TEMA DA SEMANA 2 Savana 08-04-2016
fender a ideia de um diálogo no
meio do fogo?
Se não há outra maneira. Se a Renamo
deixasse de disparar contra a população,
não haveria necessidade de
se proteger a população porque não
haveria fogo.
A propósito disso, o África Confidencial
publicou recentemente, e citando
quadros de topo na Frelimo,
que o Presidente Nyusi está a perder
paciência com a intransigência
do líder da Renamo, e não descarta
a opção militar como forma de
obrigar Afonso Dhlakama a ir ao
diálogo. Diz a publicação britânica
especializada em assuntos africanos
que Joaquim Chissano e Armando
Guebuza reaproximaram-se politicamente
e estarão em sintonia
com a estratégia de encurralamento
militar da Renamo, reduzindo, por
isso, a perspectiva do Presidente
Nyusi de manter um timbre mais
conciliatório com Dhlakama...
Eu nunca conversei com o Presidente
Nyusi sobre esse assunto. Nunca lhe
dei nem um palpite sobre esse assunto.
Toda a filosofia que está nessa
publicação é da responsabilidade dos
autores. Aliás, já há muito tempo que
não tenho conversado com o Presidente
Nyusi. Talvez com o presidente
Guebuza não sei, mas eu não (risos).
Académicos como Gerhard Liesegang
consideram que a militarização do Estado moçambicano é uma
ameaça veemente à paz que, por sinal,
o próprio Chefe de Estado diz
que quer…
O que quer dizer com militarização
de um Estado?
Nomeadamente a aquisição de mais
meios bélicos, num cenário que se
confunde com preparação à guerra,
quando o discurso oficial é pela paz.
O nosso país tem Forças Armadas
em número aquém das Forças Armadas
até acordadas no próprio Acordo
de Roma. A Força que Moçambique
tem é muito pequena, sobretudo, se
comparada com as Forças Armadas
que nos rodeiam. Em qualquer país,
a gente chega lá e encontra uma For-
ça enorme, mesmo a Suazilândia e
o Lesotho que são países pequenos,
sem falar já de Malawi, Tanzânia,
etc., e Moçambique tem uma Força
que não é compatível com o tamanho
do país, com os problemas que o país
possa enfrentar. Então, havendo condições,
não é nenhum exagero que se
tenha de melhorar. Eu não consegui
fazer isso porque estávamos numa
situação de penúria grande, mas era
preciso melhorar as condições dos
próprios soldados, em termos de
meios para viver, mas também em
termos de armamento. Os soldados
devem sentir-se preparados para, em
caso de necessidade, poderem enfrentar
situações. Agora são chamados
a defender o povo, como eu disse.
Se calhar é disso que a Renamo está a
abusar, tipo não são capazes, portanto
pode ditar o que o Estado deve fazer.
Pode ser isso. O Estado tem de estar
minimamente preparado, mesmo em
termos de material bélico para
defender o Estado e defender a
Constituição e o povo.
Como acompanhou as recentes
Citado como estando em
sintonia com o Presidente
Filipe Nyusi e o ex-presidente
Armando Guebuza,
numa estratégia de encurralamento
militar da Renamo como forma de
obrigar Afonso Dhlakama a ceder
ao diálogo, o antigo Presidente da
República, Joaquim Chissano, diz
que o Governo não deve recuar das
suas incursões armadas, naquilo
que chama de “diálogo no meio do
fogo”. O signatário do Acordo Geral
de Paz (AGP), que em 1992 colocou
fim a uma fratricida guerra de
16 anos, não vê a aquisição de mais
meios bélicos como militarização
do Estado, mas sim uma forma de
munir o exército de condições para
enfrentar qualquer que seja a situação.
Apesar disso, o considerado
arquitecto da paz em Moçambique
acredita que um dia o país voltará
a respirar tranquilidade e, para tal,
recomenda persistência e dirige um
desafio particular ao povo que diz
ser uma força imparável: sair à rua
e apontar onde é preciso apontar.
Numa outra abordagem, Joaquim
Chissano confirma que teve liga-
ções com a KGB, um serviço de
inteligência da antiga União Sovié-
tica. Admite que chegou a fornecer
informações sobre Moçambique
à KGB, mas nega que tenha sido
espião, como tal. Interpelámo-lo
em Addis Abeba, na Etiópia, onde
participou da semana de Desenvolvimento
Africano, edição de 2016
que terminou esta terça-feira, 05 de
Abril. Siga a entrevista que aborda
outras nuances sobre o país e o continente.
SAVANA: Que lições tira das reflexões
feitas nesta reunião conjunta e
anual, sobretudo em como desenvolver
o continente?
Chissano: Primeiro quero esclarecer
que estou aqui como Presidente do
Fórum África para os Antigos Chefes
de Estado e de Governo e outros
Dirigentes. A União Africana e a
Comissão Económica das Nações
Unidas para a África mostraram interesse
em trabalhar com o Fórum
porque este apoia as actividades dos
Estados representados na União
Africana e também nas Nações Unidas.
É por isso que ambos decidiram
convidar-nos para esta reunião conjunta
e anual como forma também
de dar uma plataforma para o nosso
Fórum poder se reunir e fazer reflexões
sobre as suas próprias actividades.
Foi mais para acompanharmos
para quando chegar a altura de eles
precisarem de algum apoio do nosso
lado, nem que seja para fazer uma advocacia
dos assuntos que discutiram,
nós também estarmos minimamente
dentro dos assuntos, mas também é
uma forma de atrair a nossa atenção
e vontade de seguir os assuntos deles.
Portanto, somos convidados para esta
reunião, como a própria União Africana
convida muitos de nós para as
suas cimeiras.
E o que achou das várias reflexões?
O assunto que está em primeiro lugar
nesta nossa cooperação é a implementação
da agenda 2063 para
o desenvolvimento harmonioso e
acelerado de África. Nós já começamos
a fazer a advocacia desta causa
e viemos aqui reunir e falamos sobre
como podemos realmente ser mais
relevantes e decidimos que no mês
de Setembro vamo-nos reunir com
mais tempo para melhor desenhar a
estratégia da União Africana e a Comissão
Económica das Nações Unidas
para a África. Nesta reunião, os
ministros das Finanças, dos Assuntos
Monetários e Planificação e do Desenvolvimento
Económico trocaram
impressões. Tentaram precisar um
pouco o papel que cada país e região
deve desempenhar e achei muito interessante.
Os painéis que se apresentaram
tinham variadíssimos assuntos
muito interessantes que valerá a pena
nós acompanharmos com mais profundidade
para podermos estar capacitados
a seguir. Nós, enquanto Fó-
rum, não temos nada a realizar, mas
vamos encontrar formas realmente
de sermos mais relevantes através da
advocacia como levar a nossa media
a interessar-se no assunto porque é
preciso criar um espírito positivo para
a realização desta Agenda porque,
contrariamente àqueles que pensam
que é uma Agenda muito ambiciosa,
eu sou da opinião daqueles que pensam
que é possível realizar muita coisa
da Agenda.
Mas que TPC para que Moçambique
consiga a domesticação dos desafios
que são vários?
Eu penso que o Governo de Moçambique está atento e a Agenda
2063 é do interesse não só de uma
abordagem continental ou global,
mas também do interesse das especificidades
dos países. Para além do
Governo, entanto que sociedade civil,
entanto que Fórum, podemos encontrar
formas de aprofundar isto para
que cada cidadão contribua na sua
implementação. Portanto, é preciso
que haja participação de todos, não
excluir ninguém não significa só nos
benefícios, mas também no processo
de reflexão e de implementação. O
que se quer é que todos tenhamos o
espírito aberto para receber as opiniões e fazê-las convergir cada vez mais
para podermos executar e traduzir em
prática.
Mas a execução vai ter de depender
de um elemento que se chama paz,
uma paz que em Moçambique está
beliscada…
É possível porque a Agenda 2063 fala
de uma África em paz consigo própria, então, a questão da paz faz parte
da realização da Agenda e mesmo
aqui (Addis Abeba) durante a minha
estadia e mesmo no nosso Fórum, a
discussão que tivemos foi de passar
em revista as diferentes situações de
conflitos que existem na África porque
é importante termos essa paz e
os meus colegas estão a reflectir sobre
como podem contribuir para trazer a
paz em cada um dos países que estão
em conflito incluindo Moçambique.
São conflitos de vária natureza, temos
a questão do Burundi, do Sudão
do Sul, do Sudão do Norte, temos a
questão de Moçambique, da República Centro Africana, tudo isso se
passou em revista, até em países que
estão em paz, mas que há problemas
do reforço e consolidação da democracia.
Tudo isso preocupa a nós todos.
Mas com esses esforços conjuntos,
poder-se-á resolver os problemas
desses países, incluindo Moçambique.
Portanto, tem de se afastar essa
questão de conflito no caminho do
desenvolvimento.
O povo deve sair à rua
Mas como afastar? Há-de reparar
que, no caso específico de Moçambique,
há cerca de quatro anos que
há apelos ao diálogo, há marchas
pela paz, há conferências sobre a
paz, mas ao invés de se alcançar a
paz, cada vez mais se alcança a guerra.
Eu acredito que um dia voltaremos a
viver uma paz efectiva em Moçambique.
Com que solução acredita?
Não sei qual é a solução, o que sei é
que a persistência na busca da paz só
pode resultar na reconquista da paz.
E quando falo de persistência não
estou a falar da persistência do Governo
ou da Renamo, estou a falar da
persistência do povo, um povo que
exige de uma maneira cada vez mais
acentuada que haja paz. Um povo que
cada vez mais sai à rua, saem as vozes,
apontam onde é preciso apontar e
essa é uma força que não pode ser parável.
No meio desse processo, há-de
se encontrar uma solução. Não pode
não haver solução.
Acha que o povo hoje está a exigir
pouco?
O povo não está a exigir pouco, mas
está exigindo progressivamente da
sua maneira.
O principal impasse hoje ao diálogo
em Moçambique é a aceitação da
Igreja Católica, da União Europeia
e do presidente Jacob Zuma da África
do Sul como mediadores. Com a
experiência que tem como ex-estadista
e como mediador de conflitos,
como olha para este impasse sobre o
qual muitos académicos dizem que,
apesar dos doutoramentos que têm,
não entendem a sua razão de ser?
Eu olho com muito respeito para
aqueles que estão a fazer esta discussão
porque é preciso medir as consequências
de tudo porque não basta
que uma das partes exija para se aceitar.
É preciso ter-se uma perspectiva.
Será que, aceitando isto, a Renamo
não vai exigir outra coisa? Porque já
vimos exigências disto e mais aquilo.
Então, é preciso saber-se profundamente
como agir em torno das propostas
que estiverem na mesa, depois
de tomar decisão.
Mas o senhor, enquanto Presidente
da República, aceitou muitos desafios
da Renamo em nome da paz!
Ou não se recorda?
Eu tive de aceitar muitos desafios
que a Renamo me colocava, mas tinha
de prever os resultados e como
contorná-los, por isso, o Governo
deve ter informação suficiente para
julgar tudo isso. Por exemplo, a União
Europeia não é um Estado, são muitos
Estados. Ora, como é que se age
com uma União Europeia? Tudo isso
tem de ser estudado, não estou a dizer
que não ou que sim, mas tem de ser
estudado e ao se reflectir tem de se
ter muitos dados. Certamente que o
Governo deve estar a fazer consultas,
se não está a fazer é porque já deve
ter uma visão, mas não é um assunto
fácil. Eu não sei o que iria fazer
a União Europeia, quem é a União
Europeia? Não sei se a Renamo quer
transformar este diálogo entre dois
num assunto internacional.
Fogo deve continuar
Uma pergunta de insistência: tendo
em conta o cenário actual, marcado
por mortes e destruições, que medidas
o Presidente da República podia
tomar a curto prazo?
Bom, eu não quero aparecer a fomentar
o uso da força, mas a primeira
medida que um Governo toma é realmente
fazer tudo que é necessário
para proteger a população. Se há autocarros
que são destruídos na estrada,
se há impedimento de circulação
de pessoas e bens, portanto, uma violação
de direitos humanos, a primeira
coisa que um Estado faz é proteger
essas pessoas enquanto procura outra
forma. Nós tivemos o diálogo com a
Renamo e a fórmula foi que o Governo
continuou a defender tanto
quanto podia a população e os bens
do povo, a defender o próprio do Estado,
enquanto se dialogava porque
a vida e os direitos das pessoas estão
em primeiro lugar, depois é que são
os direitos de partidos. O diálogo de
1990-1992 fez-se no meio do fogo.
Não parou a luta porque o Governo
estava consciente de que tinha o
dever de defender a população e não
podia recuar de qualquer maneira.
Fizemos o que nós podíamos e salvamos
até onde pudemos.
Só para esclarecimento, está a deJoaquim
Chissano ao SAVANA
Diálogo sim, mas com fogo!
Joaquim Chissano defende que o Estado deve proteger o povo
TEMA DA SEMANA Savana 08-04-2016 3
rusgas a duas casas de Dhlakama e à
sede nacional da Renamo?
É um direito do Governo recolher
armas que estão em mãos alheias
porque o único que tem direito de
possuir e utilizar as armas é o Estado.
Nenhum partido, nem o partido que
está no poder, tem direito de utilizar
armas, quem tem esse direito é o Estado.
É preciso que não haja confusão
entre Estado e partido.
O General Hama Thai é da opinião
de que não há problemas em se indicar
governadores da Renamo para
algumas províncias. Concorda com
esse posicionamento do seu camarada
de partido?
É prerrogativa do Chefe de Estado
nomear governadores e a Constituição
não diz que os governadores
devem vir de um determinado sítio,
portanto, se o Presidente entender
que deve nomear governadores que
são da Renamo numa determinada
província pode nomear. Em princípio
não há problema nenhum, mas uma
imposição ao Chefe de Estado de nomear
determinadas pessoas para serem
governadores, isso é que sai fora
das normas.*%
A 19 de Março último, a Revista “E”
do Expresso português publicou
uma investigação com documentos
de um trabalho que revela muitos
dos métodos de human intelligence,
pesquisa na qual o Presidente Joaquim
Chissano é citado como um
antigo espião da KGB com o código
“TZOM”. Pode partilhar com o
SAVANA, em primeira mão, esse
outro percurso seu até então desconhecido?
Sim, existe uma ligação e essa ligação
foi que eu fui treinado militarmente
na União Soviética e um dos assuntos
em que eu fui treinado foi precisamente
na inteligência para podermos
penetrar na zona inimiga. Falo dos
portugueses. Fomos treinados para
isso, portanto, tivemos um relacionamento
nessa formação e é verdade
que eu dava alguma informação sobre
a nossa luta.
Está a dizer que dava informação
sobre a Luta de Libertação de Mo-
çambique aos soviéticos?
Sim, tinha de dar, mas não era tanto
como eles falam de espião. Era com
intuito de beneficiarmos de mais
apoios da parte da União Soviética.
Bom, se calhar lá eles tratavam assim
(de espião), mas eu nem conhecia
esse código, não conheço, por isso
estou interessado em ver esses documentos
porque eu não sei como eles
tratavam os assuntos lá. Mas era meu
dever como líder da Frelimo criar
condições óptimas para ter o apoio
dos países parceiros nossos. Portanto,
longe de uma coisa que se possa
chamar de espionagem. Não andava
a abrir portas de ninguém (risos) para
poder cumprir um mando da KGB.
Mas é verdade que através da KGB
recebíamos dinheiro, não era para
mim, era para a Frelimo, para ajudar-
-nos a realizar o nosso trabalho de inteligência
e contra inteligência, para a
protecção da própria Frelimo e para a
busca de informações do outro lado.
Tudo que fizemos foi um trabalho
interno para a Frelimo com o apoio
da KGB. No início eu até pedi para
ver se eles nos podiam ajudar, na base
daquilo que aprendemos, a estruturar
os trabalhos, mas eu aprendi nesses
contactos que é difícil ter um serviço
de inteligência de um país a ajudar a
instalar algo, apesar de que nós não
éramos um país ainda, éramos um
movimento de libertação. Mas eu
aprendi muito desse relacionamento
para montar serviços que eram muito
adequados para a nossa luta de libertação.
Uma das conexões que a pesquisa do
Expresso faz tem a ver com a morte
do Presidente Samora Machel. Há
ex-agentes entrevistados que apontam
a KGB, com a qual o (antigo)
Presidente Chissano teve ligação,
como promotora do fatídico acidente
de Mbuzine com conivência
de quadros da Frelimo e o (antigo)
Presidente Chissano era também
quadro do partido. Quer comentar?
Isso é mera especulação. Hei-de ver
esse artigo porque ainda não vi o
que estão a dizer porque sei lá pode
ser um sonho. Passaram-se quantos
anos! Isso de que estão a falar foi
nos anos 1966, eu a trabalhar com o
presidente Samora até à morte dele
em 1986 e, nessa altura, eu não tinha
já relação nenhuma com a KGB. Eu
dava as informações durante a Luta
de Libertação Nacional e termina aí
e nem foi durante toda a luta.
A propósito podia nos situar em termos
temporais da sua colaboração
com a KGB?
Nós fomos treinados em 1966 e eu
tive de enviar algumas informações
de 1966 talvez até 1968 antes da
morte do Presidente Mondlane com
quem eu sempre trabalhei neste assunto.
Quero crer que depois da morte
do presidente Mondlane mais um
ou dois anos podia ter tido contacto
com eles para tentar esclarecer-lhes o
meu ponto de vista sobre a morte de
Mondlane.
Porque se desvinculou da KGB?
Eu começo a perder de facto interesse
quando vi que a parte da formação
já não era tão profunda e isso resulta
também na mudança do pessoal que
estava na embaixada da União Sovi-
ética em Dar-es-Salam (Tanzânia)
que era ponto focal que servia de
contacto a quem eu mandatava para
em primeiro lugar, o que eu disse,
tentar obter apoios à organização
dos nossos serviços e com esperança
também de aprofundar o meio treino.
Mas como houve sempre uma rela-
ção com a União Soviética e porque
também eu nem sei quais são os elementos
da organização (KGB) podia
falar talvez mais tarde com pessoas
sem saber que são da KBG, pode
ser, pode ser… por isso, interessa-me
conhecer esses documentos para eu
conhecer melhor como é que eles me
utilizaram, se é que me utilizaram (risos)
sem eu próprio saber, pode ser…
porque eu fui treinado nisso e sei que
isso se faz, de utilizar pessoas sem elas
saberem, nos serviços secretos tanto
do ocidente como do leste.
Então, não descarta a hipótese de
ter sido usado na morte do presidente
Samora?
Descarto completamente porque não
há base para isso. Nem como! Primeiro
a minha própria relação afectiva
com o Presidente Samora, não sei
como usariam. Porque se quiserem
que eu vos diga, nesse tempo que
eu estava a dar informações sobre a
nossa Luta, descobri que o Presidente
Samora nunca foi um grande problema
para os Soviéticos, mas não sei
se as coisas teriam mudado, não sei.
Senão os Soviéticos não teriam dado
o apoio que nos deram como material
de grande valor que os chineses
não nos podiam fornecer e era o Presidente
Samora que orientava tudo
isso. Portanto, tinham confiança no
Presidente Samora.
Acha que é possível uma operação
tipo Lava Jacto do Brasil ou como
aquela que “apanhou” o presidente
da África do sul, Jacob Zuma, num
país chamado Moçambique com
muitos negócios mal parados como
a EMATUM ou ultimamente a tal
empresa estatal PROINDICUS?
Bom, cada país resolve os seus problemas
da melhor maneira que possa
salvaguardar a sua integridade. Como
em Moçambique se pode encarar os
problemas que surgem sem realmente
atingir consequências adversas,
esse é que é o problema que se tem de
colocar, não copiar apenas só porque
no Brasil se fez isso e na África do
Sul aquilo. Portanto, eu não sei em
que bases se pode realizar isso.
TEMA DA SEMANA 4 Savana 08-04-2016 TEMA DA SEMANA
chocou a todos os moçambicanos.
Contudo, fomos surpreendidos
com novas revelações reportadas
pela comunicação social sustentando
que, além dos USD850 milhões,
ligados à mesma operação
da EMATUM, o governo contraiu
mais USD787 milhões (...). Esta
situação faz com que a dívida tenha
passado para cerca do dobro
tornando-se num negócio ruinoso
e altamente lesivo ao Estado (...)”,
sublinha Ivone Soares, requerendo
que o debate seja agendando com
“carácter de urgência”.
Adívida contraída pelo
governo de Armando
Guebuza para a compra
de barcos da EMATUM
e equipamento naval é bem mais
superior que os USD850 milhões
inicialmente declarados, refere o
Wall Street Journal (WSJ).
Documentos divulgados pelos
bancos suíço Credit Swisse e russo
VTB, instituições financeiras
que lideraram a venda de títulos de
dívida que financiaram a operação
EMATUM, revelam que o executivo
dirigido por Guebuza endividou-se
em mais USD787 milhões,
através de uma outra empresa, supostamente
para despesas de equipamento
de protecção marítima.
Não são só os moçambicanos que
são apanhados de surpresa pela revelação
de mais um financiamento
para um negócio já totalmente desacreditado.
Os investidores que compraram
os títulos de dívida do “negócio
EMATUM” também foram apanhados
em contrapé. Não sabiam
que o país se endividou muito para
lá do que lhes tinha sido inicialmente
dito, escreve o WSJ.
A EMATUM é uma empresa estatal,
controlada em 34% pelo Instituto
de Gestão das Participações
do Estado (IGEPE) e em duas
parcelas de 33% pela Empresa Mo-
çambicana de Pescas (EMOPESCA)
e Gestão de Investimentos,
Participações e Serviços (GIPS),
ligada aos Serviços de Informação
e Segurança do Estado (SISE).
Para a imprensa internacional que
se dedica a assuntos económicos, o
“caso EMATUM” expõe Moçambique
como um caso de estudo. O
título do estudo podia ser: “O perigo
que os investidores internacionais
correm na pressa pela compra
de dívida de países de transparência
altamente duvidosa”.
A Reuters escreve mesmo que os
investidores dos títulos da EMATUM
não sabiam sequer que o seu
dinheiro seria usado para a compra
de material militar. Foi-lhes dito
que o crédito se destinava inteiramente
à compra de navios de pesca
de atum e que se tratava de um
negócio altamente lucrativo e, por
isso, seguro.
“Porque é que isto não foi revelado?”,
reagiu, segundo a Reuters,
Marcus Boeckmann, gestor de
dívida de mercados emergentes
na Candriam Investors Group in
London, que participou na votação
da proposta de renegociação da dí-
vida da EMATUM sem estar a par
do outro empréstimo.
De igual modo, o país está mais
endividado do que se pensou e os
investidores não terão, em termos
substantivos, maiores ganhos que o
esperado, apesar de nominalmente
irem arrecadar mais juros.
Com a dívida já consolidada de
USD1.637 milhões contraídos em
2013, Moçambique viu a sua dí-
vida disparar 25% para seis biliões
de dólares. Com a vertiginosa queda
do metical, o serviço de dívida
“Ematum gate” é pior do que se pensava
agravou o ónus das obrigações do
tesouro moçambicano.
As duas entidades bancárias que lideraram
a venda de títulos de dívida
da EMATUM consideram que
a má classificação que Moçambique
obteve nas últimas avaliações
feitas por instituições de notação
financeira dá-lhes o direito de exigir
o pagamento imediato de todo
o empréstimo. No total, dentro do pacote financeiro
associado à EMATUM,
Maputo embolsou 1.637 milhões
de dólares, incluindo a parcela dos
USD787milhões obtida através
de uma firma identificada como
Proindicus.
A Proindicus é detida pelo Ministério
da Defesa, através da Monte
Binga, uma empresa inicialmente
detida em partes iguais (50%)
pelo Estado e por alguns influentes
generais do exército. Mais tarde a
Monte Binga passou a ser detida a
100% pelo Estado, quando outros
generais reclamaram fazer parte do
banquete.
Para além da Monte Binga, a
Proindicus é participada pelos Serviços
de Informação e Segurança
do Estado (SISE). O crédito amealhado
terá sido usado para a compra
de navios e radares destinados à
patrulha marítima.
Ao que tudo indica, Maputo conseguiu
a aprovação pelos credores
da proposta de pagamento de
14.4% de taxas de juro até 2023,
ano em que será liquidado o capital,
com os dividendos que o Estado
espera arrecadar da produção do
Gás Natural Liquefeito.
Ao abrigo do anterior acordo, os
USD850 milhões da dívida da
EMATUM deviam ser reembolsados
num período de sete anos, com
apenas dois anos de graça, a uma
taxa de juros de 8.5%.
Apesar de a Credit Suisse e o VTB
terem escondido a existência de
mais uma dívida até à aprovação
da proposta de renegociação, o
acordo sugerido aos investidores já
contemplava o envelope financeiro
que ainda não tinha sido dado a
conhecer aos detentores de títulos
de dívida.
Nesta terça-feira, o Conselho de
Ministros ratificou o acordo de
reversão dos títulos da dívida comercial
da EMATUM em dívida
soberana detida pelo Estado. Assim,
os títulos da dívida comercial
da EMATUM (USD850 milhões)
vão ser assumidos pelo Estado mo-
çambicano.
Para os doadores estrangeiros, que
prestam ajuda orçamental a Mo-
çambique, o aparente fracasso em
divulgar a dívida adicional pode ser
desestabilizadora.
Enquanto os doadores estão ansiosos
em apoiar os reformistas dentro
da administração Nyusi, particularmente,
o ministro das Finanças,
Adriano Maleiane, grandes lapsos
de governação e transparência,
como a Proindicus poderão comprometer
os desembolsos da ajuda. A bancada da Renamo, a segunda
maior força parlamentar, acaba de
requerer um debate na Assembleia
da República e com a presença do
Governo para que o Executivo de
Filipe Nyusi “explique ao povo qual
a real dívida pública, a viabilidade
e sustentabilidade da EMATUM”.
Num requerimento assinado pela
chefe da bancada da Renamo, Maria
Ivone Soares, e submetido nesta
quarta-feira à Presidente da AR,
Verónica Macamo, o maior partido
da oposição lembra que, na sessão
de perguntas ao Governo, o Executivo
argumentou que a dívida de
USD850 milhões era sustentável,
o que, segundo o partido de Afonso
Dhlakama, não correspondia à
verdade, “uma vez que o próprio
Governo envolveu-se em negocia-
ções com os credores com vista a
renegociar essa mesma dívida por
falta de capacidade para saldá-la,
visto que não houve estudo para tal
projecto”.
“A quantia de USD850 milhões 8m dos maiores escândalos
de corrupção
mundial denunciado
neste domingo, por
vários jornais do mundo, denominado
Panama Papers, mostra
a ligação de investidores a projectos
previstos ou em curso nos
países africanos de língua portuguesa.
A investigação foi realizada por
centenas de jornalistas. Foram
analisados 11,5 milhões de documentos,
provenientes da empresa
de advogados panamiana
Mossack Fonseca, especializada
em gestão de capitais e patrimó-
nios.
Moçambique, Angola e Cabo
Verde aparecem como potenciais
beneficiários de actividades
das empresas offshore suspeitas,
mas apenas o ministro angolano
de Petróleos é citado como estando
ligado à empresa Mossak
Fonseca, que está no centro do
escândalo.
A investigação realizada pelo
Consórcio Internacional de Jornalistas
de Investigação (International
Consortium of Investigative
Journalists, ICIJ) não
revela, por agora, o envolvimento
de Botelho de Vasconcelos
em actividades ilícitas.
Os investigadores dizem ser ele
o proprietário do Medea Investments
Limited e de estar ligado
ao Estúdio Legal Roca & Associados.
De acordo com o documento,
a 6 de Março de 2002, Botelho
de Vasconcelos teria colocado a
Medea Investments Limited no
seu nome com um valor de um
milhão de dólares.
Em 2016, a empresa constituída
inicialmente em Niue, um país-
-ilha no Oceano Pacífico, foi
inactivada e transferida para a
Samoa.
Em ambos os casos, a empresa
foi transformada em acções ao
“portador”, ou seja, a favor de
José Botelho de Vasconcelos, o
que torna mais difícil seguir os passos
da mesma na óptica dos investigadores.
Entretanto, os autores da investiga-
ção reiteram ao longo do texto que
não é ilegal ter uma empresa offshore,
desde que as suas actividades
sejam devidamente contabilizadas
e auditadas.
Num gráfico interactivo com base
nos dados revelados pelo ICIJ, o
jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”
e mais de uma centena de outros
órgãos de comunicação social,
Angola é referido como tendo um
cliente do Mossak Fonseca, que se
acredita ser o ministro dos Petró-
leos, 10 companhias relacionadas a
empresas offshore, 18 beneficiários
e 40 accionistas ou “lavadores de
dinheiro”, que podem ou não ser
angolanos.
Moçambique também aparece citado
e com três clientes, mas os
documentos revelados não citam
qualquer nome, nem o país aparece
na lista da investigação.
Entretanto, no gráfico interactivo,
Moçambique surge com três
companhias, 10 beneficiários e 18
accionistas.
Cabo Verde, cujo nome também
não aparece na investigação, aparece
no gráfico como tendo interesses
de 27 potenciais “lavadores de
dinheiro”, ou seja, accionistas de
empresas com relações à Mossak
Fonseca.
As fontes acreditam que esses beneficiários
têm interesses no arquipélago,
como o caso da empresa
Profile Group, do Dubai, que há
anos tem previsto um resort chamado
Cesária Évora na ilha cabo-
-verdiana de São Vicente.
Fora do continente africano, Brasil
é o país mais citado, com a conhecida
operação Lava Jato a ser alvo da
investigação.
As denúncias indicam que há 1399
empresas ligadas à Mossak Fonseca,
40 clientes, 292 beneficiários e
1656 accionistas.
Por seu lado, Portugal tem 244
companhias, 23 clientes, 35 beneficiários
e 255 accionistas com investimentos
ligados à empresa
panamenha.
“Panama Papers” expõe companhias
offshore e fornece detalhes
das transacções financeiras
ocultas de 128 políticos de todo
o mundo, entre eles 12 antigos e
actuais líderes mundiais.
O ICIJ divulgará a lista completa
das empresas e pessoas
ligadas à Mossak Fonseca no
início de Maio. A investigação desencadeou
crises políticas em alguns pa-
íses. Noutros, como Panamá,
México e Espanha, foram prometidas
investigações para averiguar
se o uso de “offshores” foi
legal ou não.
Mas os Panama Papers mostram
que há trabalho de casa
por fazer, ainda que a fuga de
informação diga respeito a 40
anos de actividade da Mossack
Fonseca. Uma actividade que
passou em grande parte pelas
Ilhas Virgens Britânicas, onde
a firma de advogados especializada
na gestão de fortunas e
activos offshore ajudou a criar
pelo menos 113 mil empresas,
em esquemas que nalguns casos
ajudaram os proprietários a beneficiar
de regimes fiscais mais
vantajosos, mas que em muitos
outros terão servido para encobrir
actividades criminosas.
O arquipélago, de 28 mil habitantes
e 15 ilhas habitadas, é
um dos 14 territórios ultramarinos
que o Reino Unido herdou
do Império e que, tendo
optado por não se tornar independentes,
estão sob soberania
britânica, ainda que tendo governo
e leis próprias. Boa parte
deles, das ilhas Caimão às
Bermudas, transformaram-se
em paraísos turísticos e fiscais,
destino preferido pelos dois
motivos das grandes fortunas,
lícitas e ilícitas.
(SAVANA e agências internacionais)
Moçambique e Panama Papers.
TEMA DA SEMANA Savana 08-04-2016 5
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6 Savana 08-04-2016 SOCIEDADE
Uma auditoria levada a cabo
pelo Tribunal Administrativo
(TA), o auditor
das contas do Estado, revela
uma gritante falta de observância
das regras na Empresa de
Desenvolvimento de Maputo Sul
(EDMS), a firma responsável pela
construção da Circular de Maputo
e da Ponte de Katambe. A Autoridade
Tributária (AT) e a Direcção
provincial das Obras Públicas na
Zambézia também foram encontrados
na teia dos que gastam milhões
sem observar do estipulado
na legislação em vigor.
As constatações do TA vêm expressas
no Relatório sobre a Conta
Geral do Estado (CGE) 2014 que
ainda deverá ser alvo de debate na
II Sessão da VII legislatura da Assembleia
da República que está em
curso. O Parlamento havia agendando
para hoje e dia 11 do corrente
mês do debate da CGE, mas
a pedido da Renamo a discussão
do documento foi adiado para a II
parte da III Sessão que começa a
15 de Junho. O pedido da Renamo,
segundo uma nota enviada à nossa
Redacção pela Comissão Permanente
da Assembleia da República,
visa dar tempo aos deputados para
se inteirarem ainda mais sobre o
documento, que promete acalorados
debates na chamada Casa do
Povo.
Maputo Sul
Segundo o TA, o contrato para a
construção da circular de Maputo,
que se encontra na fase final, foi
executado sem o visto do Tribunal,
o que constitui uma infracção
financeira prevista na alínea b) do
nº1 do artigo 93 da lei nº26/2009,
de 29 de Setembro.
O contrato foi de 315.1 milhões
de dólares celebrada entre a Administração
Nacional de Estradas
(ANE) e a empresa China Road
and Bridge Corporation (CRBC).
“No âmbito do mesmo contrato foi
adiantado um valor de dois milhões
de dólares, equivalente a 61.7 milhões
de meticais, por meio de um
acordo de gestão, entre as duas empresas,
e não através de uma adenda,
como estatui a alínea b) do nº1
do artigo 54 do regulamento antes
cintado (regulamento de contrataVários
milhões de dólares aplicados à margem das regras
Pontapés à lei na Maputo Sul
-Autoridade Tributária e Direcção provincial das Obras Públicas na Zambézia na lista dos prevaricadores
ção pública)”, lamenta o TA.
Outro contrato que foi executado
sem o visto do TA é o da constru-
ção da chamada ponte Katembe.
O contrato com a empresa chinesa
CRBC foi de 725.80 milhões de
dólares e está em execução desde
Junho de 2011.
No entanto, houve um outro contrato
rubricado com a empresa Betar
Consultores, no valor de 23,28
milhões de dólares, visado pelo TA,
após o pagamento de 11.9 milhões
de dólares. Contudo, este contrato
foi cancelado em Junho de 2014,
porque, segundo a carta de referência
nº486/EDMS/CA/2014, de 10
de Junho, “os serviços objecto deste
(contrato) estão cobertos pelo contrato
EPC assinado entre a Maputo
Sul e a CBRC”. Mas, após o
cancelamento do contrato, os auditores
do TA constataram que foram
ainda pagos USD2.8 milhões.
O Fórum de Monitoria do Orçamento
(FMO), que também analisou
estes números, insta a Procuradoria
Geral da República e o
Gabinete Central de Combate à
Corrupção (GCCC) a investigarem
o caso.
Autoridade Tributária
Sobre a Autoridade Tributária, o
TA faz notar que esta instituição
efectuou a fiscalização directa de
dez obras no valor de 29.6 milhões
de meticais, uma operação que
contraria o preceituado no nº2 do
artigo 48 do regulamento de contratação
pública, segundo a qual a
fiscalização directa só poderá ser
efectuada nos casos de contratação
de empreitadas de obras de pequena
dimensão, o que não é o caso.
“São de pequena dimensão as obras
cuja estimativa de preço seja inferior
a 15% do limite estabelecido
nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo
90 (3.5 milhões), o que corresponde
a 525 mil meticais”, sublinha o TA.
A direcção provincial das Obras
públicas e Habitação na Zambézia
também não ficou atrás no atropelo
à lei. Adiantou um pagamento cerca
de seis milhões de meticais a um
empreiteiro, referente a um contrato
de 15.6 milhões de meticais,
sem a prestação da “correspondente
garantia”. Segundo o TA, a direc-
ção provincial das Obras públicas
e Habitação na Zambézia violou o
regulamento da contratação pública
que veda o pagamento de adiantamentos
sem apresentação de uma
garantia.
Ainda na direcção provincial das
Obras públicas e Habitação na
Zambézia, o TA afirma que não foram
prestadas garantias provisórias
e definitivas, nos processos de três
contratos, no valor de 54.7 milhões
de meticais.
(Redacção)
Ponte da Katembe
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10 Savana 08-04-2016 SOCIEDADE SOCIEDADE
Perdeu a vida na madrugada
da quarta-feira, 06,
numa das clínicas privadas
da cidade da Beira,
capital provincial de Sofala, Dom
Jaime Pedro Gonçalves, arcebispo
emérito da Diocese da Beira.
Afectuosamente tratado por Dom
Jaime, morreu aos 78 anos de idade
vítima de doença, de que padecia
há mais de quatro anos.
Nascido a 26 de Novembro de
1938, no distrito de Buzi, província
de Sofala, Dom Jaime foi consagrado
Bispo diocesano da Beira em
1976, para oito anos depois, isto é,
em 1984, ser promovido a arcebispo
da Beira, função que exerceu até
2012.
Foi como arcebispo da Beira que
Dom Jaime, para além de pregar
a palavra de Deus, dedicou as suas
forças à busca da paz para o seu
país.
Na luta pela paz, Dom Jaime Gon-
çalves, na companhia de Dom Alexandre
dos Santos, arcebispo de
Maputo, desafiou Samora Machel,
em 1982, e disse ao então estadista
moçambicano que a única forma
de alcançar a paz era através de negociações
com a Renamo.
Nas suas memórias publicadas no
livro: “A paz dos Moçambicanos”,
Dom Jaime lembra que a abordagem
irritou Samora Machel,
levando o estadista a afirmar que
os bispos católicos queriam que
o Governo se entendesse com os
bandidos armados.
No livro, Dom Jaime conta que,
por causa do seu “atrevimento”, Samora
Machel acusou a Igreja Católica
de tentar obrigar o Governo
a negociar com “assassinos, ladrões,
marginais, raptores, drogados e
anti-sociais, vendilhões da pátria
e inimigos implacáveis do povo
moçambicano”. Machel encerrou o
encontro acusando a Igreja Católica
de ser anti-patriota.
Por causa da sua persistência pela
pacificação de Moçambique, Dom
Jaime Gonçalves e outros bispos
católicos foram submetidos a interrogatórios
pelo então ministro
de Informação, José Cabaço, alegadamente
porque a Igreja Católica
estava a igualar o Governo
aos bandidos armados, quando nas
suas cartas pastorais referia que a
paz que o povo quer depende da
Frelimo e da Renamo.
Mesmo perante estas adversidades
e o risco de ser declarado persona
non grata e ser acusado de colaborar
com a Renamo pelo Governo,
Dom Jaime não desistiu de aproximar
as partes ora em conflito.
Sem aval do Governo, Dom Jaime
procurou formas de estabelecer
uma linha de diálogo com a Renamo.
Para tal, era preciso encontrar
um interlocutor válido da parte da
Renamo, o que se mostrou tarefa
bastante complicada.
Foram necessárias várias viagens
Jaime Gonçalves: 1938 – 2016
Um Dom pela paz
Por Raul Senda
para diversas capitais africanas, europeias
e até aos Estados Unidos
da América.
Na sua obra, Dom Jaime conta que,
depois de vários contactos, recebeu
a confirmação, a partir da Alemanha,
de que podia encontrar-se
com Afonso Dhlakama, no dia
03 de Junho de 1988, na cidade
de Lubumbashi, província de Katanga,
República Democrática de
Congo.
Mesmo sem saber o que encontraria
pela frente, Dom Jaime empreendeu
a arriscada viagem, onde
horas depois, em pleno voo, veio a
saber que o encontro não seria no
ex-Zaire, mas dentro do território
moçambicano.
A avioneta que levou Dom Jaime
ao encontro com Dhlakama aterrou
cerca das 18:00 horas daquela
data no meio de uma floresta densa
e com luzes apagadas, numa pista
de aterragem iluminada por lanternas.
Materializado o encontro com
Dhlakama, o desafio era fazer chegar
a informação ao Presidente Joaquim
Chissano, já que o mesmo
foi à revelia do Governo.
Dom Jaime temia que pudesse ser
preso ou morto acusado de colaboração
com o inimigo de então.
Contudo, em nome da paz e do
sofrimento do povo moçambicano,
Dom Jaime reuniu-se com Dom
Alexandre dos Santos, ganharam
coragem e foram ao encontro do
Presidente Chissano para informá-
-lo sobre o sucedido.
Para a satisfação dos dois líderes
religiosos, Joaquim Chissano foi
receptivo e de imediato iniciaram-
-se contactos que desaguaram nas
negociações de Roma que, por sua
vez, culminaram com os acordos de
paz, assinados a 04 de Outubro de
1992.
Perda irreparável
A morte de Dom Jaime deixou vá-
rias esferas da sociedade moçambicana
consternadas. O Presidente
da República, Filipe Nyusi, lamentou
a morte de Dom Jaime, considerando
que o país perdeu um dos
seus compatriotas que muito fez
“para vivermos em paz”.
Para o presidente da Renamo,
Afonso Dhlakama, o país perdeu
um grande irmão na medida em
que, Dom Jaime Gonçalves, para
além de ser uma pessoa dedicada a
igreja, também dedicou a sua vida e
carisma para a pacificação de Mo-
çambique.
Sublinha que, em representação da
Igreja Católica, Dom Jaime teve
um papel fundamental na constru-
ção da democracia em Moçambique.
Dhlakama destacou a deslocação
que o prelado fez à base central da
Renamo, em 1988, nas matas de
Maríngwe, no auge da guerra civil,
para lhe persuadir a pautar pelo di-
álogo para a resolução do conflito
armado, que por aquelas alturas tinha
deixado o país de rastos.
Nesse encontro, conta Dhlakama,
o arcebispo lhe transmitiu o sentimento
e sofrimento dos moçambicanos
por causa da guerra a enalteceu
a importância de diálogo, facto
que foi prontamente aceite pelo
líder da Renamo.
Dhlakama também destacou os
dois anos e meio que Dom Jaime
Gonçalves viveu em Roma, em
representação da Igreja Católica,
durante as negociações do Acordo
Geral de Paz.
Lembrou que conheceu o arcebispo
da Beira, antes de se filiar ao
movimento armado, Renamo, em
1976, nas primeiras missas realizadas
pelo Bispo na cidade da Beira.
Termina o seu depoimento referindo
que Dom Jaime foi um conselheiro
da Renamo e da Frelimo e
com o seu desaparecimento físico
a Igreja Católica tem o desafio de
encontrar uma figura pacificadora
do nível das suas habilidades para
dar prosseguimento a causa da luita
pela paz.
Raul Domingos, o chefe da delegação
da Renamo nas negociações
de Roma, recorda que viveu vários
momentos com Dom Jaime.
Estiveram juntos em Roma, durante
as negociações de paz e guarda
do religioso a memória de uma
pessoa comprometida com a pacificação
do país.
Para Raul Domingos, a sua morte
deixa um grande vazio na sociedade
moçambicana e na Igreja Cató-
lica.
“Foi com muita tristeza que recebi
a notícia da morte de Dom Jaime,
um conciliador, aconselhador, pai e
irmão”, lamentou o chefe da delegação
da Renamo nas negociações
de paz em Roma.
Para Raul Domingos, o processo
de paz consistiu basicamente na
busca de confiança entre as partes,
um requisito que muitas vezes faltava,
mas que o religioso se empenhou
em promover.
Graças à intervenção de Dom Jaime
Gonçalves, foi possível que os
negociadores conseguissem ultrapassar
muitos pontos de discórdia
e avançar para a paz, lembra Domingos.
Conta que foi Dom Jaime Gon-
çalves que, nos momentos mais
difíceis e em plena guerra, ganhou
coragem e desafiou o regime da
Frelimo, advertindo para a necessidade
do diálogo como a única via
para se alcançar o entendimento
entre irmãos desavindos.
Ao mesmo tempo, penetrou nas
matas da Gorongosa e Marínguè,
à noite, à procura de Afonso
Dhlakama para falar-lhe da necessidade
do diálogo, visando pôr fim
ao conflito armado.
“Graças à capacidade de persuasão
de Dom Jaime, quer o governo da
Frelimo, quer a Renamo acataram
o seu apelo, sentaram-se à volta da
mesma mesa e negociaram para
o fim da guerra que durava há 16
anos em Moçambique”, assinala o
político.
Para Raul Domingos, “calou-se
uma voz que sempre se preocupou
com a paz”.
Raul Domingos disse que quando
deixou a cidade da Beira, Sofala,
em 1980, com 22 anos, para integrar
a Renamo, já ouvia falar de
Dom Jaime. Porém, só em 1990,
em Roma, é que teve contacto com
o arcebispo.
Recorda que foi um momento
emocionante na medida em que, a
partir daquele encontro, conseguiu
a primeira comunicação com os
pais, que não se materializava há
mais de 10 anos.
“Nesse encontro, pedi-lhe para
informar os meus pais que eu estava
vivo, mandei cartas e minhas
fotografias. O bispo levou o recado
e procurou os meus pais na igreja
onde rezavam. No seu regresso à
Roma, trouxe notícias dos meus
pais e isso marcou-me bastante”,
disse.
Para António Muchanga, porta-
-voz da Renamo, a morte de Dom
Jaime representa uma grande perda
para a sociedade moçambicana, na
medida em que, em vida, o arcebispo
foi sempre uma grande fonte de
inspiração.
Ao longo da sua vida, Dom Jaime
sempre soube servir a sociedade e
Deus e, como mediador, cumpriu o
seu papel na íntegra até Moçambique
alcançar a paz, depois de 16
anos de guerra.
“Foi com muita tristeza que recebemos
a notícia da sua morte.
Acreditávamos que, apesar da sua
idade, Dom Jaime podia ainda
despender as suas energias e dar o
seu apoio de forma directa ou indirecta,
para o restabelecimento do
processo de paz”, disse.
Muchanga lamentou o facto de o
arcebispo ter perdido a vida antes
de o Governo responder à petição
da Renamo para o envolvimento
da Igreja Católica na mediação do
conflito.
O reverendo Marcos Macamo,
presidente do Conselho Cristão
de Moçambique, diz que, em vida,
Dom Jaime Gonçalves foi uma figura
que sempre ensinou a sociedade
a fazer e a conviver com a paz.
Sublinha que Dom Jaime dedicou
grande parte do seu tempo, nas últimas
décadas, à busca de uma paz
efectiva para o país, pelo que o seu
legado deverá ser imortalizado.
“A melhor forma de imortalizar
este grande homem é pegar nos
seus ensinamentos, nas causas das
suas lutas e transformá-las em realidade
prática”, disse.
Lutero Simango, chefe da Bancada
Parlamentar da Renamo, entende
que os moçambicanos devem saber
valorizar o legado de Dom Jaime.
Uma das formas de fazer valer a
sua herança é não calar e continuar
a lutar contra as injustiças. Uma
delas é impedir que os moçambicanos
peguem em armas para matar
outros moçambicanos.
Para Simango, Dom Jaime não se
calava perante o desrespeito pelos
outros, sempre lutou pela justiça
e a essa luta juntou a palavra de
Deus.
“A forma de ser e de estar de Dom
Jaime em vida deixou claro que
não nos podemos manter constantemente
no silêncio, porque o
silêncio mata”, observou o político.
Dom Jaime
Savana 08-04-2016 11 PUBLICIDADE SOCIEDADE
12 Savana 08-04-2016 SOCIEDADE
Acidade da Beira reformulou
900 nomes, a
maioria coloniais e ligados
à luta de libertação
nacional, com uma nova toponímia
que reescreve a história da
segunda maior cidade de Mo-
çambique, atribuindo nomes de
avenidas gigantes da cidade ao ex-
-chefe de Estado, Joaquim Chissano,
ao líder da Renamo, Afonso
Dhlakama, e ao próprio presidente
da autarquia, Daviz Simango.
Com votos a favor da maioria do
Movimento Democrático de Mo-
çambique (MDM, 30 membros
da Assembleia Municipal), a lista
integra ainda figuras como Uria
Simango, pai do líder da autarquia
e fuzilado em 1979 por alegada
traição à Frelimo de que foi fundador,
o ex-número dois da Renamo
e negociador do Acordo Geral
de Paz, Raul Domingos, assim
como o constitucionalista franco-
-moçambicano Gilles Cistac, assassinado
por desconhecidos em
Maputo, em 2015.
Afonso Dhlakama ganhou a EN6,
desde o Maquinino até Inhamizua,
governando assim a principal
entrada da cidade da Beira, que
passa agora a ostentar o seu nome.
Já Joaquim Chissano, antigo Presidente
de Moçambique, e Nelson
Mandela, primeiro Presidente da
África do Sul pós-apartheid, vão,
de acordo com a proposta, figurar
nas principais avenidas do coração
da cidade da Beira.
Segundo a proposta, que terá ainda
de passar pela Assembleia provincial
e depois ao Conselho de
Ministros, antes de seguir para a
administração estatal, constam da
nova lista de nomes para avenidas
e ruas da Beira Alberto Chipande
(conhecido como o “autor do primeiro
tiro” contra o colonialismo
português), Graça Machel (activista
e viúva do primeiro Presidente
moçambicano, Samora Machel,
e também de Mandela).
A lista inclui ainda Lurdes Mutola
(campeão olímpica), Chiquinho
Conde (ex-futebolista), Josina
Machel (heroína nacional), Carlos
Cardoso (jornalista assassinado
em Maputo em 2000), padre Mateus
Guendjere, David Mazembe,
Sebastião Mabote, Marcelino
dos Santos (histórico fundador
da Frelimo), Joana Simeão, Filipe
Magaia, Feliciano Gundana, Papa
João Paulo II (que realizou uma
visita histórica à Beira), também
a presidente da Liga dos Direitos
Humanos, Alice Mabota, entre
outros.
Alguns nomes aprovados na nova
toponímia da Beira não são consensuais
para a Frelimo (partido
minoritário na Beira, 16 membros),
que classifica o processo de
uma afronta “à atmosfera política
do país”, adiantando que o país
tem nomes de qualidade na arena
política, desportiva, cultural, jornalística
e de produção afastados.
Chissano, Dhlakama e Daviz entram para nova toponímia
MDM reescreve história da Beira
Por André Catueira, na Beira
Enquanto o governo e a
Renamo ainda debatem
sobre a eliminação ou não
das pré-condições para
dialogarem e restabelecerem a paz
e a estabilidade no país, o som das
armas vai falando mais alto e ceifando
milhares de vidas a cada dia.
Isidio Júlio Bila, jovem formado
em Jornalismo, que decidiu abraçar
a carreira militar, é uma das vítimas
mais recentes desse conflito, cuja
morte foi alvo de muitos comentá-
rios nas redes sociais, desde o passado
sábado.
A comunidade católica de Josefina
Bakhita, localizada no bairro
de Malhazine, foi pequena demais
para acolher na quarta-feira, 06,
familiares, amigos e colegas, que
foram dar o último adeus a Isidio
Bila.
Segundo fontes familiares, Bila
perdeu a vida na passada quarta-
-feira, 30 de Março, depois de ter
saído gravemente ferido numa
emboscada que os militares da
Renamo infligiram às Forças Armadas
de Defesa de Moçambique
(FADM) na terça-feira passada, 29
de Março.
Conta ainda a família que a equipa
das FADM seguia viagem rumo a
Satunjira, Gorongosa, quando, no
meio do percurso, foi surpreendida
por um ataque dos homens da
Renamo. No local, houve mortes
e feridos, dos quais uma parte veio
também a morrer já no leito hospitalar.
A informação da morte do seu
ente-querido chegou na noite da
Isidio Bila: mais uma vítima de uma guerra absurda
Por Argunaldo Nhampossa
passada quarta-feira, 30 de Março.
Um oficial das FADM dirigiu-se à
família para apresentar os pêsames
em nome do Governo e falar dos
passos subsequentes para a realiza-
ção das exéquias fúnebres.
Na ocasião, a família do malogrado
diz que o oficial das FADM falou
de terem tombado oito elementos
das tropas governamentais juntamente
com Isidio.
Mas, dias depois, a família contactou
um colega do malogrado, que,
por sinal, saiu vivo da emboscada,
que falou de duas dezenas de soldados
das FADM que perderam a
vida.
Na passada sexta-feira, a Voz da
América e a Deutsche Welle falavam
nos seus noticiários de fortes
ataques à Serra da Gorongosa, com
artilharia pesada.
Esta terça-feira, a capital do país
registou um movimento desusado
de ambulâncias acompanhadas por
viaturas da PRM que, de acordo
com as nossas fontes, transportavam
alguns militares tombados naquela
batalha, cujos corpos estavam
a ser entregues às respectivas famí-
lias, para as exéquias fúnebres.
Morte prematura
Isidio Bila formou-se em Jornalismo
pela Escola Superior de
Jornalismo. Em Maio de 2015.
Voluntariamente, foi incorporado
no Serviço Militar Obrigatório
(SMO), no Centro de formação de
Munguine, no distrito da Manhiça,
província de Maputo com o intuito
de defender a pátria.
Em Outubro do mesmo ano, concluiu
a formação e depois de ter
testemunhado o nascimento do seu
filho, que hoje conta com quatro
meses, foi chamado para reforçar
a equipa das FADM no centro
do país, donde volta, agora, numa
urna, semeando dor e luto na família.
Como ilustra o seu trajecto,
Bila ainda não tinha experiência
como combatente, mas lá foi colocado
para enfrentar militares que
há mais 20 anos premem o gatilho
e com alto domínio daquelas matas.
Na mesma proporção que a imprensa
vai relatando as mortes
nesta confrontação, vozes governamentais
não cessam de dizer que
“saudamos efusivamente o trabalho
das FDS”.
A última aparição de Bila nas redes
sociais foi a 23 de Março, depois de
ter postado uma foto na sua conta
do Facebook, onde aparece com
uniforme das FADM, empunhando
uma AKM, e num dos comentários
dizia “garantindo tranquilidade
em Muxúnguè”.
Perante a ovação e espanto dos seus
amigos que não sabiam que enveredou
pela carreira militar, o finado
responde ainda a outro comentário
dizendo: “cada um de nós tem o
dever de dar um pouco de si com
vista à preservação e manutenção
da paz... faça a sua parte que eu já
faço a minha”. E foi nessa missão
que nunca mais voltou e deixou vi-
úva e um filho.
Durante a missa do seu velório,
na comunidade católica Josefina
Bakhita de Malhazine, o padre
João Aruna disse que, aos olhos de
Deus, todos os Homens são irmãos,
mas as ambições dos dirigentes fazem
com que se tornem inimigos.
“A morte de Isidio resulta duma
guerra não declarada. Resulta da
arrogância dos dirigentes que ainda
não enxergaram a luz que os chama
para dialogar”, disse.
O sacerdote recordou que o país
viveu 16 anos de guerra, que gerou
muitos órfãos e hoje ninguém mais
esperava que retornasse, porque
ainda há muitas feridas por sarar.
“A guerra não resolve nada, pelo
contrário, gera brutalidade numa
clara caminhada em contra mão em
relação aos anseios do povo, que são
a paz e desenvolvimento”, destacou.
Para além da formação em Jornalismo
e da sua carreira militar,
Isidio Bila foi um jovem muito dedicado
à igreja, onde colaborou na
criação de um boletim informativo
paroquial, catequista entre outras
actividades.
Na mensagem da família, esta suplicou
a Deus para iluminar a viúva,
o filho que tem o longo caminho
por percorrer nesta vida. Falou das
boas acções do finado e apelou ao
governo para que encontre caminhos
rumo à paz para evitar mais
mortes desnecessárias.
Familiares prestam última homenagem a Isidio Bila
“Garantindo tranquilidade em Muxúguè” comentou Isidio no seu facebook
Savana 08-04-2016 13 PUBLICIDADE SOCIEDADE
Plan International, Inc é uma organização humanitária orientada para
o desenvolvimento comunitário centrado na criança, sem afiliações religiosas,
políticas ou governamentais. A visão da Plan é de um mundo em
que todas as crianças alcançam o seu potencial pleno nas sociedades que
respeitam os direitos e dignidades das pessoas. A Plan é uma organização
de igualdade de oportunidades de emprego e pretende recrutar para o seu
quadro de pessoal, as seguintes posições:
1. Gestor(a) da Unidade de Programas
Nº de Vagas: 2,
Local: Inhambane e Nampula
Tarefas:Todos candidatos devem ter elevado cometimento com os Direitos e
Protecção da Criança assim como com a Igualidade do Gênero.
ENCORAJA-SE A CANDIDATURA DE MULHERES e PESSOAS
PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA:
Candidatos com perfil adequado, estão convidados a enviar os seus CV’s
acompanhados por uma carta de candidatura com indicação de três referências,
para plan@eprecruitafrica.com até ao dia 20 de Abril de 2016.
Consulte outras vagas na Plan no site 1118 *, ,/#. ,# 8 )' .
Nota: Todas candidaturas a serem enviadas para o endereço electrónico,
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ANÚNCIO DE VAGAS
14 Savana 08-04-2016 Savana 08-04-2016 15
NO CENTRO DO FURACÃO
Continua na Pág. Seguinte
Em Moçambique as opiniões
sobre o racismo e as marcas do
tempo colonial podem mudar
de acordo com a geração, de
acordo com quem viveu o apartheid e
quem nasceu depois da independência.
“Podemos dizer que fomos colonizados
por um país periférico — e isso
dá uma mentalidade periférica”.
Relações improváveis
Ickx Kwizera é fruto de uma “relação
improvável” no seu país. O pai era
ruandês, tutsi, que em 1976 foi para
Moçambique trabalhar com os movimentos
de libertação africana. Foi
convidado pela Frelimo para ajudar
no processo pós-colonial. A mãe é de
origem goesa, emigrou com os pais
para Moçambique quando era nova e o
facto de ter casado com um negro “foi
uma coisa altamente improvável para
a família e para a sociedade” na altura,
explica o filho.
Ickx usa muitas vezes palavras e expressões
em inglês, cresceu num ambiente
internacional. “Não tenho as
feições do mulato. Pareço mais somali,
etíope. Às vezes existe aquele olhar,
mas eu não ligo. As pessoas não pensam
que tenho um pai negro. Então é
engraçado a perspectiva de como lidam
contigo em relação a raças.”
Ouviu muitas vezes palavras de espanto
por a mãe se ter casado com um
negro. Ouviu também chamarem-lhe
“monhé” quando era miúdo. Hoje é comum
ouvir na rua que quem é indiano
tem mais dinheiro, porque há vários
moçambicanos de origem indiana nos
negócios — e houve até uma onda de
raptos recente que atingiu estas comunidades.
A sala de jantar e de estar da casa de
Ickx está cheia de fotografias. É um
apartamento no centro de Maputo,
numa das avenidas mais movimentadas
e cobiçadas pelos grandes negó-
cios. A empregada traz para a mesa o
almoço. Ele vai mostrando as fotos antigas,
passando os álbuns, apontando
para as molduras. Numa delas aparece
com a irmã na Avenida Julius Nyerere,
a zona que tem as casas mais luxuosas,
hotéis, embaixadas e onde fica o
famoso Hotel Polana. “Os meus pais
sempre me levavam ao Polana ao fim
do dia quando iam beber o seu drink.
Aqui estou eu a aprender a nadar.”
Aos 28 anos, este relações públicas tem
imensas actividades, além de organizar
eventos como festivais, fazer traduções
ou aluguer de casas turísticas. A sua
empresa chama-se Yes — Young Entrepeneurial
Solutions. Ele circula entre
a classe média-alta. Há uns anos,
essa mesma classe média-alta estava
mais interessada em usar marcas internacionais,
nota. Hoje, depois de alguns
desfiles de moda e até algumas lojas
internacionais comercializarem roupa
com tecidos africanos, o imaginário
afro passou a estar na moda, disso ele
não tem dúvidas.
Num festival de música que organizou
em Maio, estava a designer criativa e
activista cultural Witnei Alda Chamusso.
Ela tenta, com o seu trabalho
na empresa Wumburi, “promover e
empoderar a cultura moçambicana
através da arte”, através do design de
roupa, através da poesia e da literatura.
São estes temas que explora, um pouco
para divulgar e espalhar a informação
sobre a cultura moçambicana,
que “corre o risco de se perder”. Ela é
uma jovem que usa tecidos de capulanas
para desenhar saias com cortes
modernos ou para os enrolar na cabeça
como turbantes, de forma tradicional.
Já foi entrevistada pela CNN
por causa do projecto Wumburi. “Vejo
que os mais velhos ficam muito felizes
(com a recuperação que faço da cultura
tradicional), porque isto foi algo que
se perdeu muito. Do lado dos jovens,
também houve uma recepção positiva,
mas há outros que dizem: ‘Estamos a
tentar seguir a globalização e queres
levar-nos de volta para aquilo que a
gente passava há muito tempo’.”
Witnei Alda Chamusso e Eliana
Nzualo são fundadoras da Wumburi,
que visa “promover e empoderar a
cultura moçambicana através da arte”
No fundo há uma geração que, mesmo
sendo jovem, continua com determinados
preconceitos sobre a cultura africana
e o que ela representa, atribuemlhe
conotação negativa. Witnei viveu
em Tóquio, viveu na África do Sul e
foi quando se afastou de Moçambique
que descobriu “que não sabia muito” da
sua cultura.
A Wumburi é também fundada pela
amiga Eliana Nzualo (n.1991), escritora
que trabalha numa empresa de
comunicação. “Em geral temos muitas
referências ocidentais naquilo que é a
arte, o belo”, comenta Eliana Nzualo
na FEIMA, a Feira de Artesanato de
Maputo — é um parque onde vários
feirantes têm produtos tipicamente
moçambicanos à venda, de capulanas a
cestos ou chapéus e sacos de verga; há
quem os pendure nas árvores, criando
uma imagem onírica com os padrões
africanos dos tecidos estampados nas
malas de palha suspensas. De cabelo
muito curto e pintado de loiro, Eliana
Nzualo faz parte de uma geração de
moçambicanos que estudou fora, viajou,
traz influências cosmopolitas, tem
informação sobre o que era o colonialismo
e consciência do que significou
para as relações raciais. Moçambique
é um país jovem, em que 65% dos
25 milhões de habitantes têm menos
de 25 anos e 45%, menos de 15 anos.
“Tento usar o turbante duas, três vezes
por semana. Temos o turbante para
grandes cerimónias, é raro as pessoas
usarem-no a uma segunda-feira.
Queremos tornar isso algo normal. E
aprender a usá-lo sempre.”
Quando vai ter com os clientes de
turbante, eles adoram, conta. É certo
que a área de marketing e publicidade
é mais aberta, mas Eliana nota que aos
poucos há um renascimento do que é
africano. Vai também crescendo o “afropolitan”,
ou seja, o cruzamento entre
o afro e o cosmopolita ocidental que
se nota fortemente em algumas zonas
de Maputo.
Ambas consideram que existem tensões
raciais em Moçambique. Witnei
lembra um episódio num chapa
(carrinha de transporte público onde
raramente os brancos entram) em que
um negro estava sentado, entrou um
branco e pediram ao negro para ele se
levantar. A discriminação nota-se em
várias coisas: “Vais a um restaurante e
põem o preto à espera, porque o preto
não tem a cultura de reclamar. Isso
vem do tempo do colonialismo, em
que a gente tinha de aceitar o pouco
que nos era dado: se reclamasse, estava
a reclamar de algo que muitos outros
não tinham.”
Para Eliana, existe “alguma tensão” racial,
que “não é gritante, mas há muitas
microagressões na forma como
lidamos com raça”. Explica: “Há uma
sobreposição ao nível das classes. Há
uma classe dominante que fica com
certo poder. É muito raro ver uma pessoa
branca que trabalha para uma pessoa
negra. Então cria-se a ideia de que
o branco é rico, tem dinheiro, come de
garfo e faca.” As microagressões passam
por coisas como o facto de amigos
de Eliana se espantarem por ela ter
uma cozinheira mestiça (“quanto mais
claro, maior o poder”).
Ela que trabalha com arte já viu
muita gente fazer preços diferentes
para brancos e negros, partindo do
princípio que “os negros não sabem o
que é arte” e o branco “tem dinheiro”.
Situações idênticas têm dado origem
a críticas de racismo de brancos para
negros, um conceito com o qual, de
resto, Eliana discorda porque “não existe
racismo de uma pessoa negra para
uma pessoa branca”, defende. “Racismo
é algo institucionalizado. O branco
continua a ter poder. A discriminação
que uma pessoa negra sofre é todos os
dias, em quase todas as esferas da sua
vida. A discriminação que um branco
pode sofrer é um episódio isolado de
um único dia ou de um local específico
— mas o branco continua a ser a norma,
continua a ser a referência a nível
de beleza, de estilo de vida porque
fala uma língua ocidental, tem mais
capacidade de viajar e um passaporte
que o leva a mais lugares do que o meu
passaporte”.
Foi quando saiu de Moçambique que
Eliana percebeu “que era preta”. Já tinha
tido amigos na escola portuguesa
cujos pais não gostavam que as filhas
namorassem com negros ou colegas
que faziam comentários racistas. Mas
só mais tarde, quando cresceu, é que
tomou consciência de que tinha sido
racismo o pai de uma amiga ter dito
“que os pretos só eram giros quando
nasciam”.
Depois começou a trabalhar e deuse
conta de que posições de liderança
eram reservadas a pessoas brancas. Experienciou
mais episódios de “microagressões”,
conta. “No meu antigo local
de trabalho, pedi demissão sabendo
que queria agarrar outra oportunidade.
E o chefe disse: ‘Sabes que é muito
difícil para nós encontrar quadros
moçambicanos de qualidade como tu.’
Para ele, aquilo era um elogio. Mas eu
senti-me ofendida porque na cabeça
dele não existem moçambicanos com
capacidade.” E nota as diferenciações
em outras áreas, como a literatura.
Acha, por exemplo, que Paulina Chiziane,
“uma grande escritora moçambicana
que usa as histórias típicas
moçambicanas, é posta de lado face a
alguns escritores brancos”. Isto porque
ainda “é mais fácil digerir uma história
africana escrita por um branco, como
Pepetela ou Mia Couto, do que uma
história negra escrita por um negro”.
Trata-se de algo que reflecte “uma
certa preguiça de perceber o que é o
colonialismo e do que significa ser
colonizado”. No fundo, “a independ-
ência não se dá de um dia para o outro”
e Moçambique ainda está a viver esse
processo. “São centenas de anos em
que fomos treinados a pensar de certa
forma.”
Diferenças geracionais
Ela é da geração que não viveu o colonialismo
mas tem “as cicatrizes desse
tempo”. Eliana sabe que a experiência
de racismo da geração mais velha
“é muito mais forte” do que a dela e
também é mais “a preto e branco”. Para
eles, nesse tempo, havia “um racismo
visível, evidente”. Havia segregação,
havia até um bairro que se chamava
“indígena” (e que ainda hoje é referido
assim). “Claro que percebo que para
uma pessoa nos seus 50 e muitos anos
o racismo já não é um problema.”
A geração de Eliana vê sinais discriminatórios
que pessoas de uma
outra geração encaram como menos
pesados. Epifânia Langa (n. 1992),
economista, não tem dúvidas de que a
herança colonial é forte em Moçambique.
“Podemos não ter vivido, mas os
nossos pais carregam dentro deles essa
realidade.”
Epifânia acredita que o racismo é
sentido de maneira diferente entre os
mais novos “porque as expectativas são
diferentes”, sublinha. “As expectativas
de tratamento da minha mãe em
relação a um português vão ser relativamente
menores porque ela tem ideia
do que é o sofrimento, aquela discriminação
forte que existia na altura de
não se poder sentar numa mesa de um
restaurante, de não poder entrar numa
loja. Nós, da nova geração, temos expectativas
muito maiores. A pessoa
mais velha não vai questionar o seu salário,
enquanto o jovem vai. A expectativa
da geração mais nova é ganhar
muito mais espaço do que tem agora.”
Até aos anos 2000, o patronato era
sobretudo branco, analisa a jovem
economista, e ainda hoje é sobretudo
assim. “A emergência de um patronato
moçambicano é recente. A imagem do
patronato que carregamos no nosso
inconsciente é de uma pessoa branca,
e o respeito é maior quando ele é
branco porque se impõe como tal. Do
lado de portugueses, ainda acontece
aquele pensamento de que existe uma
raça que é superior — não conseguem
perceber que um moçambicano pode
gerir uma loja, não ser só servente.
É uma luta que está a ser travada e a
pouco e pouco a situação há-de melhorar.
Então existe racismo. Mas está
a ser cada vez mais reprimido porque
a nova geração tem uma maneira de
pensar diferente, entende o seu lugar, o
seu papel como moçambicano.”
Transformar diferença em
defeito
“Racismo é negar que o outro seja
diferente e transformar a diferença
em defeito: ser negro é um defeito, é
ser inferior”, comenta Francisco Noa,
doutorado em Literaturas Africanas
de Língua Portuguesa com a tese
Literatura Colonial. Representação e
Legitimação — Moçambique como
Invenção Literária. Com grande convicção
nas suas opiniões, o também reitor
continua: “É como se o negro fosse
obrigado a abdicar da sua condição. É
por isso que tivemos a assimilação.”
Francisco Noa acha que a questão
racial tem sido um tabu em Moçambique
e “quando emerge é imediatamente
abafada como se fosse algo
politicamente incorrecto”, nota. “O
colonialismo português também foi
um pouco puritano ao se considerar
não racista e isso acabou por dar azo
ao luso-tropicalismo.” Porém, não tem
dúvidas sobre o seu carácter racista,
algo que até está impresso na obra de
grandes intelectuais do século XIX:
“Oliveira Martins, Ramalho Ortigão,
o próprio Eça de Queirós tiveram discursos
racistas em relação a África e
isso está documentado”, sublinha.
O discurso de Salazar era quase sempre
paternalista, indo buscar as teorias
do luso-tropicalismo “para branquear
e adocicar o racismo”. O exemplo que
essas teorias vão buscar é do mestiço,
mas como nota Francisco Noa “muitas
dessas relações não eram normais,
eram relações absolutamente espúrias”.
Ao reitor assusta que em Portugal
muitas vezes o discurso resvale para
o facto de o colonialismo português
ser mais suave, “o que não é verdade”.
“Havia um racismo institucionalizado.
A questão racial ficou congelada.” E
permanece mesmo que de forma subconsciente,
aparecendo nos momentos
de conflitos sócio-económicos, políticos.
No entanto, apesar de tudo, os
mecanismos de regulação estão activos
e impedem que se façam determinados
comentários. Mas impera aquilo que
Noa chama “uma atitude defensiva”.
“Quando se toca na questão racial,
imediatamente surgem mecanismos
sublimatórios e de negação, porque é
uma situação incómoda. Mas acaba
por ser algo absolutamente traiçoeiro,
porque foi esse o discurso que o colonialismo
usou: ‘Não somos racistas,
temos um bom colonialismo.’ E nós
herdámos isto.”
Ou seja, apesar da grande diversidade
racial, étnica, cultural, linguística
que existe em Moçambique, há “uma
conspiração do silêncio, como diz o
[teórico do pós-colonialismo indiano]
Homi Bhabha”. “As pessoas não estão
habituadas a falar destas coisas sem ser
de forma maniqueísta”, critica. “A situação
colonial criou claramente uma
vantagem para os brancos. Agora não
posso dizer que a sociedade moçambicana
é racista. Mas, por causa dessas
situações que transitaram sem terem
sido processadas, ficaram numa zona
que é um limbo. E em determinados
momentos de conflitos a questão racial
aparece como álibi.”
Os problemas de racismo não se resolvem
apenas com vontades políticas,
são precisos alguns anos, lembra Teresa
Cruz e Silva (n. 1951). “Na história
de Moçambique, há uma relação entre
raça e classe, que depois é transferida
para a própria independência”, analisa
a directora do Centro de Estudos Africanos
da UEM. “Quando entrei para
a universidade, havia falta de professores
e de estudantes — contava-se
pelas mãos o número de estudantes
negros.”
É fim de dia e começa o horário póslaboral.
O campus é amplo, anda-se de
carro lá dentro para ir de um departamento
a outro. Há espaços verdes entre
os edifícios baixos e muitos jovens em
grupinhos. A terra vermelha lembranos
que estamos em Moçambique. Na
altura, antes de 1975, era normal Teresa
Cruz e Silva não ver alunos negros na
universidade: a taxa de analfabetismo
em Moçambique era das mais altas do
mundo (93% em 1975), só havia uma
universidade e o número de estudantes
universitários era reduzido. Hoje acontece
o inverso, descreve a historiadora:
“Não me lembro, nos últimos anos, de
ter um estudante não negro, o que é
um processo normal porque estamos
em África.” Agora, 40 anos depois
da independência, Moçambique tem
cerca de 50 instituições de ensino superior,
entre públicas e privadas (dados
Ministério de Educação de 2013).
A democratização da educação é um
dos “orgulhos” dos moçambicanos.
Conseguiu-se diminuir a taxa de
analfabetismo, embora ainda continue
a ser das mais altas, com mais de 40%.
Esta cidade são várias cidades, recorda,
e dependendo do estrato social encontramos
diferentes cores. “Muita gente
vem a Maputo e diz: ‘Meu Deus, a
Julius Nyerere está cheia de brancos!’
Não quer dizer que seja uma manifestação
de racismo.” Mas vem do facto
de ser o lugar onde estão as embaixadas,
onde os brancos de classe mais alta
tinham casas. O processo de olhar para
o branco como superior foi-se apagando,
acredita, e em determinadas zonas
do país há quem nunca tenha visto
brancos — “aí, será que a gente pode
falar de racismo?”
Existem os saudosistas, existem os
que ainda vivem resquícios do colonialismo,
mas estas fatias são residuais.
A raça não é hoje um problema em
Moçambique, afirma, convictamente.
“Não encontro no dia-a-dia qualquer
manifestação racista.”
Portugal só tem o domínio de Moçambique
a partir de finais do século XIX,
lembra. É no início do século XX
que há a instauração de uma administração
portuguesa. O processo de
miscigenação não era pacífico: não
havendo apartheid declarado, havia
apartheid, disso Teresa Cruz e Silva
não tem dúvidas. “Encontramos muitas
famílias em que os pais brancos
não registaram os filhos. As teorias de
Gilberto Freyre [do luso-tropicalismo]
não colaram.” A própria avó de Teresa
Cruz e Silva nunca viveu com o pai
dela, branco.
Tendo vivido numa situação privilegiada,
Teresa Cruz e Silva nunca sofreu
discriminação racial, sublinha. “Sou o
resultado do processo de colonização e
de vivermos numa área geográfica que
foi de comércio internacional, mesmo
antes da chegada dos portugueses. Na
minha família somos miscigenados de
portugueses e católicos — basta ver o
meu nome —, moçambicanos negros
do Sul, indianos e árabes.”
No seu registo de nascimento vinha
“raça mista”. “Como a tentativa do
sistema era cooptar essas pessoas, eu
tinha acesso às mesmas coisas.”
Andou em escolas privadas, entrou na
universidade sem problema, embora só
tivesse bacharelato. Seria depois convidada
para fundar o Centro de Estudos
Africanos, concretizando o sonho
dos que lutaram pela independência e
escreveram a sua própria História de
Moçambique. “Acho que continuo a
ser privilegiada neste momento. Se o
hospital público não me serve, eu vou
para o privado porque posso pagar. Bato-me
pelos meus direitos como mulher,
cidadã.” Porém, às vezes, as pessoas
têm dificuldade em separar o social do
racial — a discriminação pode ser de
classe e não de raça, acredita.
O estigma do mestiço
Tassiana Tomé, 25 anos, trabalha
numa ONG que desenha estratégias
de advocacia e políticas públicas. Licenciou-se
em Sociologia e Antropologia,
na Holanda, e fez mestrado em
Desenvolvimento, em Londres — ou
seja, viveu fora de Maputo durante seis
anos.
Vive num andar alto de um prédio de
onde se avista Maputo, os telhados
das casas, os minaretes das mesquitas,
o fumo da poluição. Na sua varanda
estão penduradas umas caixas de madeira
pintadas com umas plantas. A
sala está decorada com tons sóbrios.
Por esta altura, Tassiana dividia apartamento
com uma mulher latinoamericana
que está em Moçambique a
trabalhar numa ONG.
Com mãe de origem lusa, estudou na
escola portuguesa. Acha que se nota
na sociedade moçambicana “alguma
internalização do racismo”, em coisas
como “enquanto negra talvez vá servir
primeiro a pessoa branca antes de
servir a pessoa negra”. Não duvida de
que “o racismo em si, o facto de termos
assimilado um certo tipo de inferioridade,
veio do colonialismo”. A
sua família é muito diversificada racialmente,
caracteriza: a mãe é branca,
os irmãos são negros, ela classifica-se
como negra apesar do seu tom de pele
construir, pois são preconceitos “sobre
o negro, a pele, sobre a cultura, o país, a
noção de que somos atrasados e ignorantes”.
“Só o falarem ‘vou para África’
incomoda-me — há essa redução da
pluralidade africana.” Ainda hoje algum
do olhar exterior transfere a ideia
de que “este país é subdesenvolvido”.
O racismo, sente-o em expressões
subtis como o facto de haver “muita
exoticização, mesmo nas pessoas que
não se consideram racistas”, comenta.
“Isso é muito mais difícil porque mexe
com questões políticas e económicas e
com o preconceito maior da noção de
desenvolvimento e de como se encara
noções de ser moderno ou atrasado.”
A figura da mãe foi muito importante
para desracializar o conceito de
moçambicanidade e para crescer com
o sentido de pluralidade. Por outro
lado, em determinadas situações simples
do dia-a-dia, como o atendimento
em restaurantes, notou o privilégio de
tratamento que era feito à mãe como
se fosse estrangeira e com um tipo de
simpatia diferente que a fez “perceber
essa ideia de tratar o branco como superior”.
A sua geração é mais aberta,
tem mais acesso a informação, “mas
sente-se a segregação pela estratificação
económica”.
No bairro onde Carlos Bavo vivia, nos
anos 1980, a distinção maior era entre
os mestiços e os negros. Licenciado
em Sociologia e com o mestrado em
Estudos Africanos, no ISCTE, em
Lisboa, diz que “era muito mais fácil
fazer pouco dos mulatos por causa da
cor da pele”. Era comum usarem-se
claro. “Por razões políticas prefiro associar-me
a black, por ser uma categoria
que esteve sempre marginalizada.
Então é um statement, ‘sou pessoa negra’.”
Actualmente, confronta-se mais
vezes com comentários a acusá-la de
não ser “moçambicana autêntica”, algo
que ouviu sobre a mãe e a tia, brancas.
Sente, até, que isso está “mais forte”
agora, “não só pela imigração mas pelo
tipo de governação que temos”. “Acho
que a questão do racismo ficou muito
negligenciada. É uma discussão pouco
existente nas escolas.”
Nos países em que estudou, sentia que
as pessoas a viam “de forma muito
ambígua” e “nunca sabiam onde me
colocar”: “És de África? Mesmo de
África?” Já em Portugal sentia “percepções
racistas”, algo difícil de des-
“Quantos milhões morreram na saga do colonialismo?” ÀP
Por Joana Gorjão Henriques (Texto)*
Francisco Noa Epifãnia Langa
Calane da Silva
Danilo da Silva
16 Savana 08-04-2016 NO CENTRO DO FURACÃO INTERNACIONAL
expressões ofensivas como “és mulato,
és da cor do mijo e por causa
dessa mistura és bandido, o teu comportamento
arruaceiro vem de seres
mulato”. Ser mestiço “era associado
a comportamentos erróneos”. Mas
isso mudou, considera. Ele próprio
tem um sobrinho mulato na família,
fruto da relação da irmã com um homem
branco. Na altura, essa relação
não foi bem vista, até porque a irmã
acabou por ser mãe solteira. “Isso
mudou muito a minha maneira de
ver e foi sendo reforçado com o meu
próprio crescimento e uma leitura
mais justa da sociedade.” Mas ainda
hoje há preconceitos e olha-se para
as mulheres que se envolvem com
brancos como interesseiras, nota,
algo que na altura ainda era mais
exacerbado: “Uma negra não se podia
apaixonar por um branco.”
Ainda hoje existe o estigma do mestiço.
Danilo da Silva (1980), director
executivo da ONG Lambda, que
defende o reconhecimento dos Direitos
Humanos das pessoas LGBT
(lésbicas, gays, bissexuais e transexuais)
tem um companheiro branco e
nos espaços públicos a sua relação
inter-racial é alvo de discriminação.
As relações inter-raciais em geral
“são estigmatizadas”, pois não são
vistas como genuínas “mas fruto
de uma suposta troca”: “Ou seja, os
negros casam com brancos para ter
acesso a recursos”, este é o preconceito.
Ele nota que em determinados
espaços — por exemplo, num restaurante
— “a conta vem automaticamente”
para o companheiro branco,
porque “as pessoas assumem que
quem tem mais recursos é o branco,
que é quem paga as contas”.
Chegarem ao mesmo tempo a um
lugar e o companheiro ser atendido
primeiro. Danilo da Silva sente-se
mesmo mais discriminado pela raça
do que pela sua orientação sexual:
“Pelo menos nos sítios onde vou,
e nos espaços que ocupo, a minha
orientação sexual não vem muito à
tona.” Algo que vem à tona sim é
a questão racial. “Mesmo na classe
média e média-alta não houve este
processo de desconstrução dos estereótipos”,
critica.
“Seu mulato”: foi o que o escritor
Raúl Calane da Silva (n.1945) ouviu
muitas vezes. “Era uma carga
terrível”, lembra. Filho de mãe mo-
çambicana de origem hindu e de pai
português, lembra-se de ter à mesa
de jantar uma mistura gastronómica
que espelhava a diversidade cultural
da sua família. “As pessoas esquecem-se
que o litoral de Moçambique
foi durante 1200 anos multicultural.
Aqui miscigenaram-se povos vindos
da Arábia, da Pérsia, da Índia, da
China.”
Calane da Silva escolheu o restaurante
Continental, bem na Baixa
da cidade, para a entrevista e muito
por causa da sua simbologia. Com
os txopelas (tuk-tuks) e vendedores
ambulantes à porta, o restaurante
serve hoje muitos turistas. É um dos
ex-líbris de Maputo, com uma esplanada
que já é recente, mas lá dentro
ainda conserva uma iconografia que
remete para a época da independência
— há uma espécie de escultura
encrustada na parede com uma jarra,
foice, uvas e a inscrição “trabalho” e
“alegria”. Lá dentro está tudo renovado,
paredes e mobília.
Era o lugar onde os intelectuais iam,
“mas contavam-se pelos dedos os
indivíduos não brancos”. Aqui, no
início dos anos 1960, “um indiví-
duo negro não se sentava com o à-
-vontade que se senta hoje”. A mãe
de Calane foi barrada de entrar no
Cinema Variedades, hoje Cinema
África, por ser negra.
Formas silenciosas
Hoje, as relações raciais estão em
fase de transição, observa Calane da
Silva, que foi um dos que se insurgiram
contra o facto de os manuais
escolares moçambicanos pós-independência
apenas mostrarem heróis
negros — acha que isso “é desprezar
o outro, é racismo, xenofobia”.
No livro Meninos da Malanga,
Calane brinca com a hipocrisia do
multiculturalismo salazarista. Hoje
diz que as restrições o ajudaram, na
altura, a ter mais consciência da necessidade
de lutar contra o colonialismo.
“Sou figura pública, mestiça,
adopto as culturas moçambicanas,
estou à vontade”, conclui o escritor,
que fala rápido e de forma convicta,
habituado a conversar com jornalistas
como ele.
Recebeu o Prémio José Craveirinha
em 2003, tem criticado o colonialismo
português e a faceta racista do
sistema. Paulina Chiziane (n. 1955)
não tem meias palavras: “Antes havia
racismo visível e sabíamos qual era
o espaço do branco e do negro. Ficámos
independentes, o racismo foi
proibido, houve todo o trabalho para
que não existisse. Hoje, legalmente,
não existe. Mas na prática assumiu
formas mais silenciosas. Viaje para
a Zambézia e vá a um banco: veja
quem trabalha na caixa. São apenas
mestiços. Vá às companhias aéreas:
as hospedeiras não são negras. Basta
dar uma volta à cidade: quem vive
aonde? Os negros comuns estão fora
ou no campo.”
Não é propiamente na literatura que
esta distinção existe, é sobretudo na
área económica, analisa a escritora,
também na Associação dos Escritores
Moçambicanos. “A destruição do
eu do negro vem de há séculos e a
mudança não pode ser feita de um
dia para o outro”, nota. “Mesmo sem
se aperceber, o negro submete-se ao
branco. O processo de auto-estima
e descolonização vai durar séculos.”
Quarenta anos é pouco para esquecer
a colonização. Portanto, os imigrantes
que chegam a Moçambique,
especialmente a nova vaga de emigração
portuguesa, “que venha com
humanidade”, diz.
Não se lembra de viver situação de
racismo no pós-independência. Mas
viveu os seus primeiros 18 anos sob
o regime colonial. Recorda-se de ser
uma das melhores estudantes da turma
e de ter a melhor nota a Matemática.
“A professora ficou furiosa e
disse: ‘Seus brancos, o que é que vocês
pensam, até uma preta foi capaz
de ser melhor?’ Rasgou e anulou o
meu teste. Fiz novo teste e tive nota
mais baixa. E disse: ‘Viram, assim é
que é, o branco nasceu para ser superior
e o lugar do negro é no chão’.”
Paulina teria uns 14 anos, chegou a
casa a chorar. O pai consolava-a dizendo
que já era uma sorte ela poder
ir à escola. “E eu não era assimilada.
O meu pai dizia: ‘Eu, assimilar os valores
portugueses? Prefiro morrer’.”
Lembrar esta época é muito doloroso,
lamenta. Porque significa “pensar
que um ser humano pode ter este
ódio por outro”. E conclui, com a
voz visivelmente emocionada: “Não
consigo encontrar um continente
que tenha sofrido tanta repressão
como o continente africano. Alguém
que vem e que ocupa, pisa, mata,
desfaz: porquê? Há um trabalho
muito grande a fazer. Não foi apenas
em Moçambique, foi na África toda.
Quantos milhões de pessoas morreram
nesta saga do colonialismo, porquê
e para quê?”
*Esta foi a última reportagem da sé-
rie sobre racismo realizada pelo jornal
Público, editado em Lisboa, em
cinco países africanos de expressão
portuguesa, em parceria com a Fundação
Francisco Manuel dos Santos
e será compilada em livro.
Eliana Nzualo
Savana 08-04-2016 17 SOCIEDADE
18 Savana 08-04-2016 OPINIÃO
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EDITORIAL Cartoon
Uma cidadã espanhola, até muito recentemente conhecida
apenas nos círculos da organização cívica para a
qual trabalhava, deu uma extraordinária contribuição
ao permitir que nos apercebêssemos da fragilidade do
nosso sistema.
O que cada um de nós pensa sobre as saias curtas ou longas
nas escolas já foi sobejamente escalpelizado e seria redundante
voltar aqui a mencionar. Mesmo assim, impõe dizer que as
escolas devem ter o poder de decidir sobre o seu próprio modelo
de indumentária, sobre o que os alunos só têm o dever de
cumprir. Alunos que se opõem a tais códigos têm a opção de
ir para uma outra escola cujas condições sejam do seu agrado.
A cidadã espanhola, precisamente por ser estrangeira, tornou-
-se no elo mais fraco no meio de uma questão mais complexa
do que na superfície ela parece. Ela foi expulsa do país porque
participou na manifestação do dia 18 de Março, em que
um grupo de mulheres, incluindo alunas, se insurgiam contra
uma ordem que proibia o uso de certo tipo de vestuário nas
escolas.
Entende-se que o vestuário proibido pode constituir um
atentado contra alguns valores sócio-culturais em Moçambique,
especialmente quando envergado por alunos de um nível
ainda em fase de formação básica. Por isso, a manifestação
contra esta medida provocou alguma indignação entre certos
sectores da sociedade, particularmente entre responsáveis do
sector da educação.
Tudo isso é perfeitamente admissível. Mas a indignação, seja
por que motivo for, não deve ser usada para justificar o abuso
do poder e a violação das próprias leis nacionais.
Pode ser debatível se a participação de estrangeiros em manifestações
cívicas, versando questões nacionais, deve ser considerada
um delito que justifique a expulsão.
O que não pode ser matéria de debate é se mesmo na condi-
ção de expulsos, cidadãos estrangeiros não gozam do direito a
tratamento digno. O que aconteceu no acto de expulsão desta
cidadã espanhola deve ser motivo de vergonha e de embara-
ço para o nosso país. Era possível lidar com a situação sem
o dramatismo gratuito que se nos foi dado a testemunhar,
incluindo a violação física e detenção de uma magistrada do
Ministério Público, que se dirigira ao aeroporto para intervir
em nome da legalidade.
Se as nossas autoridades não são capazes de lidar com este
tipo de situações demonstrando um comportamento de civismo,
então talvez não mereçam o respeito e a dignidade que
nós como cidadãos lhes devemos reservar.
O recurso ao nacionalismo barato, e à noção de que cidadãos
de outras raças merecem ser molestados é de um racismo primário
que não deve ter lugar numa sociedade bem acolhedora
como a nossa. Há sectores que defendem que o barulho em
torno deste assunto só se faz porque se trata de uma cidadã
branca e estrangeira, que se tivesse sido um negro (ou uma
negra) não teria havido tanta publicidade.
Pessoas sem argumentos suficientemente persuasivos e com
uma formação mental desfocada recorrem geralmente a este
tipo de reducionismo. Embalam-se no discurso da soberania
e de um nacionalismo estreito. Mas será que isso tudo chega
para justificar a flagrante violação da legislação nacional?
Parece que não.
Devemos tratar os cidadãos estrangeiros da mesma forma que
desejamos que os nossos cidadãos no estrangeiro sejam também
tratados, mesmo quando em situação de conflito com a
lei.
A indignação não deve
justificar o boçalismo
Zuma pede desculpas ANC aceita
E
m Moçambique as raparigas
foram proibidas, este
ano lectivo, de usar saias
curtas nas escolas. Jorge
Ferrão, ministro da Educação,
defende a medida argumentando
que visa a “protecçåo das meninas”.
As saias que agora devem obedecer
a medidas predefinidas e
ter um comprimento “adequado”
visam garantir a integridade das
meninas e dar-lhes uma aparência
“decente”.
A normatividade patriarcal e paternalista
sobre o comportamento
da mulher e a forma como se
apresenta deveria ser, em pleno
século XXI, apenas uma lembrança
envergonhada. Infelizmente,
não raras vezes, recrudesce
com todo o vigor nas mais
diversas sociedades, um pouco
por todo o mundo.
A ideia de que a mulher se deve
vestir ‘decentemente’ para sua
própria protecção revela a persistente
visão da mulher como incitadora
dos assédios e a concep-
ção do comportamento agressor
como mera reacção e, portanto,
desculpável. Todos sabem que
quando uma mulher veste uma
saia curta é porque “anda a pediSaias
curtas, culpas ao largo
Por Sandra Cunha*
-las”. As culpas de quem se investe
do direito de assediar e violentar
mulheres ficam ao largo.
Revela igualmente a atribui-
ção à mulher de um estatuto de
menoridade e incapacidade que
pretende legitimar a sua submissão
ao domínio do homem e
permitir que este disponha dela
conforme entender.
Esta é a mensagem por trás das
palavras de Jorge Ferrão e esta é
a ideologia que deve ser rejeitada
e combatida.
Foi precisamente isso que diversas
activistas dos direitos das
mulheres procuraram fazer, no
passado dia 18 de Março, através
da tentativa de realização de uma
peça de teatro de rua, como forma
de protesto, em frente a uma
escola secundária de Maputo.
A actuação das autoridades perante
uma manifestação pacífica
diz-nos tudo sobre a condição e
o lugar que reservam à mulher
na sociedade moçambicana. As
feministas foram identificadas
e presas. Por ordem do Ministro
do Interior, como forma de
‘aviso’, uma das activistas, Eva
Moreno, de nacionalidade Espanhola
e membro do Secretariado
Internacional da Marcha Mundial
das Mulheres, foi detida a
29 de Março pelos serviços de
migração. Ainda que possuísse
documentação legalizada, foi
enviada directamente para o aeroporto
no dia 30 de Março de
onde foi deportada e proibida de
entrar no país por dez anos, sem
direito à defesa e independentemente
dos esforços da Procuradora
Geral da República para a
sua libertação.
O desenvolvimento de um país
mede-se também pelo respeito
e pela igualdade entre todos
os seus cidadãos e cidadãs. As
acções do Governo de Moçambique
ferem os direitos das mulheres,
promovem a desigualdade
e incentivam a discriminação. E
uma democracia sustentada na
discriminação de uma parte da
população não pode ser uma democracia
sã nem sequer viável.
Um país cujo Governo impõe
medidas atentatórias dos direitos
e liberdade das mulheres e que
de forma absolutamente autoritária
e ditatorial deporta activistas
para calar protestos pacíficos,
tem seriamente de reavaliar e
reinventar a sua democracia.
*socióloga
Savana 08-04-2016 19 OPINIÃO
471
Email: carlosserra_maputo@yahoo.com
Portal: http://oficinadesociologia.blogspot.com
E
xercício do despojamento
total, o terror colectivo
marca em permanência a
história das sociedades.
A guerrilha assassina que mata
indiscriminadamente, mutila
corpos e destrói pertences, é um
dos exercícios mais cruéis de terror
colectivo e de despojamento
total. Os artífices desse exercício
conseguem regra geral quatro
coisas:
1. Despolitizar os cidadãos pela
inoculação de um medo múltiplo
e recorrente;
2. Desterritorializar os cidadãos
levando-os à fuga e ao exílio;
3. Destatizar os cidadãos, destruindo
a rede de infra-estruturas
estatais de serviços e
proteção e quebrando todos
os vínculos com a cidadania e
com o Estado;
4. Amorfizar o comportamento
social, transformando os cidadãos
em seres abúlicos.
Não poucas vezes, o exercício de
despojamento total é levado a
cabo por organizações que se reclamam
de um deus, de uma civilização,
de um suposto desagravo
histórico ou, até, da democracia.
Terror colectivo
Hoje, Domingo, 3 de Abril
de 2016, faço anos. 35.
Ela telefonou-me a meio
da manhã, à saída da
missa, para me felicitar e dizer
que me viria visitar ao princípio
da noite, para me oferecer como
prenda aquilo que de melhor
a natureza lhe deu como dote
e mais aprecio nela. Agora são
21H30 e esta espera, que já está
a ser longa, está a pôr-me num
estado de ansiedade febril, que
tende a transformar-se numa dor
quase física, tangível.
Passei a tarde a reler Mbelele e
Outros Contos, do Aníbal Aleluia,
e agora estou mergulhado
numa sala feita de penumbras e
luz. Mesmo o barulho frenético
característico desta zona onde
vivo, em Maputo, está mais reduzido.
Ouço neste meio silêncio,
como sons vindos do fundo do
meu puro sentimento de saudade,
o duo Willy e Aníbal, que é
o meu grupo preferido para ouvir
nestas circunstâncias.
Estou sentado em frente à parede,
num dos cantos da qual está
encrustada a porta que dá acesso
ao corredor no fim do qual está
a porta de entrada do meu apartamento.
A parede não é muito
grande: pelos meus cálculos, deve
ter 7,5 m de largura por 9 m de
altura. É uma parede branca. Entre
ela e eu, interpus uma mesa
pequena, uma das chamadas mesinhas
de centro, segundo os manuais
de mobiliário, onde pus, assim
à mão de semear, uma garrafa
de vinho agora meio consumida,
um copo, 2 tigelas, sendo uma
com cubos de queijo e chouriço
e outra com azeitonas, e ainda
uma travessa com fatias finas de
pão. Curto o meu silêncio nesta
espera vaga.
Sopa de lentilhas
Mas, de repente, descubro num sobressalto
excitado que, afinal, o que
tenho na mão direita não é um copo
de vinho e que aquilo com que estou
a brincar mecanicamente na mão esquerda
não é um telemóvel. Coisa milagrosa,
de facto! O que tenho na mão
direita é a lâmpada de Aladino e na
mão esquerda um pedaço de camurça.
Incrédulo, pego no pedaço de camur-
ça, esfrego a lâmpada e dela emerge o
génio: é de cor azul, com óculos de sol
de aros cor-de-rosa, e diz-me:
– Estou aqui, Senhor. Faça 3 pedidos,
estou pronto a satisfazê-los.
E eu digo-lhe:
– Traga-me um tapete voador!
Ele traz-me o tapete voador logo
de imediato. Sento-me nele na posição
de lótus, à moda de Buda, e
digo – “Vamos voar!” Acto contínuo,
a parede cede e vejo-me a sobrevoar
a cidade sob uma luz resplandecente
própria desta altura do ano – altura
dos meses de Abril, Maio e Junho, os
melhores do ano para mim. Por capricho,
voo até à baía, onde surpreendo
alguns banhistas na Catembe, mas daí
tomo a direcção para o meu destino
premeditado: quero ver a Penhalonga,
no alto de Manica. E para lá vou.
Pouso suavemente à beira da casa em
ruínas que lá foi construída, segundo
reza a história, pelo arquitecto daquele
parque de Penhalonga, um alemão
fugido da II Guerra Mundial. Ponho-
-me de joelhos em frente a um riacho,
bebo da água fresca e cristalina e deito-me
de costas sobre o tapete, quando
o telefone toca. É ela, a dizer-me
que está á espera de mim na Praia do
Fernão Veloso, em Nacala.
Não me faço rogado: sento-me imediatamente
no tapete e levanto voo, e
num instante assim como a luz do sol
leva para sair de lá e chegar à Terra
vejo-me a sobrevoar a Praia. Ela está
lá, de fato de banho e topless, deitada
numa rede no arvoredo, junto à areia
branca imaculada daquela praia
quase virgem. É um contraste
louco: o verde do arvoredo, a
areia imaculada e branca, o azul
sereno e cerúleo do mar. Ela está
a ler História de uma Gaivota e
do Gato que a Ensinou a Voar,
de Luís Sepúlveda. Descalço-
-me, tiro a camisa e, de calções
e tronco nu, penduro-me na
rede onde ela está deitada. Estou
a deitar os braços à volta dela
quando se dá uma tremenda
explosão de som sobre a minha
mão esquerda: é o telefone. Teclo
e vejo que é ela. Digo:
− Débora, estás bem?
− “Débora, estás bem?” uma ova!
Estou aqui há mais de dez minutos
a bater à porta e tu não me
abres?! Calvin, não me digas que
estás numa dessas tuas viagens
pelo espaço sideral.
− Perdoa! Não me apercebi. Mas
vou já abrir-te a porta.
− Não precisas. Já perdi tempo
demais contigo aqui à porta da
tua casa, à espera que me abras.
Vou-me embora. Se, entretanto,
me esquecer de apagar o número
do teu telefone da minha agenda,
vou ligar para ti. Mas o mais
provável é que eu apague mesmo.
− Mas, Débora…
− Tchau, Calvin!
Tuc, tuc, tuc, tuc...
Silêncio.
P.S. A crónica da semana passada,
Galinha com Mucapata,
saiu pouco conforme à história
de Lourenço Marques. Foi uma
falha humana. Na verdade, onde
dizemos “Associação dos Mudos”,
o que queremos dizer é
“Associação de Mútuo Auxílio
dos Operários Indo-Portugueses”.
Imperdoável! Mas, mesmo
assim, pedimos desculpas.
A
figura de homem de saber
enciclopédico que Umberto
Eco construiu e cultivou tem
características singulares e fizeram
dele um intelectual entre dois
mundos: o mundo dos livros, de feição
iluminista, e o mundo contemporâneo,
da informação mediática e da desordem.
A Umberto Eco servem com justeza
os epítetos hiperbólicos, independentemente
da actual circunstância celebratória.
Acrescentemos a uma longa
lista que pode ser recenseada mais um
epíteto: ele foi um fenómeno intelectual
total. A figura que lhe corresponde,
única na cultura europeia, fez
uma síntese grandiosa e paradoxal de
tipos diferentes, que em regra são incompatíveis:
a síntese do “intelectual
universal”, que dominou quase todo
o século XX, pondo a sua razão, a sua
autoridade e o seu prestígio ao serviço
O efeito Eco
Por António Guerreiro
de causas públicas e valores universais,
com o “intelectual específico”, que só
intervém no seu campo de saber especializado
(mas ele desdenhou sempre
do intelectual empenhado: “A única
coisa que um intelectual pode fazer
se a casa começa a arder é chamar os
bombeiros”); do professor que, na mais
velha universidade europeia (a de Bolonha),
ocupou o lugar eminente da
ciência e do espírito europeus, com o
jornalista e cronista em jornais e revistas
do seu país, esse posto avançado de
uma grotesca mediacracia; um erudito
e estudioso, para quem o mundo é uma
biblioteca, com o homem moderno, ou
mesmo pós-moderno, atento, por uma
espécie de hedonismo frívolo e curiosidade
intelectual, às manifestações de
superfície e da cultura de massas; um
filósofo e um semiólogo ocupado com
questões esotéricas da Estética medieval
ou do conceito de abdução, com
o exotérico romancista que, já tardiamente,
em 1980, tinha então 48 anos,
se aventurou no romance histórico, O
Nome da Rosa, que foi o primeiro dos
seus “passeios nos bosques narrativos”
(para utilizar o título das suas Norton
Lectures, em Harvard) e se tornou um
dos best sellers mais difundidos e famosos
da literatura universal do último
meio século; o estudioso das obras da
alta cultura, do cânone mais exigente
do património literário e filosófico
(Dante, Kant, Leopardi, Joyce...), com
o desenvolto analisador de banda desenhada
e figuras da televisão.
Não se pense que esta síntese grandiosa
só lhe trouxe a aclamação e a glória.
Uma coisa é a imagem pública e “profana”
de Umberto Eco, outra coisa é o
juízo dos seus pares. O culto generalizado
e o reconhecimento universal
que fizeram dele um monumento da
cultura e a que ele respondeu com espírito
irónico (foi, acima de tudo, um
ironista) teve também o outro lado:
a crítica e as reservas, vindas de filó-
sofos, ensaístas e escritores, pelo seu
eclectismo considerado estéril, pela sua
suprema arte da homologação de tudo
com tudo que muitos consideraram irresponsável.
Homologar, disse um dos
seus críticos (o poeta e ensaísta Alfonso
Berardinelli), foi a sua paixão.
A imagem que mais fortemente lhe
está associada é a da biblioteca. A sua
biblioteca pessoal foi muitas vezes objecto
de reportagem. Não apenas pelo
seu tamanho, mas porque se tornou
uma extensão metonímica do próprio
Umberto Eco, enquanto intelectual
que não consegue olhar o mundo senão
como matéria e metáfora da legibilidade
que os livros proporcionam. E
enquanto autor-bibliotecário, tinha definido
um limite para a capacidade de a
memória poder dominar a “navegação”
nos livros: 30 mil títulos. Mais do que
isso, dizia ele, a biblioteca entrava no
reino da perda e do caos e anulava-se
na sua finalidade. O seu culto do livro,
a sua fé na cultura livresca (recordemos
que o herói de O Nome da Rosa é um
bibliotecário de um convento medieval,
chamado, em chave facilmente decifrá-
vel, Jorge de Burgos) e a sua ideia de
que o património bibliográfico constituía
uma cartografia da história e da
cultura universais levaram-no a proferir
palavras muito pouco simpáticas
para caracterizar as chamadas redes
sociais: “Elas dão direito de palavra a
legiões de imbecis”. Nunca antes tinha
proferido uma frase que lhe valesse,
como aconteceu com esta, uma hostilidade
tão vasta.
Tão dominante e hiperpresente no espaço
público foi a presença de Umberto
Eco, que já em 1990 duas estudiosas
do fenómeno publicaram um livro que
se chamava Effetto Eco. O “efeito Eco”
haveria de prolongar-se. Para esse efeito,
muito contribuíram as crónicas que
publicou durante anos no jornal La
Repubblica e na revista semanal Expresso,
com o título genérico da coluna
que se tornou famosíssimo: La Bustina
di Minerva (a coruja de Minerva,
como sabemos, é a ave da filosofia,
aquela que Hegel dizia que só levantava
voo ao crepúsculo). O “efeito Eco”
não advinha propriamente da sua obra
mais especializada, seja sobre a estética
medieval, seja enquanto semiólogo
(e devemos pensar o quanto a fortuna
da semiótica nos estudos literários, nos
anos 60 e 70, deve a Umberto Eco).
Esse efeito advinha, em grande parte,
de duas categorias que ele criou e definiu
e depois se tornaram de uso corrente,
num livro de 1964, uma recolha
de ensaio sobre a cultura de massas: os
apocalípticos e os integrados. Os primeiros
têm uma visão elitista da cultura
e fazem da recusa e da crítica, até ao
flagelo e à exasperação, a atitude que os
distingue; os segundos acham que vivemos
no melhor dos mundos possíveis e
têm uma atitude de adesão em relação
à cultura, tal como ela é produzida, abdicando
de qualquer gesto intempestivo
ou de vontade de transformação.
No ano anterior, em 1963, Umberto
Eco tinha integrado o Gruppo ’63 (do
qual faziam parte, entre outros, dois
importantíssimos escritores da segunda
metade do século XX: Edoardo
Sanguineti e Giorgio Manganelli), que
tinha um programa estético-literário
integrável nas neovanguardas dos anos
60. Mas o seu gosto pela observação
e análise da cultura de massas (que o
levou a escrever sobre futebol, a publicidade,
as vedetas, a moda, a banda
desenhada, o Kitsch) já tinha ficado
patente nos artigos que tinha escrito,
entre 1959 e 1961, para a revista literária
Il verri, que tinha sido fundada
em Milão, em 1956, por Luciano Anceschi.
Da recolha dos artigos publicados
nessa revista resultou um livro, em
1963, chamado Diario Minimo. Inscreve
esse livro na mesma família – em
termos metodológicos e quanto à atitude
perante o fenómeno da cultura de
massas – das Mitologias, que Barthes
tinha publicado em França, em 1957.
Em 1962, Eco tinha publicado um dos
seus livros de mais longo efeito, Obra
Aberta, onde a coexistência de Joyce
com a teoria da informação causou algum
espanto. Mas o conceito de “obra
aberta” é um dos contributos maiores
de Eco para a teoria literária, numa
altura em que esta vivia numa fase de
grande encantamento. Umberto Eco
foi precisamente um dos espíritos “encantadores”
dessa época, cujo crepúsculo
ele também assinalou de maneira
enfática, quer no seu discurso teórico,
quer na própria atitude do teórico que
passa para o romance, ainda que os seus
romances sejam uma continuação da
teoria por meio da ficção.
20 Savana 08-04-2016 OPINIÃO
A TALHE DE FOICE
SACO AZUL Por Luís Guevane
Por Machado da Graça
A
P
S
e, por culpa própria, por um lado,
sofremos os efeitos adversos da natureza,
por outro, auto mutilamo-
-nos, impomo-nos, a nós mesmos,
sacrifícios desnecessários e evitáveis.
Dos impactos que actualmente mais nos
apoquentam e que supostamente fogem ao
nosso controlo, por serem da dinâmica da
própria mãe-natureza, estão a seca no Sul e
centro e as inundações no Norte. A “culpa
própria” com relação às calamidades naturais
tem por detrás de si o facto de serem fenómenos
conhecidos e recorrentes. Em 40
anos de quase independência política não
conseguimos dotar o país de mecanismos
de defesa crescentemente autónomos, isto
é, que reduzissem paulatinamente a nossa
trémula e incontornável “mão estendida”. A
nossa inteligência, investimento estratégiCalamidades
naturais: focalizar o “técnico”
co e campo de produção estiveram sempre, em
peso visivelmente “incómodo”, virados para o
militarismo. Por esta e outras possíveis razões,
os quadros formados pelas universidades, em
particular nas áreas que lidam directa ou indirectamente
com questões de cheias, secas, ciclones,
etc., não se orientaram na produção de
soluções duradouras para estes fenómenos naturais.
Soluções que suscitassem grande interesse
ao ponto de atraírem financiamento para serem
implementadas, monitoradas e actualizadas
em função das exigências do momento. O forte
parece não passar de modelos de projecção de
eventos naturais, da questão de riscos, e por aí
em diante. A grande dificuldade em desembaraçarmo-nos
da dependência económica e dos
nossos permanentes conflitos político-militares
não abre espaço para a criatividade orientada
na redução crescente dos impactos dessas calamidades.
Assumimos a impossibilidade no
seu controlo e ingenuamente culpabilizamos a
mãe-natureza.
Fazemos questão de nos acomodarmos na nossa
conhecida característica, a de vivermos permanentemente
de mão estendida. Ou seja, perante
um cenário de seca severa, com a probabilidade
de atingir cerca de 1.7 milhão de pessoas,
reunimo-nos apenas com os nossos parceiros de
cooperação para falar do ponto de situação da
seca e da necessidade de 103 milhões de dólares
norte-americanos para assistir as vítimas nas
províncias afectadas.
Percebe-se então, que o foco principal está na
obtenção da moeda que se espera que caia na
“mão estendida” e não em incutir nos nossos
quadros (em formação ou mesmo já formados)
a necessidade de olharem para as calamidades
em causa como uma grande oportunidade de
porem em prática o que aprenderam, reaprendendo
com a prática. O mediatismo deve passar
para os nossos futuros inventores. Nós também
somos capazes de minimizar os impactos
negativos de tais eventos, desde que haja oportunidades,
desde que o “político” reconheça no
“técnico” a solução interna. O que é mais sustentável
e barato: acomodarmo-nos na “mão
estendida” ou apostarmos nos nossos “técnicos”?
Por que não insistem os nossos parceiros
em ensinar-nos a pescar ao invés de “oferecerem-nos”
peixe sempre que os pedimos? Acreditamos
todos e profundamente que a nossa
inteligência não se limita à “mão estendida”. O
moçambicano deve ter crença no seu compatriota
e acreditar que este pode tornar-se num
inventor ou em um produtor de tecnologias
que façam frente às ditas calamidades naturais.
Investir hoje no “técnico” pode ser uma saída
segura num futuro muito breve.
F
icámos a saber do desastre
financeiro da EMATUM
através de publicações estrangeiras.
Cá dentro ninguém
tinha aberto a boca e, aparentemente,
poucos eram os que
sabiam do que se estava a passar.
Agora é também através de publicações
estrangeiras que ficamos a
saber que o desastre é muitíssimo
maior do que já sabíamos, na medida
em que, na mesma ocasião,
foi contraído um outro empréstimo,
a favor da PROINDICUS
(empresa irmã da EMATUM)
num valor de US$ 787 milhões.
Ainda não conheço as condições
deste novo empréstimo, mas não
é preciso ser economista para perceber
que este aumento da dívida
pública atira o país para uma situação
de impossibilidade prática
de pagamento, arruinando o prestígio
nacional nos mercados de
capitais e tornando cada vez mais
caros os futuros empréstimos que
vierem a ser contraídos.
Se já tínhamos uma enorme dificuldade
em pagar os juros da
EMATUM, quando eram a 8.5%,
agora que a dívida foi renegociada
e os juros passaram para 14%, as
dificuldades só podem aumentar.
Por outro lado, o Metical está, de
novo, a desvalorizar em relação ao
dólar. Ora as dívidas e juros são
pagos em dólares, o que significa
que são necessários cada vez mais
meticais para pagar os mesmos
dólares. Se o Metical continuar a
desvalorizar, em 2023, quando se
deverá pagar a dívida da EMATUM,
de acordo com a renegociação,
a quantidade de Meticais
necessários será imensa.
E não podemos esquecer que toda
esta manobra foi feita às escondidas
da Assembleia da República e
contrariando totalmente a lei que
não permite ao Estado ser avalista
de empréstimos para além de uma
determinada quantia (muitíssimo
inferior aos compromissos assumidos
pelo anterior governo).
Mas tudo isto poderia não ser
uma aberração económica se o dinheiro
dos empréstimos estivesse
a ser usado em actividades altamente
produtivas, que iriam gerar
grandes lucros, permitindo pagar
as dívidas. O problema é que o
dinheiro foi gasto em material de
guerra. E o material de guerra não
gera lucros a não ser para quem o
fabrica e vende. Entre os compradores
gera destruição e mortes e
situações em que a economia é a
primeira vítima, como a paralisa-
ção da actividade turística ou do
investimento estrangeiro.
A ganhar nisto tudo só vejo aqueles
que hão-de ter metido ao
bolso as generosas “luvas” que os
negociantes de armas sempre oferecem
aos seus clientes.
Todo este desastre levado a cabo
pelo anterior executivo, do “filho
mais querido do povo moçambicano”,
e continuado pelo actual.
Ambos do partido Frelimo.
E a minha pergunta é: Os inúmeros
membros honestos e patriotas
do partido Frelimo vão continuar
calados perante isto tudo? Vão
continuar a consentir que o país
seja mergulhado no abismo para o
enriquecimento de uma pequena
cam(b)ada?
Têm coragem de se continuar a
tratar por “camaradas” uns aos
outros?
O abismo
RELATIVIZANDO
Por Ericino de Salema
D
epois que o assunto foi mantido nas gavetas por
pelo menos três semanas, como se se tratasse de
algo não urgente e de relevância nenhuma, finalmente
a Assembleia da República (AR) discutiu,
esta semana, a proposta de criação de uma comissão de
inquérito para investigar a situação dos refugiados mo-
çambicanos no Malawi, incluindo aspectos como o que
levou aqueles milhares de compatriotas a abandonarem o
país e os relatos de violações graves de direitos humanos.
O chumbo àquela já defunta empreitada, que fora apresentada
pela bancada parlamentar da Renamo, teve o alto
patrocínio da bancada maioritária da Frelimo.
Em finais do ano passado, a AR, igualmente com o voto
maioritário da bancada do partido no poder, a Frelimo,
chumbou a ideia na altura apresentada pela bancada do
MDM, no sentido de se constituir uma comissão de inquérito
à EDM, uma firma pública que se tem destacado
no que à prestação de serviços de péssima qualidade diz
respeito, ao que se acresce ao facto de, amiúde, ser referida
como que estando inserta em esquemas de duvidosa legalidade
e quase nenhuma transparência.
A função do Parlamento, como se sabe, não se resume
somente à feitura de leis, não constituíssem, os 250 deputados,
a assembleia representativa de todos os moçambicanos;
outra função da AR é de fiscalização da acção
governativa, na esteira do que terão, obviamente, surgido
as duas propostas supra citadas, que, entretanto, não tiveram
como proceder devido ao voto maioritário da Frelimo.
Justificações para o efeito, ainda que legais mas de legitimidade
problemática, não faltaram e jamais faltarão.
Achamos nós que é mais do que chegado o momento de
se introduzir um outro regime para regular a constituição
de comissões parlamentares de inquérito, por o que se vem
observando de há alguns anos a esta parte ter já se mostrado
quase inútil em absoluto. Neste momento, a constitui-
ção das comissões de inquérito é regulada pelo Regimento
da Assembleia da República, aprovado pela Lei número
12/2013, de 12 de Agosto.
Diz o Regimento da AR (artigos 94 e 95), que as comissões
de inquérito são criadas por deliberação do plenário
[da AR], “para averiguar o respeito da legalidade e do interesse
nacional, no funcionamento das instituições”. Antes
de se chegar ao plenário, como sucedeu nas duas situações
citadas acima, relevantes propostas devem ser endereçadas
à presidente da AR, por solicitação, à Comissão Permanente
[da AR], por pelo menos 10 por cento dos deputados
(25 deputados no mínimo).
Mas o quê, em concreto, pode ser feito para que este mecanismo
de protecção do interesse público não continue
a ser esvaziado e minimizado pelo voto maioritário, neste
momento em óbvia sintonia com os detentores do poder
executivo?
Muito pode ser feito, certamente, mas haverá o que se afigurará
mais sólido sob o ponto de vista de salvaguarda do
interesse público e não de meros interesses político-partidários.
Achamos nós que o regime da constituição das
comissões parlamentares de inquérito deve ser inserto na
Constituição da República (AR), sendo que, à lei ordinária
(Regimento da AR, neste caso), caberiam meras questões
procedimentais e não as relativas ao seu âmago em si.
Nisso, o que prevalece no Brasil, por via de uma consigna-
ção na lei fundamental, nos parece um modelo democraticamente
recomendável: assim que um terço dos deputados
da AR decidirem pela propositura de uma comissão de
inquérito, através do endereçamento do relevante pedido,
devidamente instruído, à presidente da AR (ou presidente!),
nada mais há a discutir senão proceder-se, de imediato,
com os formalismos necessários para o efeito. No caso
moçambicano pensamos que, , no lugar de um terço, se
considere, eventualmente, um quarto dos deputados, o que
aumentaria as probabilidades de o mecanismo ser accionado,
mas sem potencial de banalização, como sucederia se
se exigisse, por exemplo, um mínimo de cinco por cento
dos deputados.
Na actual arquitectura jurídico-legal, todo um país vê-se
impossibilitado de beneficiar de um dos mais idóneos mecanismos
de fiscalização governativa, o que nunca deverá
ser visto como uma má notícia à democracia. Em algumas
coisas, em boa verdade, é até irrelevante se se é do partido
A ou B ou de nenhum partido; a EDM, por exemplo, com
o seu péssimo serviço público, afecta, certamente, muitos
dos próprios deputados que a protegem injustamente.
Não é, pois, por acaso que no actual contexto, mesmo sendo
possível a constituição de uma comissão parlamentar
de inquérito por solicitação do próprio Governo (parte
final do número 2 do artigo 95 do Regimento da AR),
este [Governo], provavelmente não estando absolutamente
interessado na descoberta da verdade no tocante ao filme
real, e não de ficção, dos refugiados moçambicanos no
Malawi, mais o drama por aqueles deixado nas suas comunidades
em Tete, preferiu criar uma comissão integrada
pelos seus próprios colaboradores directos (o vice-ministro
da Justiça, neste caso), que, com pouca sofisticação, veio a
público desmentir tudo de tudo e a todo o custo!
Da forma como a coisa se acha juridicamente arquitectada
neste momento, talvez nem valha a pena que continuemos
a nos enganar pensando na existência dessa possibilidade
na nossa jovem democracia (formal). Ou, buscando inspiração
num antigo ministro, comprometemo-nos a oferecer
uma cerveja preta ou uma cerveja impala a quem falhar
na resposta à seguinte pergunta, por ser por demais fácil:
Quem tem medo das comissões de inquérito?
Quem tem medo das
comissões de inquérito?
Savana 08-04-2016 21 PUBLICIDADE
22 Savana 08-04-2016 DESPORTO
D
epois do brilharete de Laura
Nhavene, a única tenista
moçambicana a conquistar
o circuito da África Ocidental,
o mais importante do continente,
faz já muito tempo, o que lhe
valeu uma bolsa da Solidariedade
Olímpica para os EUA, a modalidade
conheceu um momento de
letargia, sobretudo com a retirada,
ao mais alto nível, dos irmãos Nhavene
e outras glórias, como Antó-
nio Sábado. Felizmente, a situação
está quase que ultrapassada, a julgar
pelo surgimento de uma nova
vaga de tenistas que está a surpreender
pela positiva, casos de Bruno
Nhavane, Marieta Nhamitambo,
Cláudia Sumeia, entre outros em
forja. Nas vésperas da partida dos
atletas para o Feedcup de Montenegro,
competição que se realiza a
partir do dia 10 deste mês, o SAVANA
procurou ouvir a sensibilidade
destes e alguns detalhes relativos à
modalidade.
”O país terá muito orgulho
dessas meninas ”
Valige Tauabo, presidente da FMT
O presidente da FMT, Valig Tauabo,
disse que depois de o país ter
participado no africano, nas categorias
de sub-14 e sub-16, em que
foi representado pelos atletas Bruno
Nhavene e Marieta Nhamitambo,
agora vai participar no Feedcup,
que é um evento internacional de
nações.
“Não é a primeira vez que tomamos
parte no certame, este é o segundo
ano consecutivo e, no ano passado,
fomos representados pelos tenistas
Cláudia Sumaia, Ilga João, Marieta
Nhamitambo e capitaneada por
Cláudia Bule. Neste ano o país será
representado por Cláudia Sumaia,
Marieta Nhamitambo e Nicoloe
Dias, esta a residir em Portugal,
sendo que se vai juntar às restantes
companheiras do grupo em Roma,
Itália, para de lá partirem para
Montenegro”.
As expectativas das atletas moçambicanas
são as de melhorar os resultados
que vêm desde o ano passado.
“A nossa selecção é composta por
atletas de tenra idade e que têm
muito por dar. Hoje pode parecer
que não termos bons resultados
significa fraco trabalho, mas nós
sabemos que no futuro o país terá
grande orgulho por essas meninas.
Por outro lado, nesta modalidade
não se classifica o ganhar, é óbvio
que ganhar é bom, mas os resultados
são tangíveis a longo prazo. As
derrotas que já sofremos constituem
um desafio e não nos desanimam.
Estamos convictos de que a selecção
de hoje tudo fará para dignificar o
país”, salientou.
Anotou, igualmente, que há que
olhar para esta modalidade tendo
em conta as suas características, as
suas especificidades, porque, “a tí-
tulo de exemplo, no lugar de a imprensa
dizer que Moçambique foi
humilhado ou que o atleta x foi
vaiado, no ténis a interpretação correcta
não é essa. Há que motivar e
não pôr em desespero o atleta, e é
a pensar nisso que este ano haverá
uma formação dos profissionais de
A nova era do ténis moçambicano
Por Paulo Mubalo
comunicação social”.
O presidente da FMT destaca a
contribuição do Governo e todos
os que de forma directa ou indirecta
apoiam o desporto nacional, com
destaque para o Comité Olímpico
de Moçambique.
“Pedimos apoio do
empresariado”
- Seleccionar nacional, João Carlos
Lobo
João Carlos Lobo é dos mais credenciados
técnicos de ténis no país
e, actualmente, exerce o cargo de seleccionar
nacional. Com cerca de 35
anos de experiência, Lobo já treinou
muitos tenistas que representam
o país nas mais diversas frentes, já
conquistou, nestes últimos anos,
várias medalhas com equipas e em
eventos como CPLP e SCASA.
“A avaliação que faço do ténis é
muito positiva, porque a partir do
momento em que no passado os
moçambicanos tinham dificuldades
para enfrentar adversários de
outros países e hoje o fazem sem
problemas, é sinal de crescimento.
Hoje fico orgulhoso porque num
passado recente os jogadores até ficavam
com medo quando jogavam
em Nelsprit, mas hoje não. Antes
pelo contrário, eles, os sul-africanos,
é que ficam com medo de nós. Ou
seja, o ténis está a crescer muito e a
prova disso é que no recente africano,
dos 32 atletas que participaram,
Moçambique ficou a meio da tabela
classificativa e no ano passado ficou
na última posição. Marieta Nhamitambo
ficou em 17º lugar e Bruno
Nhavene em 19º lugar. Repito, entre
os 32 melhores de África. Marieta
chegou a ganhar a uma tunisina e
Bruno a um egípcio. Sós estes dois
nomes assustam, porque estamos a
falar de países onde cada um chega
a movimentar dois mil atletas”,
contou.
O seleccionador nacional explica,
ainda, que Cláudia Sumeia já fez
muito tal como Laura, sendo que a
diferença reside no facto de que, enquanto
esta última jogou nos EUA ,
“Cláudia é produto nosso”.
Segundo conta, Cláudia é uma
vedeta sem ter jogado nos EUA.
“Aliás, há mais jogadores, casos de
Sigaúque, este dotado de uma boa
técnica e que é produto nosso, e
Bruno Nhavene, que começaram
a despontar internamente. Bruno
hoje é o que é e só tenho a agradecer
a todos os colegas pelo excelente
trabalho que estão a realizar”.
O técnico diz que o país não só tem
bons treinadores como tem bons
jogadores, daí que seja necessário
resgatar o legado deixado por alguns
atletas, casos de Laura, Pilecas, entre
outros.
“Tal como nós, treinadores, Federa-
ção e Clube de Ténis que fazemos a
nossa parte, os pais deviam fazer a
sua, deviam trazer e acompanharem
os seus filhos para praticarem a modalidade”.
Lobo abre um parênteses para, de
viva voz, pedir mais apoios ao empresariado
e às pessoas de boa vontade
para que se aproximem à modalidade.
“Pedimos às empresas para que nos
apoiem, porque nós precisamos ir
mais além, queremos participar em
mais torneios, mas isso acarreta custos.
Estamos abertos para receber
qualquer tipo de apoio. Precisamos
de realizar, no mínimo, 20 torneios
para chegarmos ao pódio, para termos
o nível de países como Egipto,
por exemplo. Confiem em nós, pois
estamos a trabalhar muito e com
mais apoios os resultados não tardarão
a chegar”.
“Há que aumentar atletas
do sexo feminino”
-Marieta Nhamitambo, uma tenista
em ascensão meteórica
Marieta Nhamitambo começou
a praticar o ténis no Tunduro, em
2006, por influência da família e
teve na mãe a sua primeira treinadora.
Como momentos altos, a atleta
de sub-14 já conquistou o campeonato
nacional, em 2013, e repetiu
a proeza em 2014. Em 2015 conseguiu
qualificar-se para os Jogos
Africanos. Para além desses títulos
conta com outros, como um torneio
em Pretória em 2015 em singulares
senhoras, medalha de bronze nos jogos
da CPLP.
“O meu maior sonho é ganhar uma
bolsa para poder estudar e jogar té-
nis”, afirma a tenista, por sinal, admiradora
de Laura Nhavene, e de
russa, Maria Sharadova.
“Laura foi uma grande atleta. Ganhou
um campeonato africano e eu
ainda não o fiz, mas também há que
entender que o nível do ténis mudou
e as jogadoras são outras”, reagiu,
quando instada a estabelecer
uma analogia.
A atleta diz enfrentar dificuldades
para conciliar os treinos e a escola,
porque “não basta ser bom atleta
sem ser bom estudante”. E prossegue:
“Treino quatro vezes por semana
no período de duas a duas horas e
meia, e tenho procurado compensar
o défice aos sábados e domingos, em
que treino todo o dia”.
Conta que os pais são quem mais a
apoiam, pois há torneios em que é
necessário comparticipar na alimentação,
mas não descura o apoio da
federação.
A nossa entrevistada diz que para se
elevar o nível da modalidade exige-
-se mais investimento e isso passa
por se ter mais patrocínios. “Quanto
mais torneios internacionais participarmos
ou mais jogadores tivermos,
ainda bem”.
Conta que o ténis feminino tem
poucas praticantes e quando há
um torneio já se sabe quem vai jogar
com quem. “Julgo que a modalidade
não está a ser publicitada e,
como consequência, só vem aqui
quem realmente gosta de a praticar.
Mesmo assim, diz que não vai
desistir: “Sempre apanho inspiração
nos grandes torneios da actualidade,
e cada vez que vejo alguém na televisão
eu digo, quero ser como essa
pessoa”, rematou.
“FMT fez a sua parte, falta
nós fazermos a nossa”
-Cláudia Sumaia, a nova coqueluche
na modalidade
A completar 18 anos, em Maio pró-
ximo, Cláudia Sumaia é uma verdadeira
coqueluche na modalidade. A
atleta conta as suas peripécias e explica:
“com as minhas condições de
vida nunca iria jogar ténis, mas foi
a rotina casa-escola e vice-versa que
acabou mudando o rumo da minha
vida”.
“Fui convidada a treinar ténis, eu
estudava na Escola 16 de Junho e
quando passava pelo Tunduro ficava
a contemplar as partidas, e a senhora
Miriam e o falecido Caló, que Deus
o tenha, vendo a minha curiosidade,
convidaram-me a treinar. Isso foi
no dia 7 de Agosto de 2007, e essa
data ficou registada para mim até à
posteridade. Não me poderia atrever
a treinar com as condições que tenho,
porque meu pai faleceu quando
apenas tinha 7 anos e presentemente
vivo com a minha mãe, que não trabalha,
e mais dois irmãos”.
Cláudia Sumeia reside no bairro de
Malhapswene e dias há em que só
tem dinheiro para custear o chapa
até à baixa da cidade.
“Bem, isso acontece com frequência,
mas quando é assim peço ao clube
e eles têm sido bastante receptivos.
Mas quero agradecer, igualmente, a
federação, que tem feito o máximo
para nós, ao custear algumas deslocações”.
Este é, em resumo, o dia-a-dia daquela
que poderá vir a ser a maior
atleta do país dos próximos anos,
por sinal admiradora de Serena
Williams e Laura Nhavene.
“O maior sonho é jogar fora, ter
pontuação mundial, que nenhum
moçambicano tem”, disse para depois
acrescentar que mesmo jogando
internamente, com força de
vontade, querer, determinação e
perseverança, vai ultrapassando alguns
obstáculos.
“Estou a dever uma cadeira da 12ª
classe, mas há uma garantia do presidente
da FMT de me custear as
despesas da faculdade, por isso estou
a treinar muito e a estudar também
muito, não só para não defraudá-lo,
mas para me formar e poder encarar
os desafios do futuro com mais
preparação. Quantos às perspectivas
para o Feedcup, explicou que este
evento tem 1º, 2º e 3º grupos e “nós
queremos passar para o 2º. Isso é
possível, exige-se apenas mais trabalho”.
Cláudia Sumaia
Valige Tauabo João Carlos Lobo
Marieta Nhamitambo
Savana 08-04-2016 23 PUBLICIDADE
24 Savana 08-04-2016 CULTURA
Por Luís Carlos Patraquim
89
O
gosth writer de Manuscrito encontrado no Panamá é a sociedade
de advogados Mossack& Fonseca e a obra afigura-se tão excitante
como o famoso Manuscrito Encontrado em Saragoça, de Ian Potocki,
escrito no final do século XVIII.
O chamado Manuscrito de Saragoça, cuja versão integral em português
só foi publicado na década de 90 do século XX é um clássico da literatura
europeia e universal, classificado como o equivalente, de alguma maneira,
das Mil e uma Noites e o primeiro romance de aventuras onde se mesclam
todos os géneros: da pirataria ao policial, da capa e espada ao erótico, do
terror ao relato fantástico.
A deliciosa colecção B, da Estampa, onde só saiam livros arredados do
main stream literário, publicou nos idos de 70 uma versão do inclassificá-
vel, confuso até mas delicioso, livro de Potocki.
O Manuscrito encontrado no Panamá também implica um escritor, o senhor
Fonseca, entretanto rendido ao fascínio dos mails e das contas secretas
do jet set político e mediático de todo o mundo e Herr Mossack, antigo
oficial das Waffen-SS hitlerianas que encontrou no país do canal a paz, o
sossego e a prosperidade que merecia.
Ambas as obras caracterizam-se pela existência de uma multidão de personagens.
Potock usa-as como lhe apetece, esquece-se delas e, das que se
lembra ao longo de uma narrativa tumultuosa, recondu-las para a derruída
casa de Saragoça onde o seu herói encontrou os manuscritos, junto a um
par de enforcados.
Pela dimensão que o Manuscrito do Panamá está a tomar – pode dizer-
-se que é um rake’s in progress – não duvido que ultrapassará o do remoto
autor polaco. Terá vários tomos, com a originalidade de ser escrito nas mais
desvairadas línguas, ultrapassando as cerca de mil figuras que povoam a
obra-prima de Tolstoi, Guerra e Paz.
Em termos de estrutura narrativa, a obra em curso de ser escrita pelos
jornalistas de investigação de todo o mundo, consagra a originalidade já
presente no Quixote de Cervantes, com estórias dentro da história, prosseguida
por Potock, e não deixará de ser, a seu modo, uma homenagem
ao Decameron, de Bocaccio. Lembram-se. Por causa da peste & etc, um
grupo de homens e mulheres resolve divertir-se em todos os sentidos e vai
debitando as suas narrativas. Bocaccio obedece a uma numerologia. Uns
séculos mais tarde, o divino Marquês de Sade escreverá os Cem Dias de
Sodoma. Pasoloni realizará Saló, baseado no texto sadiano.
A numerologia que, adivinha-se, estará presente na caudalosa narrativa
agora começada, é de outro cariz e tão sumptuosa e anti-higiénica como a
cabeleira da Pompadour.
As analogias com as obras citadas são imensas. A peste no Manuscrito encontrado
no Panamá é o relaxado comportamento de uma personagem que
dá pelo nome de capital financeiro na era da globalização, consubstanciada
na trupe de aventureiros que chegam a todos os portos do mundo com o
seu can-can retórico, o seu music hall, a sofisticação do Crazy Horse parisiense,
os senhores respeitáveis de todas as profissões, os grandes patriotas
com um mão nas pudibundas partes das instituições políticas dos países
que dirigem e a outra mergulhada nos bolsos do Zé-Ninguém, promovido
a cidadão de coisa nenhuma… ou quase.
Há personagens que começam a aparecer, melhor, a serem escritos, nas suas
árduas tarefas e nas bem-aventuranças. De Putin ao Rei da Arábia Saudita,
do primeiro-ministro islandês a Pedro Almodovar e Leonel Messi. Haverá
aqui, também, uma infinidade de sub-plots a que o voyeurismo pasmado
das opiniões públicas, onde as houver, terá acesso. Não será uma leitura
edificante. Ou será, dependendo dos pontos de vista.
É injusto que comecemos a ter acesso a uma obra que era suposto jazer na
espécie de arca pessoana onde sempre esteve. Abomino profanações!
Não consta, por enquanto, que a volúvel e caprichosa Senhora Dona Mercados
já tenha começado a gritar atrás dos reposteiros.
Manuscrito encontrado
no panamá
N
o âmbito das festividades do Dia da
Mulher Moçambicana que se comemora
a 7 de Abril, o Centro Cultural
Franco-Moçambicano acolheu o espectáculo
musical Mulheres pela Paz, nesta
quarta-feira, dia 6 de Abril de 2016.
Neste espectáculo de homenagem à mulher
moçambicana, o CCFM recebeu sete Mulheres:
quatro cantoras, duas bailarinas e
uma estilista. Trata-se das cantoras Yolanda
Kakana, Isabel Novella, Sizaquiel e Regina
dos Santos, bailarinas: Kátia Manjate e Janete
Malapha, estilistas. As mulheres foram
acompanhadas neste espetáculo pela Banda
Kakana.
Para celebrar este dia, um grupo de mulheres
decidiu juntar-se para celebrá-lo de uma
forma especial quer através da música, dança
e moda. Elas acreditam que, através das actividades
que propõem, é possível manifestar
a preocupação que se instala no coração de
todos.
Yolanda Kakana é o nome adoptado por Yolanda
Chicane, uma jovem moçambicana que
começou a sua carreira musical em 2003. Em
2004, yolanda junta-se ao produtor e guitarista
Jimi Gwaza (Azarias Arone) e fundam
a banda Kakana com o objectivo de usar o
dom dado por Deus para expressar o amor,
a paz bem como a verdade amarga do mundo
actual usando doces melodias. Kakana
identifica-se com a fusão de vários estilos
musicais destacando-se o Afro, Rock e Jazz
e composições escritas em várias línguas. Ao
longo de sua carreira, Kakana tem arrecadado
vários prémios a saber: Melhor voz (Top
Ngoma 2007, 2010, 2012), Revelação (Top
Ngoma 2007), prémio fusão (Top Ngoma
2010), melhor banda (Top Ngoma 2009) e
prémio fusão (Mozambique Music Awards
– MMA 2010). Para o Festival Azgo 2014,
Yolanda preparou um repertório já conhecido
pelo público que acompanha o seu trabalho.
Isabel Novella é uma cantora moçambicana
de word music, soul, pop e jazz. É a primeira
artista pan-africana a assinar contrato com a
Native Rhythms e com Sony Music. Desde
que se uniu à Native Rhythms, Isabel encontrou
ressonância e espaço no mundo da mú-
sica pop, tanto em Moçambique quanto noutros
lugares, incluindo a África do Sul – um
país que rapidamente se tornou a sua segunda
casa. Antes de voltar para Moçambique,
Isabel teve uma oportunidade invejável para
actuar em mais de 40 concertos e festivais na
Europa antes mesmo do lançamento seu pró-
prio álbum solo, lançado em Abril de 2013.
Na África do Sul, Isabel agraciou concertos e
festivais de prestígio, incluindo o prestigiado
Road Joy of Jazz, Ugu Jazz Festival, East Comes
Alive Concert e o anual Buyel’ Ekhaya
Pan African Festival, recentemente actuou no
Mulheres cantam pela paz
como qualquer outra. Nasceu na província
de Nampula e entra para o mundo da música
ainda muito nova, fazendo alguns coros nos
ensaios da banda do seu pai, Januário Matlombe
Regina dos Santos é vocalista da banda Mo-
çambicana GranMah desde 2012, que explora
sons de Reggae, Dub, Jazz, Pop com influências
de sons nacionais e internacionais.
É nesta banda que começou a sua carreira
profissional. Desde criança que canta em coros
nas escolas e coros de gospel e fez parte
de uma banda de Rhythm and Blues na universidade.
A sua outra profissão é na área de
desenvolvimento, concentrando-se na área de
género, ambiente e democracia em Moçambique.
Kátia Manjate é bailarina e coreógrafa mo-
çambicana nascida em 1984. Actualmente
encontra-se a concluir os seus estudos em
Teatro na Escola de Comunicação e Artes
(ECA, Maputo/Moçambique). Desde 2003,
ela vem desenvolvendo o seu próprio trabalho
como criadora de dança contemporânea,
tendo participando no 1º Estágio de Dança
Contemporânea, o primeiro programa de
formação profissional organizado pela CulturArte
e Danças na Cidade (Lisboa/Portugal)
em 2003-04. Como parte deste programa,
recebeu formação em aulas com Boyzie
Cekwana, Desiré Davids, Faustin Linyekula,
Gilles Jobin, David Zambrano e Francisco
Camacho, entre outros.
Sua abordagem geral para o movimento está
ligada a sensações, real ou movimento imaginário
como uma extensão de sua fonte interior.
A maior parte do seu trabalho é baseado
em intercâmbios e colaborações.
Janeth Mulapha, bailarina e coreógrafa mo-
çambicana nascida em 1978, inicia a sua
formação em Dança em 1998, na Escola de
Dança Máscara/CulturArte, onde adquiriu
os primeiros conhecimentos em Danças Tradicionais,
Dança Moderna, Música e Contacto-Improvisação.
Participou no 1º Estágio
de Desenvolvimento Coreográfico organizado
pela CulturArte (2003/05), onde trabalhou
com os coreógrafos Boyzie Cekwana,
Desire Davids, David Zambrano, Mat Voorter,
Gilles Jobin, Faustin Linyekula e George
Khumalo. Deu continuidade à formação em
dança contemporânea em vários workshops
com coreógrafos internacionais, tais como
Sello Pesa, Frans Poelstra, Paulo Henrique e
Elisabeth Coorbett.
Maida Jossefa é estilista há três anos e consultora
de moda há 18. Dedica-se à linha
AFRO-Chic trazendo o estilo tradicional à
modernidade. Participou na Feira de Turismo
“Descubra Moçambique” em três anos consecutivos
e foi designada melhor estilista na
categoria Vestes Tradicionais. A.S
Atlantic Music Expo, Cabo Verde,
em Abril de 2013. Compor música
e cantar é uma grande paixão na sua
vida. Ela escreve suas letras em Português,
Inglês, Chopi e Shangana e
sua música pode ser melhor descrita
como um equilíbrio entre Soul, Pop,
Jazz luz e música do mundo.
Sizaquel Matlombe é detentora de
uma voz exímia, atraente e inconfundível.
Sem dúvidas, ela ostenta
uma das melhores vozes no panorama
musical moçambicano. Os tí-
tulos conquistados no Ngoma Mo-
çambique falam por si e provam o
talento desta mulher de uma voz de
muitas vozes. Vinda de uma família
de músicos, desperta em si muito
cedo o gosto pela música. Considera-se
uma mulher, menina simples Isabel Novella
Dobra por aqui
SUPLEMENTO HUMORÍSTICO DO SAVANA Nº 1161 DE ABRIL DE 2016
SUPLEMENTO
2 Savana 08-04-2016 Savana 08-04-2016 3
Savana 08-04-2016 27 OPINIÃO Abdul Sulemane (Texto) Ilec Vilanculo (Fotos) T
odos os dias acredito que sejam também das mulheres. São elas que
com as suas actividades complementam a vida da nossa sociedade.
Descrever o papel da mulher na sociedade não caberia nesta página.
De uma forma sucinta vamos procurar celebrar o papel que a mulher
desempenha nas nossas vidas.
Como sabemos, as mulheres desempenham um papel preponderante na vida
de todos os seres humanos. Todos nós nascemos de uma delas. Devemos a
vida a elas. E outras coisas devemos à mulher. Além da vida existe também a
questão do carinho, compaixão, confraternidade que encontramos na mulher.
O seu papel na vida é indiscritível. Embora existam momentos na vida que
esquecemos, ignoramos o papel de mulher nas nossas vidas. Quando paramos
para pensar que a vida que temos devemos a elas. O nosso crescimento
até à vida adulta devemos a elas.
Logo nos primeiros sinais do dia são elas que acordam e organizam as necessidades
básicas para que a vida de muitos seres humanos inicie condignamente.
Organizam o banho, a primeira refeição para que os membros do
agregado familiar tenham energias suficientes para enfrentar a vida. São elas
que lutam diariamente para manter a família coesa.
Quando saímos à rua encontramos a mulher a lutar, à procura de meios de
sustentar a vida dos seus filhos e familiares. Nessa luta diária ela chega ao
ponto de esquecer da sua vida própria em prol dos outros.
Elas são muitas vezes personagens das injustiças, atrocidades, violações e outros
males. Esquecemos que elas são figuras preponderantes de todas as sociedades.
Mesmo na vida adulta, o homem precisa do alento de uma mulher.
Recordo que depois de um dia cansativo do trabalho, em casa são elas que
cuidam de todos. Esquecemos que elas também se cansam.
Mas como elas foram mais dotadas, são as mais fortes entre os seres humanos,
esforçam-se para encarar o novo dia com a mesma vivacidade.
Tudo isso para falar da mulher, mãe, esposa, amiga e colega. É nos braços
da mulher que afagamos o cansaço, frustração, desalento e recarregamos as
energias para encarar o novo dia. A figura da mulher é fundamental para a
vida.
Se existe alguma dúvida imaginemos como seria o mundo sem a mulher.
Acredito que as atrocidades, frustrações e outras maldades seriam ainda
maiores. A mulher é um filtro na vida dos seres humanos. Por isso que todos
os dias tínhamos que agradecer a elas por existirem nas nossas vidas.
Mesmo que de uma forma atafulhada, tentamos descrever a figura da mulher,
nesta data, 7 de Abril, que comemora mais uma exaltação do seu dia. Neste
contexto, o jornal SAVANA deseja um feliz dia da mulher moçambicana
para todas as mulheres deste vasto país. Por isso temos nesta última imagem
Benvinda Tamele, Lúcia Maurício, Carmelinda Gaspar e Bela Chiziane a
representarem as mulheres da MediaCoop. Mas temos a Sara Gani que não
se encontra na imagem, mas que faz parte do elenco feminino da empresa.
Elas é que são a força motriz da nossa empresa. Mais uma vez feliz dia das
mulheres moçambicanas. Sem elas não seríamos seres dignos deste mundo.
No dia delas
IMAGEM DA SEMANA
À HORA DO FECHO
www.savana.co.mz n5 5 ,#&5 5hfgl5R5 5 5R5 o
1161 Diz-se... Diz-se
Como vem sendo frequente
nos últimos meses,
o Gabinete Central de
Combate à Corrupção
(GCCC) anunciou a instauração
do processo-crime contra a antiga
directora-geral do Instituto Nacional
de Transportes Terrestres
(INATTER), Ana Dimande, indiciada
pela prática dos crimes de
pagamento de remunerações indevidas
e abuso de poder.
Para acusar a ex-dirigente, uma figura
do círculo familiar de um dos
principais colaboradores do antigo
presidente da República, Armando
Guebuza, o GCCC arrolou um
conjunto de factos contrários à lei,
ocorridos entre Dezembro de 2014
a Abril de 2015.
Do conjunto das infracções arroladas
como crimes, consta o pagamento
de salários indevidos a seu
favor e a mais 31 funcionários subalternos
e próximos da dirigente.
Segundo o GCCC, para conseguir
seus intentos, a referida dirigente
ignorou, de forma propositada, um
despacho conjunto dos Ministros
das Finanças e de Transportes e
Comunicações, que fixava nova
tabela de remunerações para os
quadros daquela instituição e que
proibia o pagamento de quaisquer
outros abonos, para além dos previstos
na referida deliberação.
Mesmo com o conhecimento da
respectiva directiva, a ex-directora e
os restantes funcionários receberam
as remunerações acrescidas de valores
indevidos, tendo prejudicado o
Estado em cerca de 11 milhões de
meticais.
Após a dedução da acusação, o processo-crime
foi remetido ao Tribunal
Judicial do Distrito Municipal
KaMpfumo para posteriores trâmites
processuais.
A presente acusação vem juntar-se
a tantas outras que o GCCC anunciou
ter movido contra altos dirigentes
do Estado e das empresas
públicas por delapidação dos bens
públicos, mas que depois acaba não
se conhecendo o seu desfecho em
alguns casos, e noutros os arguidos
são absolvidos por insuficiência de
provas ou por má instrução dos
processos, ficando o Estado mo-
çambicano lesado.
Os pecados de Dimande
Em Abril de 2015, Ana Dimande
foi exonerada do cargo de direc-
.), 5 )5 65 * &)5'#(#-.,)5
dos Transportes e Comunicações,
Carlos Mesquita, depois de o jornal
5. ,5*/ &# )5/'5 - â(-
dalo financeiro naquela instituição.
5,)' )5 , 5&# , )5* & 5, -*)(-
sável mais alta da instituição e o
mesmo consistia na violação de ordens
superiores e aprovação de salários
exorbitantes para os responsáveis
daquela instituição. Como
resultado desses abusos e violações
de ordem superior, Ana Dimande
auferia cerca de 500 mil meticais.
Assim, Ana Dimande tinha mensalmente
na sua conta cerca de 500
mil meticais resultantes do somatório
do salário-base na ordem de
168 mil, acrescido de um bónus de
120 por cento e outro de 60 por
cento. Portanto, somava-se 168 mil
+ 201 mil + 100 mil, totalizando
um abono de 470.400 Meticais.
A tabela salarial foi “inventada”
pela própria directora, violando,
deste modo, uma directiva
conjunta assinada pelos
antigos ministros das Finanças e
dos Transportes e Comunicações.
É que, por despacho conjunto, assinado
em Setembro do ano de
2014, pelos antigos Ministros das
Finanças, Manuel Chang, e dos
Transportes e Comunicações, Gabriel
Muthisse, introduzia-se uma
nova tabela salarial para os cargos
da Direcção Geral e das delega-
éċ -5, !#)( #-5 )5 65.),-
nando claro que não seriam pagos
“outros abonos ou remunerações”
fora daqueles que estão previstos
no referido despacho conjunto.
5 -* ")5 )($/(.)5 -.#*/& 0 5
em 168 mil Meticais o salário base
para o Director-geral, acrescido de
16 mil Meticais de renda de casa,
um subsídio de telefone de 7.227
Meticais e 10 mil Meticais para
despesas de representação totalizando
201 mil meticais.
Por Raul Senda
Ex-directora do INATTER
a caminho do Tribunal
Foto: Ilec Vilanculos
R555A humilhação sofrida pelo “camarada” JZ no país dos cunhados,
por desrespeito da Constituição, é um duplo revés para as nossas
bandas. Para o “pai da democracia” que tanta fé faz para mediador
do diálogo no polígamo que acredita que um chuveirinho afasta
)5 7 # 65 5* , 5 5 , &5. ' ï'65*)#-5 !), 5. '5)5*)0)5' #-5
. (.)5+/ 5(/( 5 5 4 ,5 )'* , éċ -5 (., 5 5' (-ã)5 5 % (-
dla e as borradas da Ematum e Proindicus que vão directamente
parar à soleira da porta do cachimbo.
R555Com a “camarada” Dilma mais isolada, com o “camarada” Lula a
lutar pela sobrevivência, com o “camarada” José Dirceu sacrificado
* & 5 /- 5 5$á5( 5*,#-ã)65ŀ 5 # ù #&5* , 5* ,. 5 5()' (%& ./, 5
local não sofrer, pelo menos os dramas psicológicos das martiri-
4 (. -5* & 0, -5^& 0 $ .)_55 5^(% ( & _85 .ï5 5*,) /, ), 5/ "#
deve ter sido assaltada de dúvidas nos seus sonhos, se deve ou não
avançar com um processo contra quem a nomeou. Tássemal…
R555Estava o nosso ministro lança-perfume em verdadeiro repouso
do guerreiro depois das bem sucedidas batalhas de Londres e
)0 5 ),+/ 65-)(" ( )5 )'5' #-70 &# -5 5 22)(5
) #&5 .ï5 )5
fim do ano, o que eventualmente lhe dará uns trocos para sanar
trapalhadas da anterior governação, o descalabro que anda pelas
empresas públicas e ainda oferecer umas reservas a juro negociado
aos homens do edifício megalómano, eis que um jornal nova
iorquino decide dar-lhe mais uma dor de cabeça de origem viral.
5 0ù,/-5 " ' 7- 5 ^ ,)#( # /-_5 5 ( 0 5 ()5 ,5 "á5 0á,#)-5 ()-85
Com ou sem vírus, a agência de notação S&P, que tem o país
debaixo de olho, baixou-nos a classificação para “SD” (qualquer
coisa como incumprimento selectivo), bem pertinho de declarar
o país incapaz de respeitar os seus compromissos internacionais
de pagamento da dívida.
R5555Com mau dormir também andam os homens do edifício megalómano.
Eles que apelam à contenção, e se preparam para mudar
para instalações milionárias (na ordem dos três dígitos),estão de
cabeça à nora com o deslizar do malfadado metical, esta semana
trocado a 59 unidades contra uma verdinha no informal, uma
variação de 20% contra as tabelas dos bancos, rácio que há muito
tinha desaparecido do mercado local.
R555Este cenário torna mais reais as previsões dos dois bancos azuis
que não vêem como não escapar a novas subidas das taxas de juro
.ï5 )5 ŀ'5 )5 ()85 '5 *#),5 ()5 (. (.)5 -.ã)5)-5% ' -65 +/ 5
têm o dólar agora nos 450 Kwanzas, três vezes mais o preço da
cotação oficial.
R555Mas apesar da falta de liquidez, da ameaça de venda da operação
africana pelo banco mãe, o banco de Dona Lulu chegou aos cinco
milhões (USD) de lucro, depois de uma injecção de USD120 mi-
&"ċ -5 '5hfgj5 5+/ .,)5 ()-5()50 ,' &")85 5' /5* , 5+/ '5
$á5 )#5 ' & #é) )5*),5- ,5 5 (.#! 50 5& #. #, 5 5()' (%& ./, 5
rendeira. Ajuda também no sono e nos sonhos.
R555Quem já anda com pesadelos por antecipação é a titular do ministério
dos distritos e das xicalamidade e o seu vice, especialista
em motins anti-oposição, em Gaza. Puto Daviz prepara-se para
lhe mandar os nomes da nova toponímia da capital rebelde e não
constam os nomes Karl Marx, Friedrich Engels, Lenine e Mao
Zedong. Uma verdadeira chatice.
R555 -5 ,#- /-65 -- -65.ð'5 !), 5-)()5 5-)(")-5' #-5-)-- ! )-65 !)-
ra que se foi o seu mais virulento espinho na garganta, o bispo
'ï,#.)5 5 *#. &5 5)*)-#éã)85 5"), 5 5'),. 65 -* , 7- 5 )'
/,#)-# 5 5 & , éã)5 5 65/' 5 -50)4 -5 /.),#4 -5
da ala mais conservadora da marca frel.
Em voz baixa
R5555Em agonia está o “pai da democracia”, algures na Gorongosa, que
'5!)-. ,# 5 5#,5à5 #, 5 ,5)5Ě&.#')5 /-5 )5* , (. 5+/ 5 '5
o auxiliou no caminho das pedras até Roma, em 1992.
Savana 08-04-2016 1
0DSXWR GH$EULOGH $12;;,,,1o 1161
A
Letshego, uma subsidiária
do Letshego Holdings Limited
(LHL), um grupo
Pan Africano de serviços
financeiros com sede em Gaborone
e listada na bolsa de valores de
Botswana (BSE), tornou-se desde
esta quarta-feira a emissora principal
de cartões em Moçambique
licenciada pela MASTERCARD,
uma empresa norte-americana do
sector de pagamentos, que possui
mais de 25 milhões de membros.
O director do grupo Letsego, Chris
Low, diz que esta acção marca uma
nova forma de estar e ser do banco
no país e no mundo, pois vai contribuir
para uma maior inclusão fiLetshego
licenciada pela MASTERCARD
nanceira com destaque para as mulheres.
Segundo Chris, a Letsego é
uma marca que ganhou confiança
em toda a África e a concessão de
uma licença de emissor principal da
Mastercard vai ajudar a aumentar a
sua vasta gama de produtos e serviços
inovadores e financeiramente
inclusivos.
Sublinhou Chris que Moçambique
é o primeiro país dentro do grupo
Letshego a receber estes serviços,
o que mostra que tem um grande
potencial de negócios que tanto
precisavam de ser acelerados.
A licença de emissor principal da
Mastercard permite que o Letsego
se envolva na emissão de cartões
e ATM, ou com comerciantes ou
ainda aquisições. Assim, a Letsego
vai procurar explorar o vasto leque
de pagamento de serviços de valor
acrescentado que a Mastercard oferece,
principalmente voltados para
inclusão financeira. Estes incluem
intervenções financeiras de alfabetização,
soluções de remessas e
tecnologias sem contacto, trazendo
valor adicional para os clientes
existentes.
Enquanto isso, o PCA desta instituição
financeira, Tobias Dai,
considera esta nova parceria como
sendo o primeiro passo para o desenvolvimento
de soluções adequadas,
simples e de baixo custo para
os distritos. Segundo Dai, numa altura
em que o país celebra o mês da
mulher, o Letsego também levanta
a voz para a sua respectiva promo-
ção e inclusão financeira.
O Letshego abriu as suas portas em
Moçambique a 11 de Fevereiro de
2011, como parte do Grupo Letshego
Holdings Limited (LHL)
que é listada na Bolsa de Valores
(BSE) com uma capitalização de
mercado de cerca de USD550 milhões
em finais de Janeiro de 2014.
Letshego é um termo em Setswana
que significa apoio. Letshego é um
objecto Africano utilizado para cozinha,
a qual apoia panelas no fogo
e simboliza a confiança, a estabilidade
e a capacidade de fornecer os
recursos necessários para o auto-
-sustento.
Em Moçambique conta actualmente
com uma carteira de 55 mil
clientes, dos quais 30% são mulheres
e dispõe de filias em todas as capitais
províncias do pais, sendo que,
de acordo com o respectivo PCA, a
aposta nos próximos tempos é entrar
nos distritos e criar opções de
financiamento para os agricultores.
Por seu turno, Charlton Goredema,
vice-presidente da Mastercard
para as áreas de negócios na África
Austral e ilhas do Oceano Índico,
destacou que a sua instituição é
parceira primordial da Mastercard
e espera contribuir para a inclusão
e desenvolvimento da população
moçambicana.
Savana 08-04-2016 2
O
Barclays Bank Mo-
çambique, S.A. (BBM)
apresentou nesta terça-
-feira, 5 de Abril do
corrente ano, os seus resultados
referentes ao exercício de 2015.
A apresentação dos resultados
foi realizada por George Franco
Davis, Director Financeiro da
Instituição, que deu uma nota
positiva a nível dos Resultados
Líquidos do Exercício, fixado
em 308 milhões de Meticais, o
que representa uma recupera-
ção muito significativa quando
comparado com o resultado de
negativo de 16.9 Milhões de
Meticais em 2014.
O Davis, referiu ainda que os
resultados alcançados são ainda
mais sólidos quando se compara
com o ano anterior, o Banco
aumentou os proveitos (em cerca
de 50%), reduziu as imparidades
de crédito (em cerca de 22%) e
expandiu de forma significativa
a carteira de depósitos e crédito.
“Uma dimensão não menos importante,
é a robustez da posição
de capital do Barclays, com um
maiores níveis de capitalização
e liquidez do mercado moçambicano,
factores também de sucesso
que o torna um parceiro de
referência para grandes empresas
a operar no país ou com planos
de investimento avultados para
um futuro próximo”.
De acordo Rui Barros, Admnistrador
Delegado do BBM,
os resultados do exercício ecoBarclays
mais sólido em 2015
nómico de 2015 demonstram o
sucesso da estratégia do Banco,
que já havia dado sinais positivos
de crescimento em 2014.
“O compromisso em ser o Banco
de Referência em Moçambique
e a exigência contínua dos
Clientes levaram o Barclays
a planear mais investimentos
para 2016, em particular no que
respeita à melhoria no atendimento
diferenciado, da infra-estrutura
tecnológica e aposta na
inovação, por modo a tornar-se
a escolha óbvia de quem procura
um banco de excelência”.
O Administrador Delegado,
realçou ainda que 2015 foi também
um ano de investimento na
simplificação da estrutura mais
operacional do Banco, com o reforçar
do posicionamento mais
centrado no Cliente, tendo reforçado
o nível de comunicação
com os seus Clientes, procedido
à abertura de um moderno Centro
Premier, e iniciado o processo
de reabilitação dos seus balcões,
para além do lançamento
novos produtos bancários.
Relativamente ao remanescente
do ano de 2016, os dois administradores
do Barclays Mo-
çambique denotaram preocupa-
ção com a situação económica
vigente de aumento de inflação,
redução do crescimento econó-
mico e subida de taxas de juro.
Contudo, no médio e longo prazo,
dizem-se confiantes no sucesso
de Moçambique e do seu
negócio. (E.C)
O
governo moçambicano
lançou, esta segunda-
-feira, no posto administrativo
de Sabie, distrito
da Moamba, província de Maputo,
um ambicioso projecto com vista
a expandir o sistema de abastecimento
de água na região do grande
Maputo.
De acordo com o ministro das
Obras Públicas, Habitação e Recursos
Hídricos (MOPHRH),
Carlos Bonete Martinho, o projecto
consistirá na construção de uma
Estação de Tratamento de Água
(ETA), com uma capacidade de
tratar 60 mil metros cúbicos por
dia, isto numa primeira fase e duma
conduta adutora que partirá de barGoverno
reforça abastecimento de água no grande Maputo
ragem de corumane até ao centro
distribuidor da Machava.
Segundo Martinho, o projecto é
co-financiado pelo governo mo-
çambicano e Banco Mundial, no
valor de USD178 milhões e contempla
ainda a construção de um
tanque de controlo pressão em
Pessene com capacidade para 5 mil
metros cúbicos dia.
Sublinhou que o sistema irá assegurar
a melhoria do acesso à água
para mais de 560 mil pessoas, partindo
do local da implantação do
projecto para zonas a norte dos
municípios de Maputo e Matola
e a vila de Marracuene. Espera-se
ainda aumentar as horas de distribuição
e que o projecto atraia e
alimente iniciativas de emprego e
empreendedorismo assentes nas
pequenas e medias empresas, bem
como na criação de mais postos de
trabalho para a população local.
Assegurou que aquele projecto será
replicado noutras cidades como
Beira, Quelimane, Pemba, Nacala
e Cuamba, locais onde serão estabelecidas
cerca de 45 mil novas
ligações domiciliares e construídos
29 fontenários públicos, que vão
beneficiar perto de 29 mil famílias.
Com estes planos, o dirigente diz
que se espera aumentar os níveis
de cobertura do abastecimento de
água para 75% nas zonas rurais e
em 90% para as zonas urbanas.
“Queremos assegurar que o processo
de ensino e transmissão de
conhecimento nas raparigas e nos
rapazes seja efectivo e não perturbado
por actividades domésticas de
busca de água”, frisou.
Continuando, Bonete chamou
atenção ao empreiteiro Denys Water
Work para a necessidade de observância
dos prazos de execução
das obra (dois anos) bem como da
qualidade do mesmo e evitar o má-
ximo possível os erros.
No entanto, o director-geral do
FIPAG, Pedro Paulino, disse que
a aposta na barragem de corumane
surge depois de estudos feitos entre
2010/11 terem concluído que a
estação de tratamento de água de
Umbeluzi havia atingido o limite
da sua capacidade. Assim, a única
fonte alternativa e segura seria a
barragem de corumane, num horizonte
de aproximadamente 20
anos, sendo que mais tarde em
função da demanda, haveria de se
recorrer à barragem de Moamba
major.
No entanto, corumane debata-se
com fortes restrições de água devido
à estiagem, sendo que actualmente
apresenta uma de 25% e,
caso não chova nos próximos tempos,
o investimento será um elefante
branco.
Entidade gestora da barragem
aponta que o governo tem em
manga um projecto de construção
de comportas que no mínimo vão
garantir a disponibilidade de água
durante uma época de estiagem.
F
oi lançada, na semana finda,
no Brasil, a segunda obra literária
do escritor moçambicano
Clemente Bata. Intitulada
“Outras coisas”, a obra reúne
contos de variada temática, como o
amor, o alcoolismo, os crimes, a violência
doméstica, entre outras. “É
uma junção de espaços físicos, reClemente
Bata lança obra no Brasil
tratando as desordens das relações
humanas em histórias instigantes,
de maneira subtil e comovente”,
afirma o autor.
A obra, de 132 páginas, publicada
sob a chancela da Editora brasileira
Kapulana integra a série “Vozes da
África”, responsável pela publicação
de obras de autores moçambicanos
como Francisco Noa, Ungulani Ba
ka Khosa, Suleiman Cassamo, Lica
Sebastião e Aldino Muianga.
Recorde-se que a primeira obra de
Clemente Bata, publicada em Maputo,
no ano 2010, foi laureada com
o Prémio Literário 10 de Novembro,
atribuído pelo Município de
Maputo.(E.C)
Savana 08-04-2016 3
O
s resultados alcançados
pelo Millennium bim
no ano de 2015 contribuíram
para as receitas
do Estado com cerca de
460 milhões de meticais só em
IRPC (imposto sobre o rendimento
das pessoas colectivas),
atingindo uma variação positiva
de 6% em relação ao mesmo
período do ano passado. A este
valor somam-se os 900 milhões
de meticais de retenção na fonte
que entraram nos cofres do Estado,
relativos a juros, dividendos,
rendimentos do trabalho pagos
e imposto de selo, que fazem do
Millennium bim um dos principais
contribuintes fiscais do país.
Estes dados foram divulgados
na Assembleia Geral do banBIM
contribuiu para o Estado
com 1.360 milhões
co, realizada na quinta-feira, 31 de
Março, onde os accionistas aprovaram
o Relatório e Contas relativo
ao exercício do ano de 2015. Com
o seu desempenho de 2015, o banco
apresentou um resultado líquido
de 3.7 mil milhões em linha, que
permitiu o reforço dos seus capitais
próprios e a obtenção de um rácio
de solvabilidade de quase 20% face
ao mínimo regulamentar de 8% demonstrando
a elevada robustez do
Millennium bim.
Estes resultados vêm, mais uma vez,
contribuir para consolidação do seu
posicionamento como agente activo
do crescimento económico e desenvolvimento
social de Moçambique.
De facto, os resultados apresentados
pelo Millennium bim, nos últimos
anos, têm permitido reforçar o seu
investimento na bancariza-
ção do país e inclusão financeira
das populações.
Refira-se que em 2015, e
mantendo a permanente
atitude de inovação que
desde sempre o caracteriza,
o Banco lançou o projecto
dos agentes bancários e
estabeleceu a parceria com
os Correios de Moçambique
que prevê a abertura
de balcões conjuntos nos
próximos anos em diversos
pontos do país, um investimento
que irá contribuir de
forma expressiva não só para
a recuperação do património
público, mas também para a
bancarização de Moçambique.
(E.C)
A
AIESEC-Associação Internacional
de Estudantes
em Ciências Económicas
e Empresariais realiza, no
país, a partir desta quarta-feira,
a segunda edição do Leadership
Challenge, um projecto nacional
de jovens universitários, que visa
despertar nos jovens a consciência
sobre o seu potencial de liderança.
O Leadership Challenge tem iní-
cio com a realização de cinco eventos
locais nas cidades de Maputo,
Matola, Xai-Xai, Beira e Nampula,
entre os dias 22 e 23 de Abril.
Em cada uma destas cidades serão
seleccionados os 10 melhores estudantes,
perfazendo 50 melhores
estudantes, que participarão no desafio
final, num retiro em Maputo,
onde terão uma preparação aprofundada
em investigação científica,
através de um corpo docente, empresariado
e personalidades.
Pretende-se com esta iniciativa
abrir um espaço que possibilite,
através de soluções de investigação
científica, a co-criação de soluções
práticas e aplicáveis, para servir o
País e o empresariado.
A segunda edição do Leadership
Challenge, a decorrer sob o lema
“Ciências e Tecnologia como catalisador
da educação em MoçamII
edição do Leadership
Challenge em movimento
bique”, visa igualmente envolver o
sector corporativo como incentivador
do desenvolvimento de liderança
jovem em Moçambique e
ainda criar uma ponte de cooperação
entre o sector académico e
a sociedade civil na materialização
de conhecimentos científicos para
o benefício social, entre outros aspectos.
No evento, em co-organização com
o Fundo Nacional de Investigação e
o Instituto Nacional da Juventude,
com o apoio do Conselho Nacional
da Juventude, serão identificados
problemas práticos que assolam o
País e o empresariado, devendo os
estudantes finalistas universitários,
através da investigação científica,
propor soluções concretas aos problemas
da sociedade moçambicana.
Savana 08-04-2016
4
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