Líder da UNITA faz revelações sobre os acordos de Bicesse 06 junho 2015 Tamanho da Fonte:A A
Benguela - Integra do Discurso proferido pelo Presidente da UNITA, por ocasião do 24º aniversário dos acordos de paz para Angola, celebrados em Bicesse, entre o então governo da RPA e a UNITA.
Fonte: UNITA
Minhas senhoras e meus senhores:
É um prazer para mim saudar esta magnífica audiência, um dia depois da observância do dia internacional da criança e dois dias depois do vigésimo quarto aniversário dos Acordos de Paz Para Angola, firmados em Portugal, em 31 de Maio de 1991. E é exactamente do 31 de Maio que eu achei falar-vos e que vai ser, por isso, o tema central do meu pronunciamento. De facto, perante a atitude que nos últimos tempos transparece do discurso oficial, achei que devia fazer algumas considerações sobre esta data.
O dia 31 de Maio não consta da lista oficial dos feriados nacionais. Porém, depois do dia 11 de Novembro de 1975, nós, na UNITA, consideramos que o dia 31 de Maio de 1991 é um dos dias mais importantes da nossa história política.
Se em 1975 Angola nasceu como estado independente, foi em 31 de Maio de 1991 que os angolanos firmaram os alicerces para a construção de uma “nova independência”, digamos, para a construção de um futuro inclusivo e partilhado por todos. Um futuro de liberdade, reconciliação e prosperidade para todos.
Os alicerces dessa construção são os Acordos de Paz Para Angola, assinados em Portugal pelo Presidente da República, Eng. José Eduardo dos Santos e pelo Presidente da UNITA, Dr. Jonas Malheiro Savimbi. Foram mediadores dos Acordos três governos: dois que estiveram envolvidos na guerra pós-colonial angolana, o governo da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e o governo dos Estados Unidos da América; e o governo que foi um dos principais responsáveis pelo conflito político pós independência, o Governo de Portugal.
É isto o que me proponho fazer nesta conferência. A partir da análise de Bicesse, proponho-me a dialogar convosco, escutar as vossas questões e reflectir conjuntamente sobre as melhores saídas para a crise política, social e financeira que o país enfrenta. Quais os passos que podemos dar juntos para fazermos como nação uma mudança estável, sem convulsões. E para o benefício de todos.
O conflito angolano tem raízes geopolíticas, económicas e culturais, que datam de antes da independência. Angola emergiu para a autodeterminação e proclamou a independência em meio de disputas geopolíticas entre a URSS e os Estados Unidos.
No seu esforço de dominar o mundo por via do ideal comunista, a União Soviética pretendia controlar as rotas do comércio marítimo da África austral; explorar os vastos recursos minerais da África austral que sustentam a indústria bélica e não só; e influenciar o destino dos povos dessa região. Para o controlo de Angola, promoveu, por isso, ligações estreitas com o Partido Comunista Português e o envio de forças expedicionárias cubanas para garantir o controlo político de Angola independente pelo movimento que se afirmava pró-comunista e aliado do Partido Comunista Português, o MPLA.
Os Estados Unidos, por sua vez, tencionavam conter e fazer retroceder o avanço comunista. Quando se aperceberam dos avanços soviéticos, passaram a apoiar mais decididamente a FNLA.
Portugal não tinha e nunca teve capacidade para gerir e desenvolver as riquezas de Angola, que as superpotências cobiçavam. Assim, surgiu em 1974, uma revolução em Portugal, que originou o colapso do Estado-cliente português, ruído em grande parte pelo fardo das guerras nas suas colónias africanas.
No plano interno, Portugal decidiu encetar o processo de descolonização e assinou com os nacionalistas angolanos em Janeiro de 1975, o Acordo do Alvor, que estabeleceu os termos da descolonização: eleições para uma Assembleia Constituinte escrever a Constituição, formação de um exército único, um governo de transição e a data para o Presidente da República portuguesa proclamar a independência de Angola. No fim, não houve eleições; não houve Constituição democrática; e não houve independência proclamada pelo Governo português e reconhecida por todos. Houve, sim, exércitos invasores, muita confusão e Portugal fugiu e entregou o poder ao MPLA, violando os Acordos do Alvor e deixando os angolanos divididos, impreparados e vulneráveis.
Até por volta de 1987-1988, os angolanos em conflito não estabeleceram quaisquer contactos entre si para a paz. Nessa altura, combatiam em Angola forças regulares cubanas e sul-africanas, conselheiros militares soviéticos, alemães, americanos e outros; mais de 200,000 angolanos estavam engajados em actividades militares.
Em Dezembro de 1988, foram assinados os Acordos de Nova York, que estabeleciam os termos para a saída das forças estrangeiras de Angola e abriam o caminho para os angolanos resolverem a sua parte do conflito.
Em 1990, a UNITA controlava 70% do território, tinha um exército superior a 100.000 homens e uma Administração própria que administrava o povo e o território sob sua jurisdição. O MPLA controlava 30% do território. A economia offshore baseada no petróleo dependia dos Estados Unidos que, ironicamente, sustentavam a guerra de duas maneiras: de um lado, extraiam e revendiam o petróleo angolano e facilitavam a fuga de capitais para Wall Street e paraísos fiscais. Do outro lado, forneciam ajuda militar a uma das partes, à UNITA, a força angolana que, no plano ideológico, partilhava os mesmos valores que os Estados Unidos defendiam: liberdade, pluralismo, democracia e mercado livre.
Enquanto isso, as instituições políticas eram frágeis e sem legitimidade. A fuga dos quadros portugueses em 1975, conjugada com o alargamento da guerra, de 1976 a 1989, levou ao colapso quase completo da indústria e do comércio. Pouco restou de capacidade produtiva, infraestrutura ou instituições. Dezenas de municípios nunca tiveram a administração do Estado; apenas conheceram a presença da UNITA. Havia dois exércitos potentes e bem equipados, duas administrações territoriais e duas economias no mesmo país, Angola.
A UNITA não reconhecia a legitimidade do Governo do MPLA que tomou o poder pela força com a ajuda de Portugal e dos cubanos em 1975. E o Governo do MPLA não reconhecia a existência jurídica da UNITA como organização política nacional com direito a participar na vida política por meios democráticos e pacíficos.
De facto, a Constituição afirmava mesmo que o poder político em Angola só podia ser exercido pelo MPLA. O Presidente do MPLA era automaticamente o Presidente da República. Os juízes dos tribunais tinham de ser todos membros do MPLA. Os Deputados tinham de ser todos membros do MPLA, porque diziam que só o MPLA representava o povo. E mais ninguém.
A guerra de resistência popular generalizada movida pela UNITA no plano interno teve por objectivo mudar esse regime. Este objectivo foi alcançado formalmente em 31 de Maio de 1991 com a assinatura dos Acordos de Paz em Bicesse. Eles demarcam um período de transcendentes mudanças no regime político de Angola porque depois dos Acordos de Paz, tudo mudou.
Em síntese, os acordos de Bicesse foram de enorme importância porque:
Instituíram os alicerces da paz militar, com a fusão dos dois exércitos e a consequente criação das Forças Armadas Angolanas – FAA;
Instituíram os fundamentos da paz política, com a extinção do regime de partido único e a instauração do multipartidarismo;
Instituíram uma nova ordem jurídico-constitucional, através da aprovação de uma nova Constituição com um novo paradigma, o constitucionalismo democrático;
Instituíram uma nova ordem económica, com a consagração de uma economia livre, baseada nas leis do mercado.
Tudo aquilo que foi negado aos angolanos em 1975 e que trouxe a guerra, foi devolvido aos angolanos – pelo menos no plano formal – em 31 de Maio de 1991.
Os principais valores pelos quais a UNITA se bateu para o benefício de todos os angolanos - Paz, Multipartidarismo, Liberdade Económica e Democracia – foram conquistados em 1991, através da assinatura dos Acordos de Paz para Angola.
Prezados compatriotas:
Paz, liberdade e democracia são os valores fundamentais da nacionalidade angolana que foram incorporados tanto na Constituição de 1992 como na Constituição de 2010. Estes são os ganhos históricos dos Acordos de Paz firmados em 31 de Maio de 1991.
Apesar dos lamentáveis recuos que nos impediram viver em liberdade e numa autêntica democracia até aos nossos dias, não se pode nem se deve subestimar os avanços institucionais que os Acordos de Bicesse trouxeram para Angola.
O Protocolo de Lusaka, assinado em 1997, pelos mesmos protagonistas dos Acordos de Bicesse, visou implantar as medidas de pacificação, desarmamento e a reconciliação, interrompidas após as eleições de 1992. Por isso, foram assinados como simples “Anexos” dos Acordos de Bicesse.
O Memorando do Luena, assinado em 2002, pelos mesmos protagonistas dos Acordos de Bicesse, visou formalizar o entendimento de como seriam materializadas em definitivo as medidas pendentes não concluídas em Lusaka.
Não podendo mais ser “Anexos” aos Acordos, designou-se “Memorando de Entendimento”, exactamente porque traduzia por escrito o entendimento de como deveria ser concluído o cumprimento dos Acordos de Bicesse.
Os Acordos de Bicesse representam, pois a essência e o símbolo da génese da conquista da democracia e da paz pelos angolanos.
É verdade que a paz teve e tem muitas datas. Mas a paz não pode estar desligada da liberdade e da democracia, porque ela surge como consequência de um acordo para a mudança do regime político, de ditadura do proletariado para democracia multipartidária.
O facto de que depois de tal acordo principal ter havido falhas e desencontros, não anula a essência nem a natureza da paz negociada: ela é, sempre foi e continuará a ser, uma paz democrática e não uma simples paz militar.
Prezados compatriotas:
Importa-nos agora recordar os três grandes objectivos dos Acordos de Paz: 1) a construção de uma República; 2) a construção do regime democrático; e 3) a reconciliação nacional.
Vinte e quatro anos depois, onde estamos? Estes objectivos foram atingidos ou continuam a ser metas e aspirações?
Hoje, podemos avaliar com mais clareza a importância histórica daquele evento. Fazer tal avaliação parece-nos ser a melhor forma de comemorar os Acordos de Paz.
A República existe no papel, embora os favorecimentos, a corrupção e a interferência do executivo sobre os demais poderes se tenham tornado o quotidiano da vida em Angola;
Na prática, Angola encontra-se ainda naquela posição muito peculiar de um regime que afirma ser uma república, mas não respeita o republicanismo; diz ser um Estado democrático, mas está longe de ser uma democracia autêntica. Uma República funda-se nas ideias da liberdade individual, das virtudes cívicas e da ética republicana. Estes ideais manifestam-se na separação entre a coisa pública e as coisas privadas, civilidade, humanismo, liberdade política, igualdade e hostilidade a privilégios, ideias típicas do republicanismo, que não se compadecem com os ideais do absolutismo e do despotismo, típicas do pensamento monárquico.
De facto, vinte e quatro anos depois de consagrada a República, nem o Parlamento, nem os tribunais, nem a comunicação social, nem a Administração eleitoral e até franjas da comunidade internacional, ninguém está fora do controlo do PR. Nenhum deles contribui na garantia de um sistema equilibrado, compatível com as exigências de um Estado de direito democrático bem governado e subordinado ao parâmetro dos direitos humanos.
Por isso, os Acordos de Bicesse são tão importantes porque constituem ainda a agenda do futuro para Angola. São promessas não cumpridas, objectivos por atingir.
E quanto aos erros e às lições aprendidas desde Bicesse, o que podemos dizer?
Aprendemos algumas lições que podem orientar a reflexão sobre a construção do futuro:
Primeira lição
Sobre o longo período de guerra civil, marcado por poucos encontros e muitos desencontros; por breves momentos de paz e longos períodos de guerra; repito hoje o que há vários anos tenho dito:
Não há apenas um culpado nem há apenas um único responsável, nem há apenas vítimas de um só lado. “Culpados somos todos, responsáveis somos todos, Vítimas somos todos”.
Segunda lição:
Os Acordos de Paz iniciaram um longo e decisivo processo de transição. Não se trata de um simples processo de transição da guerra para a paz, ou do autoritarismo para a democracia.
Tal como em muitos outros estados africanos, a transição que Angola vive desde 1991, é uma transição mais ampla e complexa: de ex-colónia para Estado independente: da guerra para a paz; da repressão para os direitos humanos; de Estado de não direito para o Estado de direito. Da corrupção para a transparência. De uma economia voltada para o exterior para uma economia integrada, voltada para o angolano; da ênfase no desenvolvimento do território e infraestruturas para a ênfase no desenvolvimento das pessoas; da centralização do poder e da riqueza para a descentralização do poder e justa redistribuição da renda.
Angola precisa de um novo Acordo para completar esta transição de forma pacífica.
Terceira lição:
Os angolanos estão cansados da má governação do MPLA. Em todos os cantos do país, todos aspiram por uma mudança: os estudantes querem a mudança; Os professores, os sindicalistas, os polícias, todos estão convencidos que o MPLA já não tem mais nada para dar a Angola. Esta mudança não pode ser obra de um partido. É obra de todo um povo. É obra de nós todos, de todas as classes sociais que constituem o povo soberano de Angola. Esta mudança já está em construção e precisamos apenas de conversar mais um pouco para eliminar os receios e alinhavar algumas arestas.
Quarta lição:
A democracia de papel, tutelada por um Partido-estado e a má governação não servem a Angola. Angola quer uma democracia dinâmica onde o poder judicial é mesmo independente, onde os juízes se sintam no dever e com poder real de fazer justiça a muitos José Sócrates que certamente andam por aí. Angola reclama por um novo e melhor governo, que seja sensível ao sofrimento do povo e governe para o povo, e não para os seus bolsos. A democracia angolana reclama por autarquias locais para gerir e regulamentar com autonomia os assuntos públicos locais. Angola quer uma imprensa livre e plural e uma comunicação pública isenta, educativa e construtiva, que respeita a ética e promove a unidade e a reconciliação nacional. Uma democracia onde ninguém se comporte acima da lei, uma democracia que responsabiliza os governantes e organiza processos eleitorais transparentes e credíveis.
Quinta lição:
Aprendemos que a mudança que todos almejamos deve ser feita sem convulsões. Deve ser uma mudança pacífica e estável. Mudança que não destrua o que já foi feito, mas que construa sobre a obra já erigida, respeitando tanto a construção como os construtores. Uma mudança sem ódios nem vinganças. Uma mudança que não faça caça às bruxas, porque todos cometemos erros. O objectivo da mudança não é substituir um ditador por outro. Nem é criar uma classe diferente de endinheirados a partir de novos roubos do erário público. Nada disso.
Queremos mudar o regime político, e não perseguir pessoas nem tirar-lhes os seus bens. O que defendemos é que quem talvez tenha roubado, que páre de roubar. Quem talvez tenha matado, que páre de matar. Quem talvez tenha defraudado, que páre de defraudar. Vamos construir um novo país. Uma nova matriz de valores para sustentar o processo de renovação social. Vamos cultivar uma nova cultura de governação. Vamos dar as mãos uns aos outros, porque somos todos irmãos, filhos da mesma mãe: ANGOLA.
Pretos, brancos e mulatos, ricos e pobres, letrados e iletrados, vamos esquecer o passado, eliminar os receios do presente para construirmos o futuro. Um futuro inclusivo e partilhado por todos, cada um de acordo com as suas capacidades reais.
Meus compatriotas:
Defendo a celebração de um novo Acordo de Bicesse. Um novo contrato social. Vamos concluir a obra que Bicesse alicerçou.
Porque deve ser a hora de Angola saldar a dívida que tem consigo mesma e encontrar-se definitivamente consigo mesma.
Chegou a hora da reconciliação!
Chegou a hora de Angola se libertar dos medos e entraves artificiais à liberdade e à democracia.
Chegou a hora de Angola ter governantes que reconhecem seu dever de prestar contas dos seus actos aos cidadãos.
Chegou a hora de pararmos o ciclo repetitivo de eleições fraudulentas organizadas apenas para perpetuar no poder alguns e excluir outros.
Chegou a hora de abandonarmos o conformismo fatalista, que nos faz conviver com tanta miséria, tanta dor, tanto sofrimento e tanta ineficiência no tratamento adequado e eficaz dos nossos problemas.
Até quando vamos assistir a impunidade da corrupção desviar os preciosos mas limitados recursos da nação?
Até quando viveremos prisioneiros do nosso passado, dos fantasmas que criou, da insegurança que instaurou nas nossas mentes e das divisões que produziu e congelou?
Até quando vamos fazer de contas que não vemos o que estamos vendo, que não sabemos o que sabemos, que não nos interessa o que nos interessa, que não nos preocupa o que muito nos angustia?
Até quando viveremos dilacerados entre o que somos e o que poderíamos ser?
Caros compatriotas:
Jovens angolanos:
Vinte e quatro anos depois de Bicesse: Angola ainda não é uma verdadeira República. Angola ainda não é uma verdadeira democracia. Angola ainda não efectuou o encontro consigo mesma.
O futuro de Angola está nas nossas mãos. O nosso futuro risonho está nas vossas mãos. O momento é de buscarmos, não tanto as diferenças, mas o que nos une e o que nos faz uma nação. Hoje, sobretudo, é um dia para olharmos o nosso futuro.
Não importa o nosso Partido, não importa a nossa etnia. A prioridade agora é a construção do futuro comum. A prioridade é tornar realidade o encontro que Angola tem marcado consigo mesma. Um encontro marcado com o desenvolvimento social, com o progresso económico, com a justiça e com a plena liberdade democrática.
É para este encontro, cuja trajectória instável e vacilante começa com a Independência e continua com os Acordos de Bicesse, que nós da UNITA nos preparamos.
Para este encontro, contamos com todos aqui em Benguela: com os professores e os estudantes, os patrões e os trabalhadores; contamos convosco, os polícias, soldados e oficiais; contamos com todos os angolanos que trabalham na Função Pública; com os agentes das forças de segurança; com todos os angolanos, de todos os partidos. Com todos os adversários de ontem, que hoje entendem que somos todos uma família, que conquistou duramente o direito de partilhar uma cidadania comum para juntos construir um futuro comum.
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