Um garoto de quatro anos de idade se tornou o centro de uma polêmica entre seu pai e sua mãe - e também entre a Índia e o Paquistão, rivais históricos na Ásia que disputam entre si a região da Caxemira.
Iftikhar Ahmad esteve sob custódia policial, em uma cela na cidade de Ganderbal, na Caxemira indiana, por cinco dias no mês passado.
Ele não havia sido preso, mas seu pai, Gulzar Ahmad Tantray, havia – e Iftikhar se recusou a ir embora sem ele.
Tantray, que cresceu em uma aldeia em Ganderbal, foi para a parte da Caxemira administrada pelo Paquistão em 1990, alegando estar indo para fazer treinamento de armas no auge da insurgência contra a administração da Índia.
Ele retornou para a parte indiana de Caxemira no dia 17 de março, junto com Iftikhar, e foi levado pela polícia no dia seguinte.
Tantray foi libertado após pagar fiança no dia 22 e deixou a cela junto com Iftikhar.
Mas a mãe do menino, Rohina Kayani, que mora na parte da Caxemira administrada pelo Paquistão, acusou o marido de ter sequestrado a criança e fugido para o lado indiano.
A família de Tantray nega as acusações – e, na verdade, os dois lados sequer conseguem entrar em um acordo sobre a paternidade de Iftikhar. A correspondente da BBC em Nova Déli Geeta Pandey explica os dois lados da história.
Lado da mãe: Rohina Kayani (mora no lado paquistanês)
Rohina Kayani conta que se casou com Tantray em 2002 e, como os dois não tinham filhos biológicos, decidiram adotar Iftikar em janeiro de 2012.
"Eu perdi muitas pessoas da minha família durante o devastador terremoto de 2005. Entre os mortos estava meu irmão Iftikhar, então eu decidi colocar esse nome no bebê em homenagem a ele", disse a mãe.
"A criança trouxe imensa alegria às nossas vidas", disse ela.
Mas, segundo ela, no dia 12 de março o marido levou meu filho dizendo que iria a um casamento no Paquistão. "Ele disse que os dois retornariam no fim do dia", relatou Rohina.
No entanto, eles não retornaram. E, no dia seguinte, o celular do marido de Kayani estava desligado.
Depois de três dias de busca sem encontrar nada, ela ligou para os pais do marido, em Ganderbal.
"Foi aí que eu descobri que ele havia chegado ao Vale da Caxemira via Dubai. Eu não faço ideia sobre quando ou como ele conseguiu os documentos para viajar com a criança."
Ela, então, prestou queixa na polícia local, em Muzaffarabad, acusando o marido de ter sequestrado seu filho.
"Acho que eu nunca vou poder ver meu filho de novo", diz ela, com lágrimas nos olhos. "Ele era minha única esperança. Agora ele foi levado."
A ativista paquistanesa de direitos humanos Ansar Burney escreveu cartas para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e ao Alto Comissariado em Islamabad, pedindo a eles que devolvessem Iftikhar para a mãe o quanto antes.
"Isso é tráfico de pessoas", disse ele à BBC. "Se a criança tem um passaporte paquistanês, ela não deveria ser trazida de volta ao Paquistão?"
"O bem-estar da criança está acima de tudo. Acho que mãe é mãe, tenha ela dado à luz o filho ou adotado. Ele deveria voltar para casa o quanto antes."
A defesa da família Tantray (no lado indiano)
Já que Gulzar Ahmad Tantray esteve preso nos últimos dias, a BBC conversou com seu pai, Mohd Maqbool Tantray, na casa dele em Ganderbal. "Como poderia um pai sequestrar seu próprio filho?", questionou, acrescentando que as acusações contra seu filho eram "completamente falsas".
"Meu neto ama muito o pai, então ele veio para cá junto com ele", disse.
Gulzar Ahmad Tantray está entre milhares de jovens da Caxemira indiana que começaram a atravessar para o lado paquistanês depois de 1988 para se juntar aos campos de treinamento de militantes e lutar para se emancipar da Índia.
Desde novembro de 2010, quando o governo indiano anunciou "uma política para permitir o retorno de ex-militantes para os Estados de Jammu e Kashmir", centenas retornaram para casa, boa parte deles com suas famílias.
Mas além de toda a polêmica com o suposto sequestro, a família de Tantray nega que Iftikhar tenha sido adotado.
O irmão dele, Zubair, disse ao jornal The Indian Express que Gulzar tinha duas esposas no Paquistão e Iftikhar é filho de uma delas, que agora já morreu.
Ele afirma que Rohina Kayani é a madrasta do menino e é por isso que o pai decidiu levar o garoto consigo.
Polícia perdida
A polêmica mostra o quanto os dois lados da Caxemira – o indiano e o paquistanês – são divididos.
A região tem sido um ponto crucial da disputa entre Índia e Paquistão desde que foi separada em 1949 – e a viagem direta de um lado para o outro é proibida.
O que a polícia deveria ter feito em Ganderbal com o garoto de 4 anos que se recusou a sair da cela do pai e que se recusou também a ficar com a família de Tantray por não ter intimidade com ninguém dali?
O menino não foi acusado de nada, os policiais disseram. Mas os oficiais acabaram ficando sem saber o que fazer.
"Como podemos prender um garoto de quatro anos? Ele pode ir para onde quiser. Mas ele não quer sair", afirmou o policial Asif Iqbal a um jornal local.
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