Na semana passada, o ex-Presidente Armando Guebuza foi vilipendiado na praça por alegadamente ter tido um plano para assassinar o antigo Presidente Samora Machel. Com base em transcrições de depoimentos de declarantes a Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR), da Africa do Sul, cujas sessões sobre o acidente de Mbuzine tiveram lugar em 1998, agora libertadas a luz da legislação sul-africana sobre acesso a informação, foi atribuído esse “plot” a Guebuza com fundamento em elementos circunstanciais fornecidos por alguns declarantes a Comissão (dentre os quais o Tenente Coronel Joao Honwana) e nunca com base em evidências comprovadas. E da boca de Joao Honwana foram retiradas conclusões que ele nunca tirou.
Houve quem depois contestasse minha intervenção quando eu defendi que era injusto acusar alguém de uma coisa sobre a qual o acusador não mostrava evidências. E, quando essa corrente voltava a afirmar que Guebuza era culpado, nenhuma evidencia foi apresentada. Ficou-se pela teoria da conspiração, que eu também alimentei em textos publicados em finais de 90 e num artigo estampado numa obra sobre Samora, de 2001, que veio a lume sob a chancela da Maguezo Editores.
Agora que estão divulgadas as Samora Machel Hearing, eu poderia reescrever minhas teorias de conspiração externa com mão interna (na verdade inspiradas em artigos de investigação de Carlos Cardoso), mas aquilo que foi agora relevado apenas ajudar a juntar partes dos estilhaços do quadro quebrado mas não nos permite compô-lo definitivamente.
Nem mesmo dos depoimentos de Craig Williamson, um ex-oficial da secreta militar sul-africana, que trabalhou sobre Moçambique, mantendo ligações com agentes do ex-Snasp (actual Sise), se pode alimentar a ideia cabal de que a mão interna existiu e que fulano e sicrano são os seus donos. E como o depoimento de Craig incide muito sobre as suas relações com Mariano Matsinha, antigo Ministro da Segurança, eh muito bem provável que a próxima vítima da chacota e da desinformação possa ser ele.
Embora haja demasiadas zonas de penumbra nesse relacionamento, espremendo ao tutano o que disse Craig, nada de conclusivo existe que possa levar-se a nomear esta ou aquela figura como facilitadores internos (em Moçambique). Nem para se concluir que Mariano Matsinha tenha estado envolvido nessa eventual conspiração. Craig fornece elementos romanescos a CVR mas nega ter tido contactos com Matsinha antes de Mbuzine. Também ele diz ter ouvido que Guebuza estava a preparar um golpe de Estado contra Samora Machel mas não aponta evidencias.
Vale a pena ler as Samora Hearings pois contem informação que ajuda a compreender alguns factos recentes da nossa história (essa de que Humberto Casadei era um agente duplo e a menção a outras figuras conhecidas da praça como tendo estado ligadas ao grotesco mundo da espionagem nos tempos da guerra fria). Se eu fosse editor livreiro, já estava a negociar a publicação em livro das Samora Machel Hearings em Moçambique.
Os depoimentos prestados a CVR por várias testemunhas em 1998 estão cheios de mistérios. O depoimento de Craig adensa alguns mistérios, ele próprio uma figura sinistra que, tendo trabalhado para a secreta sul-africana, depois de Mbuzine teve um gabinete de trabalho numa empresa chamada TCT, ligada ao Sise, com escritórios na Avenida Josina Machel em Maputo.
PS: Quem tem memória fresca, recorda-se que Carlos Cardoso escreveu varias pecas sobre Craig em finais de 90, tentando estabelecer sua relação com o assassinato do antigo Primeiro-ministro da Suécia, Olof Palme. A par de Craig, outra personagem que foi investigada por CC eh Anthony White, um antigo operacional da secreta Rodesiana. White, depois do fim da guerra, estabeleceu-se em Gorongosa, onde detém uma exemplar (do ponto de vista da conservação da biodiversidade) concessão florestal. Seu filho Graemme dirige uma serração e fábrica de mobiliário na Beira.
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