitos que essa legalização pode ter no incremento do consumo recreativo da soruma, e os danos que ela causa no cérebro sobretudo com o uso exagerado da espécie com alto teor de THC (Tetrahidrocannabinol), e as consequências para a saúde pública. Mas o debate terá de ser alargado para outras esferas (outras utilidades). Nosso país terá de tomar uma posição clara sobre o que pretende fazer com a cannabis (mais alinhada com as reformas legais e de políticas públicas introduzidas recentemente nos quatro cantos do mundo) e não ficar de braços cruzados, olhando o navio a passar para depois irmos a reboque. É o que proporei num próximo artigo.
Mas antes disso pretendo fazer jus à História, recuperando, para benefício dos mais novos e dos habituais desatentos, o grande debate que Moçambique assistiu sobre o assunto, promovido pelo jornalista Carlos Cardoso em 1996 e a tentativa de se descriminalizar a cannabis, numa iniciativa que teve o apoio inequívoco de dois então deputados da AR na primeira legislatura multipartidária: o proeminente jurista Abdul Carimo Issá e a falecida escritora e jornalista Lina Magaia. Na biografia de Carlos Cardoso (É Proibido Pôr Algemas Nas Palavras, Ndjira 2003 e Caminho 2005; Telling The Truth In Mozambique, Double Storey 2004), escrita pelo jornalista Paul Fauvet e por mim, há uma pequena secção dedicada esse debate. Ei-la:
“Uma das campanhas mais idiossincráticas de Carlos Cardoso foi pela legalização da cannabis. Não era simplesmente a nostalgia de um antigo estudante da Wits. Cardoso argumentava que a planta cannabis sativa não era apenas uma droga: pode ser utilizada como fibra para produzir roupa, cordas e mesmo papel. Era um recurso valioso, cultivado facilmente no clima moçambicano, e era criminalizada meramente porque era também usada como droga leve. A guerra contra a droga feita pela polícia era principalmente uma guerra contra a cannabis.
Regularmente, a polícia anunciava a destruição de machambas de soruma mas muito raras eram as notícias de cocaína ou heroína apreendidas (...). Cardoso notou que no passado bebidas alcoólicas locais eram suprimidas pelos governantes coloniais com o objetivo de garantir um mercado para o vinho português de baixa qualidade.
Agora a história repetia-se, com a repressão contra uma droga local inofensiva, enquanto moçambicanos poderosos ganhavam somas fabulosas no tráfico de drogas pesadas. Não duvidava da necessidade de uma luta contra ‘as drogas que matam’, mas argumentava que essa luta era dificultada pela inclusão da soruma. ‘Neste momento, como tudo é ilegal, os traficantes das drogas pesadas têm a solidariedade dos comerciantes das chamadas drogas leves’, escreveu Cardoso. ‘Se o comércio da cannabis fosse legalizado, naturalmente os primeiros perderiam uma fatia gigantesca da solidariedade do mercado que lhes garanta a continuação das suas atividades criminosas’.
Talvez o governo precisasse de tempo para estudar o assunto mas ‘pelo menos deixemos de prender os nossos camponeses e comerciantes rurais informais’, apelou. ‘Enquanto o governo se senta e faz o esforço para ultrapassar camadas espessas de tabu e ignorância sobre esta matéria, pelo menos deixemos de prender os nossos técnicos da cannabis, os camponeses, e deixemos de prender a sua mercadoria’. Cardoso sugeriu ao próprio Presidente que o governo devia legalizar a cannabis. Aconteceu num encontro entre Chissano e jornalistas seniores em Março de 1996; o presidente pareceu genuinamente interessado em ouvir as preocupações dos jornalistas. Mas quando Cardoso levantou a questão da cannabis, o presidente teve dificuldade em responder: era um assunto completamente fora dos horizontes do governo.
A mentalidade de uma ‘guerra contra a droga’ estava tão profundamente enraizada nos políticos moçambicanos que os parlamentares ficaram absolutamente chocados, nos fins de 1996, durante o debate sobre um projeto de lei para aumentar as penas para tráfico de droga, quando ouviram dois deputados, Lina Magaia e Abdul Carimo Issa, a sugerir que a cannabis era na verdade uma planta útil. Magaia pensava que poderia ser uma fonte de receitas quando usada para fabricar papel. Carimo era mais ousado, sugerindo que a cannabis era menos perigosa do que o tabaco, e podia ser considerada a ‘planta do século em termos ecológicos’. Mas sobre esta questão havia uma maioria conservadora na Assembleia, que não queria ouvir alertas de que se a cannabis fosse equiparada às drogas pesadas então seria impossível aplicar a lei.
Contrariamente às intenções dos proponentes, o projeto-lei sofreu emendas, com o resultado de que a lei final equiparou a cannabis a toda a série de modernos estupefacientes e substâncias psicotrópicas. Aos olhos dessa lei, uma machamba de soruma e um laboratório que produzia cocaína eram exatamente a mesma coisa.
Cardoso sonhou que a cannabis podia ser uma cura milagrosa para o orçamento do Estado. O comércio de soruma não podia ser abolido: assim, logicamente, devia ser não somente tolerado mas também tributado, e o dinheiro do imposto sobre a cannabis usado para melhorar os salários no sector público. Ninguém queria seguir os passos de Cardoso nesse assunto: quando ele levantou a questão numa conferência internacional na África do Sul, um ministro sul-africano simplesmente disse que o único partido que inscrevera a legalização da cannabis no seu manifesto só teve um por cento dos votos nas eleições de 1994’”.
Mais de 20 anos depois, como se vê, até parece que o Tribunal Constitucional da RAS ouviu as recomendações de Cardoso. E em Moçambique? É pelo menos possível o governo organizar já já já um debate público sobre a matéria? Para de forma informada discutirmos o que pode ser feito? Há vários caminhos. Um deles apresentá-lo-ei num próximo artigo.
Comentários
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Responder22 h
Vasquinho King Apenas uma curiosidade será que o CC e LM teriam experimentado na vida a milagrosa 3folhas? Assim até podiam estar em melhores condiçoes de defesa
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Davio David Nao tenhas dúvidas, os dois eram consumidores confessos.
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Vasquinho King Grato irmào defacto foram peraonagens activas da nossa cidade jamais teremos aqueles herois da caneta em punho
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Nairinho Mabote Mais cedo ou mais tarde terão que legalizá-la.
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Antolinho André Tudo tem gradualismo. Aquilo que achamos mau hoje pode ser diferente daqui a alguns anos.
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João Feijó 20 anos à frente do seu tempo.
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Maria Helena Perestrelo Tabaco normal é droga. Gera vício e faz cancro de pulmão. Porque é que é legal... Ninguém sabe! Cânhamo (cannabis em Português) ficou ilegal só por lobis das tabaqueiras. Não faz cancro, não faz danos no cérebro (o que misturam porque é ilegal é que faz) e tem muitas outras utilidades. Até 1964 as fardas do exército Português eram de fibra de cânhamo. As velas das Caravelas Portuguesas e até cordoaria eram de cânhamo. PORTUGAL chegou a ser um dos grandes produtores mundiais de cânhamo.
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Niz Tambira Se não conseguimos produzir algo para exportação será que com a soruma legalizada iremos produzir os derivados da soruma que Cardoso e lina magaia tinham como projecto? Esse debate não é pertinente cá. Deviamos aceitar soruma como fármaco e não para o consumo recreativo. Até porque sorume na clandestina é muito exótico, tens a sensação de estares a lutar contra o sistema kkkk
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Responder21 h
Nairinho Mabote Por que não para uso recreativo? Que consequências mais graves que o tabaco ou álcool tem a cannabis?
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Niz Tambira Kkkk legalizar sorume é um caos porque aquilo é consumido de forma artesanal, deve—se fazer muitos arranjos para que o produto chegue ao consumidor em doses certas...sorume ja temos em grande escala
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Joefarman Manjate Nairinho Mabote até demência irreversível, conheco muitos casos , suicídios etc
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Julião João Cumbane Eu sabia que o meu amigo Marcelo Mossenão tardia com uma reflexão sobre esta matéria.... heheh! Devo concordar com o saudoso Carlos Cardoso: há uma ignorância dos nossos governos sobre a utilidade social e económica da cannabis sativa. Um debate nacional aberto e franco, envolvendo especialistas em botânica, farmacologia, fisiologia, sociologia, economia, entre outros, parece urgente para a definição das melhores opções de produção, comercialização e utilização desta útilíssima planta no nosso país. ...
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Responder19 h
Marcelo Mosse Isso...de acordo...e folgo imenso por isso....Indra guady driyango...
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Kendo Mangulle Marcelo Mosse, eu pessoalmente posso arriscar de forma empírica que em Moçambique temos mais fumadores de Cannabis Sativa que fumadores de cigarro.
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Responder18 h
Alcesuti Brtvza RIP Lina Magaia
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Affonso A. Guerreiro Todas as drogas, da mais leve à msis pesada, devem ser descriminalizadas.
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Responder17 h
Maria Helena Perestrelo Affonso A. Guerreiro cannabis ou cânhamo não é droga. Foi classificada droga por lobbis.
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Responder14 h
Affonso A. Guerreiro Se é psicotrópica, é droga.
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Responder11 h
Rodrigues Jacinto Bras Na proxima Legislatura deve ser submetido esse assunto.Bom tema....Se possivel haver referendo.
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Pedro Matule É facil perceber q muita gente é ignorante quanto fala se da cannabis. A conselho a muitos compatriotas a ler mais um pouco e nao descriminar essa planta de animo leve, essa planta cura muitas doenças.
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Jr Chauque A suruma proibida gera MUITO DINHEIRO para os sócios, os vendedores pagam taxas semanais, mensais para a comercialização, se for legalizada muitos não serão alimentados e isso nao vai agradar os sócios directos
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Responder16 h
Moises Canda É um debate difícil. A RSA legalizou o consumo da suruma, mas não sei se a sociedade está preparada para esta nova realidade. Há problemas sérios que as substâncias psicotropicas trazem para a sociedade, principalmente num contexto como o nosso, onde a onda de criminalidade ganha contornos alarmantes, a pobreza extrema se exponencial, etc. Isto tudo pode gerar problemas sérios na saúde pública. A esquizofrenia e outras patologias de fórum psiquiátrico podem ganhar uma certa ascensão. Não nos esqueçamos que apesar dos grandes benefícios que a suruma tem, ela é alucinogenica e o seu consumo exacerbado pode trazer consequências incalculáveis para a nossa sociedade. 
O álcool já nos trás problemas de variada índole. Penso que não estamos preparados para tal.
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Responder15 h
Maria Helena Perestrelo Moises Canda se for legal não misturam substâncias que fazem com que as pessoas passem a necessitar de outras drogas. Cannabis ou Cânhamo legal sem misturas não faz mal a ninguém. É se é legal tem o tal teor de THC controlado. O ser ilegal é sem controlo é que faz com que tenha misturas nocivas.
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Responder14 h
Moises Canda O tetraidrocanabinol (THC) é o principal responsável pelos efeitos psíquicos da droga no organismo, sendo bastante lipossolúvel. Metabolizado no fígado, é bio-transformada em um metabólito mais potente que o THC.
A cannabis tem aspectos negativos e pos
itivos. Em condições normais, a legalização da cannabis seria benéfica, porque reduziria o tráfico,etc.Contudo,vivemos numa sociedade doente que não favorece a legalização da cannabis. Sequer deveria ser permitido consumir álcool. Há tanta gente matando, se suicidando, violando, tudo isto por conta desses produtos psicotropicos.
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Responder13 h
Carlos Ferreira Pois é , só assim se pode compreender a miséria a que chegou a África do Sul agora querem anestesiar o povo para a destruição da economia a que ponto chegamos, o que o Cardoso propunha era outro contexto e com regras bem definidas o que todos sabemos que neste momento não é viável.
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Responder12 h
Joefarman Manjate Carlos Ferreira exactamente meu caro! Que pena
E os coitadinhos dos mocambicanos que preterem a sua agenda nacional e inadiavel das dividas publicas e ocultadas para se debrucarem de surruma quando nem sistematizar a sua agricultura sao capazes nem produzem simples tomate! Kkkkk kkkklkk que desgraça
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Responder5 hEditado

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