segunda-feira, 13 de abril de 2015

Virar o jogo


OPINIÃO


RUI TAVARES

13/04/2015 - 00:30


É intrigante o desânimo em que anda a esquerda portuguesa. Após quase quatro anos de austeridade, seria de esperar vê-la empenhada em derrotar a direita que protagonizou estas políticas que a esquerda se cansou de verberar como anti-sociais. As sondagens são favoráveis, com algumas a dar ao conjunto da esquerda cerca de sessenta por cento das intenções de voto. O campo das presidenciais começa a definir-se, com possíveis candidatos de excelente qualidade para os progressistas. E, no entanto, é a direita que por estes dias se apresenta sorridente e a esquerda cabisbaixa.

Porquê? Na verdade, a esquerda de qualquer país europeu tem hoje uma relação difícil com a vitória: ganhar eleições e governar aproxima-se da sua zona de desconforto. A isto acresce a já conhecida dificuldade da esquerda portuguesa em se entender, o que faz com que a sua ampla vantagem nos inquéritos de opinião não se consiga traduzir em mais do que uma dor de cabeça, se for confirmada nas eleições.

(Há até muito quem duvide de que exista uma coisa chamada “esquerda”, optando por falar, em vez de um espectro contínuo a partir do centro do eleitorado, de esquerdas fundamentalmente estanques. Podemos certamente falar de “esquerdas” no plural, mas esse recurso não resolve nada. Apenas adia: afinal, todas as “esquerdas” teriam de ser de esquerda e as “direitas” de direita. O problema persiste, para quem queira ver nele um problema.)

Ora, há duas maneiras de ver o ano político que temos pela frente. A primeira é como mudança de ciclo. A segunda é como posicionamento tático. A esquerda só conseguirá mobilizar o eleitorado se apostar na primeira.

***

Para mudar algo neste país, a esquerda tem de almejar tudo. Mudar o governo, mudar a maioria que o sustenta, mudar as políticas que estão a ser implementadas. Uma eleição legislativa em Portugal é também a eleição da nossa voz no Conselho Europeu, o que acrescenta a este caderno de encargos a necessidade de mudar o posicionamento oficial do nosso país sobre a austeridade como resposta à crise e optar por outra política de alianças. Finalmente, toda a gente tem consciência de que com um presidente como Cavaco Silva tudo isto seria impossível, o que significa que a esquerda se deve preparar para ganhar as eleições presidenciais.

A segunda maneira de olhar para o ano eleitoral, como prolongamento de jogos táticos anteriores, implica ir já preparando o terreno, consolidando forças, esperar por uma brecha que permita ganhar posições aqui ou acolá. Ou seja, ir fazendo aquilo que já há muitos anos vimos fazendo, e acabar certamente num comício unitário na Aula Magna quando as tais políticas anti-sociais se revelarem intoleráveis a todos. Tudo isto é legítimo e faz parte da vida política. Eu próprio irei chorar para a Aula Magna se não houver mais nada a fazer. Mas daqui até lá, o país não aguenta tamanha pusilanimidade.

A esquerda neste momento tem de se preparar para uma coisa apenas: virar o jogo. Deve admitir que é uma missão difícil, deve ser humilde sobre as suas capacidades e deve cumprir com sentido de responsabilidade. Mas, acima de tudo, a esquerda deve assumir que só uma mudança de ciclo político interessa ao país. Menos do que isso é pior do que nada: é o mesmo, mais uma e outra vez.







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