Golpe de teatro de Putin testa primeiros tempos de Trump
O Presidente russo não respondeu às sanções dos EUA, ignorando Obama e obrigando Trump a definir mais cedo as relações com a Rússia.
João Ruela Ribeiro 30 de Dezembro de 2016, 18:16
Foto Vladimir Putin durante um discurso recente no Kremlin AFP/MICHAEL KLIMENTYEV
O ano termina com um novo episódio da crescente tensão entre os EUA e a Rússia. Washington anunciou que vai aplicar sanções contra dirigentes russos e expulsar espiões por causa da interferência de piratas informáticos com ligações ao Kremlin nas eleições presidenciais. O Presidente russo, Vladimir Putin, classificou a decisão norte-americana de “diplomacia irresponsável de trazer por casa”, mas optou por não ripostar, deixando a iniciativa do lado do próximo ocupante da Casa Branca, Donald Trump.
O Kremlin planeou um golpe de teatro que surpreendeu. Ao início da manhã desta sexta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, tinha anunciado a decisão de expulsar 35 diplomatas norte-americanos da Rússia. Na véspera, o Presidente norte-americano, Barack Obama, tinha anunciado a expulsão de 35 “agentes dos serviços de inteligência russos” e a aprovação de um pacote de sanções económicas dirigidas contra as duas principais agências de informação, o Directório Principal de Inteligência (GRU) e o Serviço Federal de Segurança (FSB), e três empresas suspeitas de terem apoiado as operações de pirataria. Foram ainda fechadas instalações de lazer frequentadas pelas famílias dos diplomatas russos nos EUA.
Putin recusa expulsar diplomatas americanos e espera por Trump
Washington acusa os serviços de informação russos de terem orquestrado uma operação de pirataria informática para acederem aos servidores do Partido Democrata e terem publicado emails do director de campanha de Hillary Clinton com o objectivo de prejudicar a eleição da ex-senadora. Moscovo diz que não há qualquer prova que suporte as acusações da Administração norte-americana.
Horas mais tarde, Putin revelou ter decidido não seguir a proposta de Lavrov, apesar de sublinhar que “a Rússia tem razões para responder” às sanções norte-americanas. “Apesar de termos o direito de retaliar, não iremos recorrer a esta diplomacia irresponsável de ‘trazer por casa’, mas iremos programar os nossos passos seguintes para restaurar as relações russo-americanas tendo por base as políticas da Administração Trump”, disse o Presidente russo.
Putin fez ainda questão de convidar os filhos dos diplomatas norte-americanos na Rússia para as festividades de Ano Novo no Kremlin. “Não iremos criar quaisquer problemas aos diplomatas dos EUA”, garantiu.
Ao optar por não responder às sanções de Obama, Putin acaba por alcançar dois objectivos. Por um lado, reforça a ideia de que o ainda Presidente norte-americano não exerce já qualquer poder real – a que acresce o acordo de cessar-fogo na Síria, em que Washington ficou de lado. “A reacção de Putin às sanções mostra efectivamente que ele sente que Obama acabou, pode ser ignorado e é Trump quem já desenha a política externa dos EUA”, escreveu no Twitter o editor da revista Foreign Policy, David Rothkopf.
Esta ideia esteve presente nas declarações de vários dirigentes russos. “Pensamos que decisões como esta da Administração em exercício, que vai estar em funções mais três semanas, têm dois objectivos: finalmente (irrevogavelmente?) estragar as relações EUA-Rússia e, obviamente, ter um impacto na política externa da futura Administração do Presidente eleito”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. De uma forma mais colorida, a conta oficial da embaixada russa no Reino Unido publicou uma imagem de um pato com a palavra “lame” (a expressão lame duck é usada para referir titulares de cargo em fim de mandato, quando já restam poucos poderes).
Ao mesmo tempo, Putin coloca a tónica do futuro das relações com os Estados Unidos em Donald Trump, com quem espera poder estabelecer ligações mais próximas do que com Obama. Caso respondesse com a expulsão de diplomatas ou com a aplicação de sanções, Putin poderia ainda arriscar um agravamento da tensão entre os dois países. Trump chega assim à Casa Branca com “Putin a ultrapassar as divisões e a dizer ‘vamos fazer isto juntos, vamos ignorar tudo isto e vamos em frente’”, disse à CNN a analista Jill Dougherty.
A decisão de manter as sanções ou removê-las fica nas mãos de Donald Trump, que terá logo nos primeiros tempos na Casa Branca o primeiro teste à nova etapa nas relações entre os EUA e a Rússia que diz querer abrir. Na quinta-feira, o republicano voltou a desvalorizar as acusações dos serviços de informação norte-americanos de que as agências russas estão por trás do ataque informático aos servidores do Partido Democrata. “Acho que devemos continuar com as nossas vidas”, afirmou Trump, deixando, no entanto, a garantia de que se vai reunir com os dirigentes dos serviços de informação na próxima semana.
Em termos teóricos, Trump pode reverter a acção executiva aprovada por Obama e travar a aplicação das sanções à Rússia. “Seria altamente incomum”, disse a conselheira de Obama para a Segurança Nacional e Contra-Terrorrismo, Lisa Monaco. “As sanções normalmente continuam em vigor até a actividade e as razões pelas quais foram aplicadas serem terminadas”, acrescentou.
Rússia quer expulsar 35 diplomatas americanos
O maior entrave de Trump pode estar no próprio partido. Senadores republicanos influentes como John McCain ou Lindsey Graham têm defendido uma postura mais dura em relação à Rússia por causa da suspeita de interferência nas eleições presidenciais. O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell disse que as sanções são “um bom passo inicial, embora cheguem tarde”.
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