Empresas como a Portugália e a Padaria Portuguesa não vão mexer nos preços das refeições. McDonald’s opta por descer na maioria dos produtos.
Quando nesta sexta-feira pagar uma refeição num restaurante verá um novo número na factura. Quatro anos depois de o IVA ter subido para os 23% na restauração, a taxa intermédia dos 13% regressa aos restaurantes, ainda que limitada ao serviço de refeições, cafetaria e água. De fora ficam os sumos, refrigerantes e bebidas alcoólicas. Mas o que todos quererão saber é se, afinal, os preços vão ou não baixar.
As leis do mercado vão ditar o que se irá passar a partir de hoje, data em que entra em vigor a reposição nos 13% e já é certo que empresas como a Portugália ou a Padaria Portuguesa não vão mexer nos valores que praticam. Mas no negócio da restauração rápida, a McDonald’s decidiu reduzir preços em alguns produtos, num passo que poderá contaminar a concorrência.
Muito crítico desta medida, Nuno Carvalho, director-geral da Padaria Portuguesa, diz que apesar do impacto positivo nas contas, “a baixa do IVA não irá gerar criação de emprego, nem tão pouco resultará em reduções de preço para o consumidor”. “Consideramos a medida errada, sobretudo no enquadramento económico do país. Sendo um sector no geral ainda pouco profissionalizado, com recurso recorrente à evasão fiscal, existe uma grande oportunidade de profissionalização desta indústria e essa deveria ser a prioridade do Governo e dos vários agentes económicos”, declara. A Padaria Portuguesa pratica preços “competitivos”, pelo que “a alteração da taxa de IVA à partida não irá representar baixa nos preços”.
Maria Martins, responsável de comunicação do grupo Portugália Restauração, tem uma visão mais optimista. A adaptação às novas regras envolveu “alguma mão-de-obra interna de forma a garantir que os sistemas informáticos e de registo estivessem de acordo com a legislação que entra agora em vigor”. O dia 1 de Julho, diz, “gerou muita expectativa na área da restauração”. “A descida do IVA é muito positiva e para muitos negócios constitui uma oportunidade de crescimento”, defende.
Questionada sobre o impacto nos preços, Maria Martins recorda que o aumento do IVA para 23% em 2012, aliado ao travão nos gastos dos portugueses, levou a empresa a traçar um plano para “resistir à temporada difícil que se apresentava”. Parte do aumento foi assumido pela Portugália e a estratégia (que passou por uma nova política de descontos e aposta na formação dos trabalhadores, por exemplo) vai manter-se, não havendo, por isso, mexida nos preços.
No negócio da restauração rápida a reposição do IVA vai ter consequências imediatas. A McDonald’s decidiu baixar os preços “da maioria dos seus produtos”, tendo em conta a alteração da tributação, “bem como de outros factores”. Questionada sobre que outros factores motivaram a decisão, a empresa não adiantou mais detalhes. Por sua vez, a decisão da cadeia de restauração poderá influenciar a concorrência mais directa.
A Ahresp, associação que representa o sector da restauração, acredita que as empresas mais recentes terão maior "margem e rentabilidade" para conseguir reduzir preços no "curto imediato prazo". Já as que atravessaram o período de crise, darão o mesmo passo "assim que for possível", disse em entrevista ao PÚBLICO, o director-geral José Manuel Esteves.
Legislação “pouco clara”
Para conseguirem beneficiar do IVA a 13%, os empresários tiveram de fazer alterações aos sistemas informativos, adaptados a novas fórmulas de cálculo. O bastonário da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), António Domingues de Azevedo, afasta a ideia de haver confusão, porque, diz, o software permite facilmente incorporar as mudanças. “Poderá haver nesta fase inicial alguma necessidade de adaptação [por parte das empresas], mas isso é natural, faz parte das alterações”, sublinha.
O ex-deputado do PS sublinha que a alteração prevista no Orçamento do Estado (em vigor desde 31 de Março) já é conhecida “há muito tempo” e as instruções, publicadas através de um ofício da Autoridade Tributária, também já “são de conhecimento público”. À Ordem do Contabilistas também têm chegado dúvidas por parte das empresas. “Temos prestado as informações de acordo com o que está legislado e de acordo com o entendimento do legislador. Até porque nos parece que está correcto. Estamos a divulgar às pessoas sobre como devem proceder”, descreve. Esta semana a Ahresp, associação que representa o sector, organizou uma maratona de sessões de formação para empresários, onde é explicada a forma de aplicação do IVA, que passa a ter valores diferenciados consoante o serviço prestado.
Pedro Carvalho, director de departamento de estudos da Ahresp, diz que é nos menus que há “maior alteração” na forma como se coloca a reposição em prática. “Tem de haver um trabalho de pré-configuração dos menus que as empresas de software estão a desenvolver. Os empresários precisam de indicar que o menu é composto por diferentes itens e, na emissão da factura, tem de constar a proporção correcta do que é tributado a 13% e a 23%”, detalha. Por exemplo, num menu com um preço fixo de sete euros composto por prato, refrigerante e café vai ser preciso identificar a proporção de cada um destes produtos de acordo com a tabela de preços.
No caso dos serviços de take away mantêm-se as regras em vigor, com a diferença de a refeição ser taxada a 13%. Como se trata de uma “transmissão de bens” e não de uma “prestação de serviços”, o IVA aplicado aos produtos sempre foi diferente. Por exemplo, um néctar que é vendido para consumo fora do restaurante tem IVA a 6%; se for consumido dentro a taxa dispara para os 23%.
Esta diferença – com impacto nos preços ao consumidor – é muito criticada por Nuno Carvalho, director-geral da Padaria Portuguesa, que também aponta o dedo à legislação “pouco clara” e com “definições incongruentes e sem sentido”. “O sumo natural e o néctar têm taxa de 23% quando consumidos no estabelecimento, mas tem 6% quando consumido para fora. A que propósito?!”, dispara. “A cerveja para fora tem IVA a 13% e o vinho para fora 23%. A que propósito?!”, continua.
Nuno Carvalho diz que estes são exemplos que mostram “uma tremenda falta de consistência que tornam a gestão da operação no dia-a-dia mais complexa (por exemplo, a gestão de inventário e análise de rentabilidade do negócio) e complicam a vida aos consumidores”. “Quem toma estas decisões está muito longe da realidade dos negócios e do consumidor, que é realmente lamentável e inaceitável”, desabafa.
Com a reposição nos 13%, o executivo de António Costa assume a perda de receitas fiscais, que espera compensar com a criação de emprego no sector. Em declarações anteriores ao PÚBLICO, o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, afirmou que caso o impacto esperado não se concretize, "isso terá de ser estudado". "Enquanto ministro que tutela o consumidor e a concorrência, se visse que esta medida se revelava apenas no aumento das margens, ficava preocupado", disse.
Em 2017, o primeiro-ministro comprometeu-se a alargar os 13% a todos os serviços prestados pela restauração, o que fará subir o valor total da perda de receita fiscal. O Governo contabilizou, para os seis meses deste ano, uma perda de 175 milhões de euros. Replicando este valor para um ano completo, serão cerca de 350 milhões a menos nos cofres do Estado.
Os impactos no emprego vão começar a ser medidos a partir de agora, através de um grupo de trabalho onde está a Ahresp e vários ministérios, como a Segurança Social ou a Economia. “As empresas podem começar a usufruir desta medida por que todos ansiávamos depois de quatro anos desta luta”, diz Pedro Carvalho.
A reposição do imposto começou a ser aplicado à meia-noite. Se o pedido do cliente tiver sido feito antes, cobra-se na mesma os 13% se a conta for paga (e a factura emitida) a partir dessa hora.
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