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Numa Nota publicada no dia 5 de Abril 2016,1
o CIP levantou sérias preocupações referentes
a fundos defraudados pela Embaixada mo-
çambicana na Rússia durante 10 anos. A ênfase
dessa Nota foi sobre a falta do Tribunal
Administrativo e da Inspecção Geral de
Finanças em melhor supervisionar essa embaixada
(e outras). Nesta segunda Nota, o CIP
apresenta mais fundamentações para enfatizar
a falta de supervisão pelo MINEC à Embaixada
na Rússia, finalizando com recomendações
para evitar uma repetição de defraudação de
fundos do Estado.
De acordo com o Decreto nº 13/2003 que
aprova o “Regulamento de Organização e
Funcionamento das Missões Diplomáticas e
Consulares da República de Moçambique, Secção
I – Formas de Representação do Estado no
Exterior, Artigo 2 – Formas de Representação”,
1 “Desvio de Fundos na Embaixada de Moçambique
na Rússia: Ineficácia do Tribunal Administrativo e
Inspecção-Geral de Finanças”, 5 Abril 2016, http://
www.cip.org.mz/cipdoc/452_A%20Transparência%20
nº53_2016.pdf.
Moçambique representa-se no exterior
em forma de Missões Diplomáticas e
Consulares. As missões diplomáticas podem
ser: Embaixadas ou Altos Comissariados;
Representações Permanentes e Delegações
Permanentes. As missões Consulares podem
ser: Consulados Gerais; Consulados e Agências
Consulares. Este mesmo Decreto frisa que os
interesses do Estado moçambicano podem
ser representados por um Cônsul Honorário
e que todas as representações se subordinam
ao Ministério dos Negócios Estrangeiros e
Cooperação (MINEC).
De acordo com a página web do MINEC
(www.minec.gov.mz), Moçambique tem 74
Missões Diplomáticas e Consulares, isto é, 33
Embaixadas e Altos Comissariados, 12 Missões
Consulares e 29 Consulados Honorários. As 33
Embaixadas e os Altos Comissariados estão
distribuídos da seguinte forma: 12 em África,
11 na Europa, 4 nas Américas e 6 na Ásia.
Em Março de 2016, foi publicada nos órgãos de
comunicação social a informação de que:
Como pôde o Ministério dos Negócios
Estrangeiros e Cooperação estar
alheio a 10 anos de uso indevido de
fundos do Estado?
Designação 2010 2011 2012 2013
Despesa Corrente 45.535,0 44.986.9 52.457.9 64.900.3
Despesa com Pessoal 10.204.9 12.674.1 13.456.0 17.680.7
Juros e encargos 1.854.3 1.253.6 1.567.1 2.096.4
Transaferênciaas correntes
2.045.0 1.679.3 2.097.6 1.987.5
Segurança Social 3.067.0 4.765.3 5.087.9 4.679.0
Órgãos comunitários 6.098.3 5.986.2 6.345.0 4.756.8
Outros sectores 0.00 0.00 0.00 0.0
Despesas de Capital 2.986.0 3.007..5 3.098.1 2..097.3
Um Olhar
Sobre a Despesa Pública
Centro de Integridade Pública
Boa Governação - Transparência - Integridade ** Edição Nº 08/2016 - Abril - Distribuição Gratuita
Por: Celeste Filipe e Jorge Matine
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Nº 08 - Abril de 2016
“O Gabinete Central de Combate à Corrupção
(GCCC) acusou, na semana finda, um antigo
embaixador moçambicano na Rússia da
prática dos crimes de peculato, abuso de
função e pagamento de remunerações
indevidas, todos na forma continuada, com
prejuízos ao Estado estimados em cerca de
oito milhões de meticais.
Entretanto, no comunicado a que o
“Notícias” teve acesso, o GCCC não se refere
à identidade do acusado e ao nome do país
onde os factos se deram. A indicação de que
o país em causa é a Rússia foi confirmada à
nossa Reportagem por fonte do Ministério
dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
(MINEC), que também se escusou de revelar
a identidade do diplomata acusado.
Neste processo, o acusado é co-arguido de
um funcionário do MINEC que na altura
dos factos desempenhava as funções
de adido financeiro e administrativo na
embaixada. Da acusação deduzida contra
o antigo embaixador e o adido financeiro
e administrativo consta que o desfalque
aconteceu no período compreendido entre
2003 e 2012.
Nos termos da acusação do GCCC, servindo-
-se das funções exercidas e da faculdade de
gerir recursos financeiros, patrimoniais e
humanos postos à sua guarda, os dois apoderaram-se
de valores monetários disponibilizados
para efeitos de gestão corrente da
missão diplomática.
O Gabinete descreve que, para a materializa-
ção dos seus actos, a dupla recorria ao processamento
de salários de funcionários já
desvinculados da missão diplomática, bem
como o pagamento de um 13.º salário que,
entretanto, não era canalizado aos legítimos
beneficiários.
Entre as artimanhas igualmente usadas para
o desfalque, a acusação do GCCC refere-se
ainda ao pagamento fictício de passagens
aéreas e facturas de serviços de reparação
de viaturas; pagamento de ajudas de custo,
entre outras situações que terão causado
um desfalque ao Estado em cerca de oito
milhões de meticais.
O processo já foi remetido ao Tribunal
Judicial da Cidade de Maputo para efeitos
de julgamento.2
”
Posto isso, a informação remete-nos a recorrer
novamente ao Decreto nº 13/2003 que aprova
o “Regulamento de Organização e Funcionamento
das Missões Diplomáticas e Consulares da
República de Moçambique, Capítulo VII – Das
questões financeiras e patrimoniais, Secção
I – Programação Orçamental – Artigo 66 –
Elaboração do Orçamento”:
Este Decreto refere que cabe ao Ministério dos
Negócios Estrangeiros e Cooperação comunicar
os limites provisórios do Orçamento, bem
como a respectiva metodologia de preparação,
ficando por sua vez à responsabilidade da
missão Diplomática ou Consular elaborar a
Proposta Orçamental, em plena observância
dos princípios orçamentais consagrados na
Lei Moçambicana e enviar a tal proposta
ao Ministérios dos Negócios Estrangeiros
e Cooperação até ao dia 15 de Abril de cada
ano. A mesma Proposta Orçamental deverá
conter, em separado, os orçamentos corrente
e de investimento, devendo incorporar a
componente de receitas.
QUESTÃO 1: Havendo este rigor por parte do
MINEC de pré-envio dos limites provisórios
do Orçamento e a respectiva metodologia de
preparação, o que pressupõe que a proposta
orçamental enviada pelas respectivas missões
diplomáticas ou consulares não foge ao
previamente enviado pelo MINEC, então como
pode haver espaço para o pagamento de salários a
funcionários desvinculados (inclusive de um 13º
salário) sem o conhecimento do MINEC?
2 http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/
sociedade/53087-ex-embaixador-acusado-de-desviaroito-milhoes.
3
Um Olhar Sobre a Despesa Pública
QUESTÃO 2: As embaixadas, além dos fundos
enviados via Orçamento do Estado (pelo
MINEC), também recebem receitas próprias,
como resultado de cobranças pelos serviços de
emissão de vistos e outros serviços ao público.
A proposta orçamental enviada ao MINEC
deve incorporar a componente de receitas;
porquê o MINEC não reclama pelo não envio desta
informação para incorporá-la no Orçamento
Geral do Estado?
Ainda no Decreto nº 13/2003, Secção II –
Execução do Orçamento, Artigo 68 – Requisição
de Fundos lê-se:
“Até ao dia 15 de Dezembro de cada ano, as
Missões devem enviar ao MINEC as requisi-
ções de fundos referentes ao primeiro trimestre
e nela deve constar o processo de contas
referente ao trimestre anterior, cabendo ao
MINEC, após análise dos processos de contas,
proceder a reposição dos fundos num montante
igual ao valor efectivamente gasto pela
Missão de acordo com as instruções existentes
sobre a utilização de fundos inseridas no
presente regulamento.”
QUESTÃO 3: Havendo este controlo rigoroso por
parte do MINEC no uso e requisição de fundos,
como pôde ter passado despercebido o pagamento
fictício de despesas?
O artigo 70 do Decreto que temos estado a
citar, sobre a utilização de fundos frisa ainda
que:
“Na utilização dos fundos alocados às missões devem
ser respeitados os princípios de austeridade,
transparência, eficácia, eficiência e da legalidade
da despesa. E que nenhuma despesa poderá ser
autorizada pelo chefe da missão, sem que sejam
observados os princípios indicados no número
anterior, bem como a verificação do cabimento e
disponibilidade de tesouraria. Ou seja, as despesas
só poderão ser realizadas após autorização expressa
do Chefe da Missão, salvo delegação de competências
nos limites estabelecidos na legislação
aplicável ou definidos pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros e Cooperação. E o Adido Financeiro
escusa-se a cumprir ordens manifestamente ilegais
respeitantes à utilização de fundos.”
O Artigo 71, sobre pagamento de Despesas
reforça que:
“As despesas da Missão Diplomática ou Consular
devem ser pagas por meio de cheque ou transferência
bancária, salvo as referentes ao Fundo de
Maneio, sendo interditas outras formas de pagamento.
E o cheque ou a ordem de transferência,
serão obrigados por duas assinaturas, sendo imperativo
que uma delas seja do chefe da Missão ou
do Adido Financeiro. E as cópias dos cheques e das
ordens de transferência deverão ser arquivadas na
Missão.”
Sobre o Fundo de Maneio está dito na Secção
III, Artigo 74 – Constituição do Fundo de
Maneio:
“Para a Constituição do Fundo de Maneio, nos
termos da legislação em vigor sobre a Execução
Orçamental, o sector financeiro da Missão
Diplomática ou Consular deverá, com base na
programação previamente feita das despesas a serem
pagas, elaborar uma proposta que deverá ser
submetida ao chefe da Missão para a autorização,
cabendo a ele a fixação definitiva do limite a ser
observado, tendo em conta o custo de vida e os
objectivos já programados.”
O Artigo 75 é sobre Limites do Fundo de
Maneio:
“Os limites do Fundo de Maneio serão definidos
pelo Chefe da Missão e o limite mensal indicado
no número anterior não deverá ultrapassar o
valor da metade do subsídio mensal base do Adido
Financeiro.”
Já o Artigo 76 (Reposição do Fundo de Maneio)
esclarece que:
“A reposição do Fundo de Maneio deverá ser feita
uma vez por mês.”
O Artigo 77 que aborda a Execução do Fundo
de Maneio assevera que:
“A execução do Fundo de Maneio é da exclusiva
competência do Adido Financeiro da Missão
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Nº 08 - Abril de 2016
Diplomática ou Consular e deverá observar o
seguinte:
Abertura do livro de Fundo de Maneio manual
ou informatizado;
Escrituração do livro do Fundo de Maneio
por rubricas do conjunto das facturas pagas;
Elaboração da brochura do Fundo de Maneio
para reposição, cujo valor dos gastos efectuados,
somado ao saldo, totalizará o montante
constituído para o Fundo de Maneio.”
QUESTÃO 4: Quais são os indicadores que o
MINEC usa para garantir que, no decurso da
utilização de fundos nas missões diplomáticas e
consulares, estão a ser respeitados os princípios
de austeridade, transparência, eficácia, eficiência
e da legalidade da despesa?
QUESTÃO 5: O Fundo de Maneio de uma
missão diplomática ou consular, sendo um
montante de reposição mensal baseado num
limite definido pura e exclusivamente pelo
Chefe da missão e cuja execução é feita pura e
exclusivamente pelo Adido Financeiro, por que
é que esse Fundo de Maneio obedece a um modelo
rudimentar de justificação da despesa?
CONCLUSÕES/RECOMENDAÇÕES
As Missões Diplomáticas e Consulares no
âmbito das suas atribuições têm a função
de prestar regular informação ao MINEC
sobre a situação política, económica, social
e cultural no Estado Acreditado, bem como
das actividades administrativas da missão,
de acordo com as directivas e instruções
recebidas. Sendo assim, é muito estranho
que estas mesmas missões tomem decisões
e/ou façam uso indevido dos fundos sem o
acompanhamento e conhecimento do MINEC
como órgão responsável pelas representações
de Moçambique no exterior.
O facto do Tribunal Administrativo nos últimos
anos não mencionar a auditoria ao MINEC
sem dúvida contribuiu para a continuação da
fraude por 10 anos. Assim, parece que nestas
alturas não existem garantias de que estão
sendo usados de forma eficiente os recursos
disponibilizados às entidades sob tutela do
MINEC. Mesmo se o montante de 8 milhões de
MT não é da magnitude de uma mega-fraude,
o facto de ter ocorrido preocupa de todo, pois é
a chamada “ponta do iceberg”. E só para pôr em
perspectiva o caso, 8 milhões de MT equivalem
a: (i) 0,00005% das receitas cobradas em 2015;
(ii) 0,8% do Orçamento do MINEC; (iii) 0,6%
das Transferências actuais às Embaixadas em
2015.
Mais uma vez o Governo é chamado a prestar
atenção a dois pontos cruciais já levantados
nas anteriores notas do CIP3
sobre gestão de
finanças públicas em Moçambique:
• A necessidade de garantir mais
compatibilidade entre o orçamento
original aprovado e a execução da despesa
pública;
• A necessidade de dar informação sobre
os recursos recebidos por unidade de
serviço.
• Havendo rigor nestes pontos acima
levantados, questões como pagamento
de salários a funcionários-fantasmas
(inclusive do 13º salário), aquisição
de bens e serviços não programados,
pagamento indevido de viagens, entre
outros problemas, seriam detectadas logo
no início pelo MINEC (dando o benefício
da dúvida de que estes desfalques lhe
passaram despercebidos) e medidas
correctivas teriam sido tomadas.
3 “O governo deve credibilizar o orçamento do Estado
e impor um controlo rigoroso na despesa pública”,
http://www.cip.org.mz/cipdoc%5C427_um_olhar_
despesa_03.pdf.
Sobre os resultados do Inquérito do Orçamento
Aberto (Open Budget Index_ OBI), http://www.cip.
org.mz/cipdoc/392_OBS2015-CS-MozambiquePortuguese.pdf.
5
Um Olhar Sobre a Despesa Pública
• Considerando o facto que o exemplo
acima referido teve lugar durante 10
anos, o CIP insta ao Governo a:
• Assegurar que as instituições de
fiscalização possam fazer o seu papel,
em especial melhorar as suas auditorias
internas, utilizando os serviços da
Inspecção Geral das Finanças (IGF);
• Fazer um seguimento mais rigoroso pela
DNO quanto à informação enviada pelos
ministérios no exercício de elaboração do
Orçamento;
• Insistir na obrigatoriedade de receber
informação regular das Embaixadas (e
de todas outras entidades do Governo,
inclusive Ministérios) sobre os recursos
próprios.
Ficha Técnica
Director: Adriano Nuvunga
Equipa Técnica do CIP: Anastácio Bibiane, Baltazar
Fael, Borges Nhamire, Celeste Filipe, Edson Cortez,
Egídio Rego, Fátima Mimbire, Jorge Matine, Stélio Bila;
Assistente de Programas: Nélia Nhacume
Propriedade: Centro de Integridade Pública
Design e Layout: Nelton Gemo
Contacto:
Centro de Integridade Pública (CIP)
Bairro da Coop, Rua B, Número 79
Maputo - Moçambique
Tel.: +258 21 41 66 25
Cel.: +258 82 301 6391
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Website: www.cip.org.mz
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