Luanda - O antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente terá ajudado e beneficiado dos negócios dos generais angolanos ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ com empresários chineses, que os levaram a ser alvo de acusação do Ministério Público em Luanda. É o despacho de acusação que aponta o nome do homem que foi número dois de José Eduardo dos Santos entre 2012 e 2017.

Fonte: Lusa

Segundo o documento, a que a agência Lusa teve acesso, a empresa China International Fund, Limited “apropriou-se dos 24 edifícios do Estado, construídos pela empresa Guangxi na centralidade do Zango O, contratou a empresa Delta Imobiliária, que os vendeu à Sonangol, EP, através da Sonip, Lda, mediante orientação do engenheiro Manuel Domingos Vicente, pelo valor global de USD 475. 347.200,00”.

A Delta Imobiliária, que assegurou a venda daqueles edifícios “é propriedade do engenheiro Manuel Domingos Vicente e dos arguidos Manuel Hélder Vieira Dias Júnior e Leopoldino Fragoso do Nascimento, através do Grupo Aquattro”, acrescenta o texto.

Os negócios feitos com empresários chineses por Vieira Dias, conhecido como ‘Kopelipa’, antigo homem da segurança do falecido Presidente da República, e por Fragoso do Nascimento, conhecido como ‘Dino’, empresário e também da confiança de Eduardo dos Santos, foram alvo da acusação do Ministério Público de Angola. Indiciam a prática pelos arguidos de crimes de associação criminosa, branqueamento de capitais, peculato, falsificação de documentos, entre outros, lesando o Estado angolano em centenas de milhões de euros, alega a acusação.

FINANCIAMENTO CHINÊS

Vicente é referido diversas vezes. Desde logo, porque os negócios com chineses começaram, com conversações iniciadas em 2004, sob a sua égide, como presidente do conselho de administração da petrolífera Sonangol. No ano anterior, Angola celebrara um acordo de financiamento com a República Popular da China, do qual derivaram, a partir de 2004, linhas de crédito com o EximBank, CCBB-Banco de Desenvolvimento da China e com a Sinosure-Agência Seguradora de Crédito à Exportação.

Nesse acordo, na China, “o Estado angolano foi representado pelo Ministro das Finanças, Sr. José Pedro de Morais, acompanhado dos Srs. Manuel Domingos Vicente (PCA [presidente do conselho de administração] da petrolífera angolana Sonangol e antigo vice-presidente de Angola), enquanto garante do financiamento, e Amadeu Maurício (Governador do BNA [Banco Nacional de Angola])”, lê-se na acusação do Ministério Público angolano.


Paralelamente, no ano de 2004, havia uma segunda relação entre Angola e a China, com o intuito de captar investimento estrangeiro para o país africano. De um lado estava o Estado angolano, representado por Vicente; do outro, os cidadãos chineses Sam Pa e Lo Fong Hung. Essa ligação começou “quando um grupo empresarial composto por cidadãos chineses, liderados pelo citado Sam Pa, abordou a direção da empresa ESCOM, através do Embaixador de Angola em Moscovo, o general Roberto Leal Monteiro ‘Ngongo’, que diligenciou o primeiro contacto entre a ESCOM/Grupo Espírito Santo Commerce e o Senhor Sam Pa, que estava interessado no Banco Espírito Santo, em Macau, com o objetivo de supostamente criar uma grande Offshore para África e América Latina”, refere o documento.

O comendador Hélder Bataglia, então o presidente da Escom, estabeleceu contactos, a partir de Portugal, com o empresário chinês e comunicou a Luanda não só a existência destas conversações como as pretensões e planos estratégicos dos chineses. Angola decidiu enviar uma missão à China, adianta o Ministério Público.

ENCONTROS PROFÍCUOS
“Chegados à China, o empresário Hélder Bataglia apresentou o Sr. Sam Pa ao Engenheiro Manuel Domingos Vicente”, refere o documento, acrescentando que a comissão manteve encontros em Pequim, Hong Kong e Macau com chefes de petrolíferas, o vice-primeiro-ministro da China, responsáveis da Segurança, o chefe da Autoridade Monetária de Macau e empresários. Terá sido durante essa viagem que a delegação angolana teve um encontro de trabalho com Pa, em Hong Kong, onde foi delineada toda a estratégia com a Sonangol, bem como a construção de centralidades e fábricas do Grupo de Pa em Angola. Terá sido acordado o veículo empresarial com que os chineses investiriam em Angola, criando-se o nome CIF – China International Fund.

Cumprida a missão na China, a delegação fez o ponto da situação ao então Presidente da República, que “decidiu criar um ente estatal novo, para tratar da questão relacionada com a cooperação com a China”, adianta o texto. Vicente ficou encarregue das relações que envolviam petróleo, enquanto as tarefas ligadas à Reconstrução Nacional (GRN) e outros tipos de investimentos ficaram ao cuidado de ‘Kopelipa’.

No âmbito desta divisão de tarefas, foi criado o Gabinete de Reconstrução Nacional (GRN), na dependência do Presidente, na qualidade de chefe do Governo. José Eduardo dos Santos nomeou ‘Kopelipa’ para seu diretor, , função que exerceu até 2010, acumulando-a com a de ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente.


Vicente e o seu chefe de gabinete, José Pedro Benge, também faziam parte do GRN, mas “apenas no âmbito do acompanhamento em função da cooperação com a China, sem responsabilidades na execução de projetos, que eram exclusivos do próprio GRN”, lê-se no documento do Ministério Público. Os chineses investem, assim, nas centralidades que o Governo angolano queria desenvolver, contratadas pelo Gabinete de Reconstrução Nacional e pagas pela Sonangol, com fundos próprios.