Cisco no olho
Amigo e compatriota moçambicano, atenta à seguinte parábola, de Jesus de Nazaré para os seus discípulos:
«Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco? Um discípulo não é maior do que o mestre; todo discípulo bem formado será como o mestre. Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho? Como podes dizer a teu irmão: Irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tu não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver bem para tirar o cisco do olho do teu irmão!» (Lc. 6, 39 – 42).
Vem isto a propósito do seguinte:
«Hoje, senti na pele o poder do regionalismo, do tribalismo e da discriminação baseada na orientação ideológica. A TVM, não foi capaz de transmitir o enterro do Dom Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo Emérito da Igreja Católica que foi hoje a enterrar. Meus senhores, não haja dúvidas, tal aconteceu porque a direcção da TVM é feita de gente regionalista e muito tribalista. Não tem nada a ver com incompetência ou mandato, até porque o PR esteve lá. É o preconceito. Quando uma televisão pública consegue transmitir em directo um casamento de um de Chamanculo ou aniversário do antigo Presidente da República e simplesmente não consegue transmitir um evento, pelos vistos, o último, de um obreiro da Paz, nada mais resta a dizer senão confirmar o complexo tribalista e regionalista que opera nas mentes daqueles dirigentes. Tribalismo e regionalismo existe sim, vi hoje na TVM. E O CONCEITO de Chingondo é real meus irmãos, infelizmente. Se fosse Dom Sengulane a coisa seria outra. Mexeram comigo, sem fazerem nada. Estou muito triste.»
Estas, amalgamadas no parágrafo precedente, são palavras do Egidio Vaz, uma figura incontornável nas redes sociais em Moçambique. Conheci o Egídio Vaz aqui no Facebook, no decurso da campanha e durante todo o processo eleitoral até à proclamação e validação dos resultados eleitorais do último pleito em Moçambique, pelo órgão competente do Estado moçambicano, nomeadamente o Conselho Constitucional. Fiquei a saber, nessa altura, que o Egídio Vaz era por uma vitória da Renamo e do Afonso Dhlakama naquelas eleições. Assim não foi, infelizmente para ele e para os que, como ele, assim gostariam que tivesse sido. A vitória sorriu para a Frelimo e para o seu candidato, Filipe Nyusi. As irregularidades reportadas não tiveram peso bastante para invalidar o resultado do escrutínio. A democracia é assim mesmo!
O que se passou a seguir àqueles eventos não é matéria desta intervenção, excepto indicar que me tornei amigo virtual do Egídio Vaz algum tempo depois. Num encontro real recente, apertamo-nos a mão reciprocamente. Pareceu-me haver uma admiração reciproca entre nós. Eu aprecio o intervencionismo consequente e algo imparcial deste meu amigo e compatriota. Sim, eu disse «intervencionismo ALGO imparcial»! O que isto quer dizer é que eu não estou preocupado pela imparcialidade, porque sei que ser imparcial é impossível, embora para a prática da justiça seja desejável. Aliás, ninguém pode ser perfeitamente justo, nem mesmo o mais justo dos homens terrenos; nem mesmo o Deus que habita na nossa imaginação! Por isso, opiniões imparciais eu não exijo de ninguém, pois sei que elas não existem. E até considero que opiniões ditas "imparciais", se existem, não têm valor social, pois inibem a competição. Eu sou abertamente a favor dos que fazem ou procuram incessantemente fazer e promover o bem; sou abertamente a favor dos que procuram incessantemente fazer e promover a justiça. O Egídio Vaz tem feito esse esforço; eu também, modéstia à parte; outros também! Mas não é sobre mim, nem sobre o Egido Vaz, nem sobre outros, que esta reflexão vem a ser.
Neste momento eu estou a pensar naquelas palavras do Egídio Vaz que acabo de citar aqui, acima. Estou a pensar naquelas palavras em ligação com outras intervenções do Egídio Vaz, mormente aquelas intervenções que ele fez durante a campanha eleitoral para as eleições gerais de 2014 e, também, durante a campanha eleitoral havida recentemente, para a eleição do Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique. Estou a pensar naquelas palavras do meu amigo e compatriota Egídio Vaz Raposo, porque me parece que as mesmas (palavras) encerram algo que ele (Egídio) denuncia, deplora e critica nas suas intervenções, nomeadamente o regionalismo e o tribalismo. Isto é, com aquelas palavras, o meu amigo e compatriota Egídio Vaz tenta tirar o cisco do olho de um irmão, sem antes remover a trave que lhe veda a sua própria visão.
Com efeito, argumentos do tipo «se fosse fulano (que é originário de tal região), a TVM (que dirigida por pessoas cozidas e assadas) teria feito…, mas porque não é assim, a TVM não fez…» denunciam um sentimento regionalista e tribalista de quem os usa. Aprendi isto aqui, com algumas das pessoas que agora apoiam o posicionamento do Egídio Vaz. Em retrospectiva, essas pessoas conotaram-me com racismo, quando questionei o facto de os advogados do "Caso Carlos Nuno Castel-Branco" não terem sido negros, quando os há até de melhor calibre e em maior número que os de pele "branca" e cabelo "liso" e "longo".
É, pois, caso para perguntar:
O que dizem esses "juízes de opinião", agora? Haverá alguma resposta? Eu aguardo!
Enquanto isso, agora adirijo-me a ti, meu amigo e compatriota, Egídio Vaz Raposo, com uma solicitação para parares de promover a discriminação negativa entre os moçambicanos. Abordagens como a que tu fazes na tua pretensa crítica ao facto de a TVM não ter transmitido em directo as exéquias organizadas pela Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) para o Dom Jaime, só denunciam que tu próprio és regionalista e tribalista. Não sendo, haveriam muitas outras, inúmeras, maneiras de tu interpretares a atitude da TVM, sem mexeres na região de origem e na tribo do elenco directivo desta estação pública de televisão. Uma dessas maneiras seria observar, por exemplo, que não existe obrigatoriedade de a TVM transmitir em directo exéquias organizadas pela ICAR, mas sim exéquias organizadas pelo Governo de Moçambique. E creio que tu sabes muito bem quando é que um Governo organiza exéquias para um cidadão. E também sabes que as exéquias para o Dom Jaime foram organizadas pela ICAR, como era sua obrigação, pois o Dom Jaime foi servidor eminente da ICAR em Moçambique.
Todos sabemos que o Dom Jaime não foi figura de Estado em Moçambique. Ele foi um homem da igreja (ICAR), que soube prestar o seu contributo em alguns domínios da vida política e social dos moçambicanos, seus concidadãos. No domínio da pacificação de Moçambique, o contributo do Dom Jaime foi até inconclusivo, em parte porque ele próprio contribuiu para isso, ao dar razão à Renamo. Foi lamentável, e até contrário aos princípios da ICAR, o Dom Jaime, homem da estatura que ele foi, dar razão a um grupo terrorista que ataca cidadãos indefesos e, com isso, impede a livre circulação de pessoas e bens na República de Moçambique. Isso valeu-lhe o que lhe valeu: um simples e acanhado reconhecimento pelo Governo de Moçambique, em representação dos moçambicanos que se reviam no Dom Jaime. Isso também é uma honra não pequena! Clara e compreensivelmente, para outros moçambicanos, mormente aqueles que foram e têm sido vítimas dos ataques perpetrados pela Renamo nas estradas moçambicanas, esse reconhecimento não tinha que fazer Moçambique inteiro—que a Renamo tudo faz para fazer parar—parar ainda mais; tampouco fazer a TVM alterar a sua programação, sem justificação que coubesse na maioria dos moçambicanos que também financiam com as suas contribuições o funcionamento desta estação de televisão pública.
Enfim, porquê e para quê tanta celeuma, só porque a TVM não transmitiu as exéquias da ICAR para o Dom Jaime? Qual é o problema objectivo de os eventos terem ocorrido como ocorreram, para que a TVM não agisse como alguns gostariam que tivesse agido neste caso? Quem é que é culpado pelo que se passou, que não agradou a alguns moçambicanos, qual o amigo Egídio Vaz Raposo e outros? Eu acho que, se houver algum culpado, esse foi o próprio Dom Jaime Pedro Gonçalves, por ter buscado a paz com muita parcialidade a favor da Renamo, uma organização que não tem bom cadastro na República de Moçambique. Que Deus o tenha!
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