Política é a arte do possível e, como diz o filósofo político Daniel Innerarity, é também “a possibilidade de fazer outra coisa”. A criação da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap) foi uma tentativa disso mesmo.
Para acabar com as escolhas de dirigentes do Estado indo ao “clube dos amigos” e passar a seleccionar pelo mérito e não pelas ligações políticas, Pedro Passos Coelho introduziu em 2012 um sistema de concurso e selecção exigente. Não tem as imposições sobre-humanas do sistema de exames da China Imperial, mas exige tempo e dedicação dos candidatos. E dinheiro.
Quando recentemente foram conhecidas as últimas 14 nomeações para direcções dos centros distritais da Segurança Social, verificou-se que todos os escolhidos tinham em comum um cartão de militante do PSD ou do CDS. O PCP levantou a questão e este sábado António Costa anunciou que vai exigir um balanço global das nomeações feitas pela Cresap.
O PÚBLICO analisou as 339 propostas de candidatos que chegaram às diferentes tutelas desde que a comissão foi criada. Dos que foram rejeitados há um padrão: quase todos têm uma ligação ao Partido Socialista. A Cresap, todos concordam, funciona com isenção. Há análise de currículos e entrevistas e, no fim, a comissão envia ao Governo os três melhores candidatos. O problema é que, perante as três possibilidades, o Governo escolheu quase de forma sistemática o candidato que está próximo ou dentro dos partidos no poder.
Ganhou-se alguma coisa, é verdade. Como diz com toques de humor negro o presidente da Cresap, “pelo menos foram excluídos do processo de selecção os militantes ou simpatizantes incompetentes”.
Mas o tema não é para graças. O que surgiu como uma lufada de ar fresco e louvável esforço de transparência e probidade na administração do Estado está a revelar-se como um artifício cosmético. Se o objectivo era contratar os melhores candidatos do PSD e do CDS bastaria que se abrissem concursos internos dentro do PSD e do CDS e se assumisse uma "Cresap partidária".
A selecção dos directores da Administração Pública é um problema que importa a todos. Tem a ver com a confiança que os portugueses têm na democracia e nas suas instituições.
Os inquéritos do Eurobarómetro mostram há anos que quem mostra maior confiança nas instituições faz também uma avaliação mais positiva da democracia. Mais desconfiança é igual a mais populismo e mais abstenção. “Os que mais confiam nas instituições tendem a confiar mais nos outros, nas instituições, nos políticos e nos meios de comunicação social (…). A confiança parece funcionar como uma chancela ou garantia de adesão política, que inclui o regime, os partidos, ideias ou causas. Os que confiam mais são politicamente mais optimistas e positivos”, escreve Ana Maia Belchior, politóloga, no recente ensaio Confiança nas Instituições Políticas (2015, edições FFMS). A mesma autora lembra que, de 1985 para 2005, a percentagem de portugueses que dizem que “os partidos criticam-se muito uns aos outros, mas na realidade são todos iguais”, aumentou de 75% para 81%.
Se a política é a “abertura de possibilidades”, voltando a Innerarity, a criação da Cresap é um caso gritante do que é “objectivamente possível” fazer e do que, manifestamente, não está a ser feito.
Sem comentários:
Enviar um comentário