27 de Dezembro 22h07 - 106 Visitas
Senhor presidente, em princípios de Setembro deste ano, anunciou, na serra da Gorongosa, aos seus membros, durante uma reunião de quadros do seu partido, que a eleição de governadores era um dado adquirido, no âmbito da descentralização do país, e que até Dezembro deste ano, o documento atinente à eleição em referência seria depositado na Assembleia da República (AR). Estamos praticamente no fim do ano e nada em concreto avançou. O que aconteceu?
Tem razão… mas começaria por explicar que negociar não é fácil e torna-se ainda mais difícil quando se trata de negociar assuntos políticos que mexem com a vida de milhões de pessoas e com o futuro de partidos políticos. As negociações estão em curso e dentro em breve o documento em torno deste assunto dará entrada à Assembleia da República, com a proposta para a revisão pontual da Constituição, tendo em conta que, neste momento, este documento mãe indica que deve ser o Presidente da República a indicar governadores. Isto já está tudo acordado entre a Renamo e o Governo.
Então, o que está na origem de tanta demora para a entrada deste documento?
A questão da modalidade da eleição dos governadores é que condicionou, até agora, o avanço deste processo de descentralização. Desde o início, defendíamos que os governadores deveriam ser eleitos de forma directa, à semelhança dos presidentes dos municípios. Os meus irmãos da Frelimo, não comungavam da mesma ideia. Para eles, os governadores deveriam ser eleitos pelos membros das Assembleias Provinciais, através de um voto secreto. E nós questionávamos. Se um partido já ganhou as eleições numa província, porque outras eleições para o governador? Para nós, estava a ser planificada uma manobra. Esta diferente forma de ver a descentralização a ser efectivada, atinente à eleição dos governadores, criou impasses e o processo foi-se alastrando até bem pouco tempo, até que num contacto entre mim e o Presidente da República, na base de uma proposta avançada por mim, encontramos uma saída.
Propus ao Presidente da República três modalidades para a eleição dos governadores.
A primeira, se um partido político ou grupo de cidadãos concorrerem às eleições provinciais e conquistarem a maioria, o “cabeça” de lista deste partido ou grupo seria, automaticamente indicado governador da província.
A segunda, caso um cidadão esteja numa lista concorrente à eleição provincial, e, o seu partido saia vencedor, então ele pode ser indicado governador, desde que faça parte da lista de membros eleitos para a Assembleia Provincial.
A terceira opção, o partido que ganhar as eleições pode indicar um dos seus membros como governador, desde que o mesmo tenha sido inscrito e tenha votado, nas eleições em causa, independentemente de ter sido eleito ou não, como membro da Assembleia Provincial.
As propostas já foram entregues ao Presidente da República. Neste momento, aguardamos a reacção final do Governo em torno destas propostas, e acredito que uma delas será validada.
O que lhe faz crer que uma das propostas será admitida pelo Governo?
Porque o Presidente da República concorda com as três opções. Falei com ele sobre estas propostas. Agora depende do Governo da Frelimo escolher uma delas. Quero recordar que o processo da descentralização esteve estagnado porque os nossos irmãos da Frelimo não concordavam com a nossa primeira proposta que passava pela eleição directa dos governadores.
Estas propostas para eleição de governadores provinciais serão depositadas na Assembleia da República?
“Não. Não será necessário. As nossas propostas são meramente entre a Renamo e o Governo de Filipe Nyusi. Portanto, o Presidente e o seu partido vão escolher uma das três alternativas para a eleição do governador. A Assembleia da República vai apenas formalizar o processo de eleição dos governadores. O meu relacionamento com o Presidente Nyusi é de irmão para irmão. Nestas negociações directas concluímos que ninguém deve forçar o outro. Se eu estou a negociar com ele, que fique claro que estou a negociar com o Governo da Frelimo e ele está a negociar com a Renamo. Portanto, temos que encontrar consenso dentro dos nossos partidos, antes de fecharmos acordos, para dizer que se assinarmos um acordo político que ofenda uma das partes, o mesmo pode ser chumbado e corremos o risco de arrastar estas negociações por tempo indeterminado. Eu e o Presidente temos estado a fazer o máximo para que, quando o documento sobre a descentralização der entrada à AR, as nossas bancadas aprovem.
Para quando a integração dos guerrilheiros da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança?
Sabe, esta é a condição básica para eu sair desta serra (Gorongosa). Infelizmente, as negociações continuam de forma bastante lenta. Eu entendo as dificuldades que o Presidente está a encontrar. Dar seguimentos a dossiers que estiveram com dois presidentes, Chissano e Guebuza, negociá-los e em tempo recorde deixa-los a 100 por cento é praticamente impossível, mesmo que haja uma grande vontade para tal. O que temos estado a defender é equilíbrio nas chefias das Forças de Defesa e Segurança. Por exemplo, se decidirmos que o nosso exército deve ter oito coronéis, então que quatro sejam da Frelimo e os outros quatro da Renamo. Se for um número ímpar, podemos ficar com menos um com a condição de noutro escalão a Frelimo também ter menos um.
Porque esta exigência?
Temo voltar a ser atacado pelas Forças de Defesa e Segurança, tal como aconteceu em Setembro de 2015, em Vanduzi e Zimpinga, na província de Manica e na cidade da Beira, em princípios de Outubro do mesmo ano. Nós temos oficiais nas Forças de Defesa e Segurança, mas não desempenham nenhum papel, de modo que tudo que é planificado eles nada sabem. Se colocarmos lá nossos quadros, todos os planos para pôr em causa a minha segurança e de milhões de moçambicanos serão do conhecimento público, ou seja, não existirão. Infelizmente, há pessoas que estão a pôr em causa o processo porque têm intenções obscuras. Servem-se das Forças de Segurança para encobrir as suas maldades, por isso continuamos a negociar para que haja igualdade.
O modelo que estamos a desenhar, igualdade nas chefias militares, aceite pelos peritos internacionais, nomeadamente um General das Filipinas e um oficial da Suíça, pensamos que é o ideal. É o mesmo que aconteceu com os guerrilheiros do ANC com relação aos generais do Apartheid. O processo está em curso de forma lenta e é por isso que ainda estou aqui nesta serra da Gorongosa. Se os nossos homens forem enquadrados nas chefias militares, então a paz será efectiva e se já tivesse acontecido estaria neste momento numa cidade do país ou na minha terra natal, distrito de Chibabava, em Sofala, junto da minha família, desfrutando esta quadra festiva.
A paz efectiva não é apenas o calar das armas. Eu dei tréguas unilateralmente há um ano e os nossos homens não voltaram a disparar. É um feito histórico no mundo. Portanto, se os guerrilheiros da Renamo forem enquadrados nas chefias militares e a Frelimo deixar de usar as Forças de Defesa e Segurança para sequestrar e matar os seus opositores políticos, assim como deixar de manipular resultados eleitorais, de certeza que teremos uma paz efectiva no país. A “bola” está do lado dos nossos irmãos da Frelimo.
Na minha opinião, a lentidão do enquadramento nas chefias militares está associada à falta de vontade por parte de algumas pessoas que rodeiam o Presidente da República. Nyusi é novo na Frelimo. Existem no seio dos camaradas os chamados históricos do partido com muita influência em todos os aspectos. Apesar de ele ser o Presidente da República e presidente da Frelimo, ele não tem o domínio de alguns camaradas com fortes influências e eu reconheço isso. Ele pode fazer promessas a minha pessoa no âmbito da descentralização do país, e na busca da paz, mas, quando chegar ao seio do seu partido pode encontrar barreiras.
O que falhou para não se ter encontrado com o Presidente da República aqui em Gorongosa?
O encontro falhou por questões organizacionais. Organizacionais porque há pessoas que tratam das nossas agendas, como por exemplo, onde podemos nos encontrar, quando, a que horas… houve falhas por parte das pessoas que têm estado a tratar dos nossos contactos telefónicos e encontros. De facto, o Presidente esteve aqui em Gorongosa, concretamente no Parque Nacional da Gorongosa. Ele ligou-me e disse que estava a minha espera no parque… eu disse: mas… Presidente, eu também estou à sua espera aqui em Santungira... onde até já tinha chegado o Comandante-Geral da Polícia!
Concluímos logo que havia alguma falha por parte do protocolo e conversamos ao telefone. Revisitamos as nossas agendas, nomeadamente, descentralização e assuntos militares. Uma das conclusões desta conversa é que há garantias de que o documento sobre a descentralização vai dar entrada dentro de 30 dias na AR. O documento em causa vai ser discutido e aprovado em Março do próximo ano, para permitir que, o Presidente, ao anunciar a realização das eleições presidenciais, legislativas e provinciais de 2019, tenha o instrumento nas mãos da eleição de governadores.
Contudo, não vou deixar de referenciar que há forças com muita influência, dentro do partido Frelimo e do Governo que não estão interessados em ver estes processos finalizados. O importante é que há consensos. Nós da Renamo estamos muitos satisfeitos porque conseguimos um feito histórico… Uma descentralização efectiva. Era impensável neste país falar de eleições provinciais.
Em Janeiro, terá lugar em Nampula a eleição intercalar. Qual é a sua expectativa?
Não gostaria de fazer campanha eleitoral por esta via. Mas eu conheço bem Nampula e tenho muitos amigos lá. Sei qual é o pensamento dos nampulenses, sobretudo depois da morte do Amurane. Eles querem saber quem matou o filho deles… foi o MDM?... foi a Frelimo?... os dois estão a ser responsabilizados. Portanto, nem a Frelimo, nem o MDM conseguirão votos em Nampula. Nós teremos uma maioria.
Fará campanha eleitoral em Nampula?
Infelizmente, não. Ainda estou aqui na serra da Gorongosa. Mas, através de teleconferências, estarei permanentemente ligado ao Município de Nampula.
Ainda sobre autarquias, o Governo alega que neste momento não há condições para a criação de novas autarquias. Mas há quem defende que o Governo da Frelimo teme criar novas autarquias porque está ciente que sairá derrotado. Qual é a sua opinião?
É exactamente isso. A resposta para esta pergunta está na pergunta. A Frelimo teme, efectivamente, que dada a sua impopularidade saia derrotada noutras autarquias por criar. O Governo não pode alegar que não há condições para se criarem novas autarquias porque o país é pobre. Aliás, a descentralização faz parte do desenvolvimento de uma sociedade, pois torna-a mais robusta. É uma estratégia política da Frelimo para continuar no poder. Em 2018 e 2019 tudo isso vai terminar pois vamos conquistar o poder e abrir espaços para a criação de novas autarquias. É preciso que os jovens e os partidos de oposição juntem esforços no sentido de derrubar a Frelimo para construirmos uma nação verdadeiramente democrática.
Num dos dias da última sessão da Assembleia República, tudo indicava que a Renamo apoiaria a eleição do Provedor da Justiça proposto pela Frelimo. À última hora houve uma reviravolta. O que aconteceu?
Nunca revelamos que a Renamo apoiaria o candidato da Frelimo. Seria uma traição ao povo moçambicano a Renamo votar num candidato da Frelimo para ser o Provedor da Justiça, uma figura que certamente irá trabalhar para defender os interesses da Frelimo em detrimento de mais de 25 milhões de moçambicanos, seria o fim da Renamo. O que aconteceu é que a Renamo, sabendo da necessidade de dois terços para a eleição do Provedor, uma fasquia muito longe da Renamo, decidimos não apresentar nenhum candidato, mas abrimos espaços para possíveis negociações com candidatos de outros partidos. Em nenhum momento garantimos que iríamos apoiar o candidato da Frelimo.
A Renamo esteve nos últimos tempos a fazer o levantamento estatístico dos seus membros. O que ditou este levantamento?
Continuamos a fazer. Precisamos de saber quantos somos e onde estamos. Precisamos de saber qual é a nossa força nos jovens, nas mulheres, nos académicos, enfim, nos moçambicanos em geral. Para nossa surpresa, os dados preliminares apontam que nos últimos tempos, principalmente depois do anúncio da trégua para cá, milhões de moçambicanos aderiram a Renamo, tanto nos campos assim como nas cidades. Os dados estão a ser informatizados pelo Secretariado-Geral do partido para a criação de banco de dados.
Em 2019 teremos eleições gerais. Irá concorrer?
Não sei. Não sou régulo. Sou político eleito nos congressos. Se o partido achar que ainda sou útil, irei concorrer. Lembre-se que eu nunca perdi as eleições. Sempre fui roubado e a Renamo sabe disso. Considero-me Presidente da República desde 1994. O que já fiz por este país e pelo meu partido, sem querer vangloriar-me, sinto que estou acima de um Presidente da República. Portanto, se o meu partido voltar a apostar na minha pessoa como candidato, seguirei em frente. Se a Renamo concluir que devo descansar, então irei à reforma.
O Presidente da República fez, recentemente, algumas mexidas no Governo. Vamos falar das mesmas, centrando-se na área militar e da polícia. Como analisa estas mexidas?
Não vou falar apenas das mexidas na Defesa e na Polícia. Vou falar em geral… Estas exonerações no Governo moçambicano, que são feitas de seis em seis meses, assustam-me. Penso que são feitas por emoção. Um líder deve estudar o historial das pessoas a quem confia um cargo. Deve colocar alguém no comando de uma direcção para satisfazer à comunidade. Ou há falta de coordenação na Frelimo ou há problemas internos graves. Por exemplo, há cerca de um ano foi colocada uma senhora num sector-chave para o desenvolvimento do país, estou a falar nos Recursos Minerais e Energia, uma senhora que pouco ou nada sabia do sector. Houve críticas por todos os lados. O meu irmão Nyusi saiu em defesa dela, e ela foi mantida no poder. Mas agora foi exonerada. As nomeações não podem ser baseadas em amiguismo ou favoritismo. É preciso estudar as pessoas.
O que mais me preocupa é a indicação do meu primo Pacheco para o cargo de Ministro dos Negócios estrangeiros e Cooperação. Eu conheço o Pacheco… Tem uma imagem negativa. Falar do Pacheco enjoa a qualquer pessoa neste país. Toda gente sabe o que ele fez quando era governador em Cabo Delgado, em assuntos ligados à madeira. Quando ele foi exonerado, toda a gente bateu palmas. Mas levar uma pessoa tão queimada e suja, como Pacheco e o colocar na diplomacia, é lamentável… é o fim da Frelimo.
Está na serra da Gorongosa desde Outubro de 2015. De algum tempo para cá, o seu aspecto físico parecia estar a indicar alguma debilidade. Está bem de saúde?
Estou! Fisicamente estou bem. Tenho tido dores de cabeça e malária com alguma frequência, dadas às condições adversas em que vivemos. Tirando estas duas doenças, estou bem. Como bem diariamente, tenho acesso a tudo o que é consumido nas cidades. Lamento o facto de estar sempre longe da minha família. Sabe que a minha primeira filha, a Isabel, faleceu no mês passado e, infelizmente, nem consegui enterrá-la. Foi dramático. Enfim, é o preço da luta pela democracia.
Está a terminar o ano, que mensagem aos moçambicanos?
Quero encorajá-los para se juntar a minha pessoa na luta pela melhoria da vida. Sei que muitos moçambicanos não vão poder comprar nesta quadra festiva nem sequer um frango ou um quilo de carne; que não terão capacidade para comprarem um refresco para os seus filhos. Portanto, vamos todos juntos investir para o bem-estar deste país. A nossa dignidade como povo e como seres humanos deve ser mantida. Um dia as nossas condições económicas e socias serão melhoradas. Boas festas para todos os moçambicanos!
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