Como não brincar com coisas sérias
Há uma narrativa que nos últimos anos se tornou dominante entre a elite governamental
africana, que defende a necessidade de um alinhamento mais próximo com a
China, em detrimento das velhas relações com os países ocidentais.
De acordo com essa narrativa, tal necessidade se deve à crença de que a China poderá
ser o novo motor a impulsionar o desenvolvimento económico de África, num modelo de
cooperação isento de condicionalismos políticos. A insistência do Ocidente em questões tais
como a necessidade de respeito pelos direitos humanos, democracia e uma gestão prudente
da economia como condições essenciais para alavancar o desenvolvimento económico em
África são exigências que para as elites governamentais do continente constituem um acto de
ingerência grosseira nos assuntos internos dos seus países.
Numa altura em que a China procurava afirmar-se como uma nova potência mundial, encontrou
em África terreno fértil para descarregar parte da sua liquidez em excesso, financiando
projectos de infra-estruturas, algumas das quais apenas de prestígio, mas de uma duvidosa
utilidade económica.
O entusiasmo pelo financiamento chinês não resulta apenas da convicção de que aquele país
não impõe condições políticas para a concessão de ajuda. É sobretudo devido às generosas
comissões que empresas chinesas contratadas para implementar projectos financiados pelo
seu governo pagam aos dirigentes africanos envolvidos na sua negociação.
Mas esta visão romântica sobre a China tem os seus limites. O mundo é mais complexo do
que a euforia de alguns políticos pode visualizar. No fundo, precisamos tanto da China como
de outros países que nos possam ajudar no nosso desenvolvimento.
De facto, dizer que é possível romper-se com um sistema que tem servido o mundo há já
séculos para abraçar uma nova parceria emergente e que ainda não se afirmou pode ser uma
grande utopia.
É testemunha disso o facto de que quando o FMI levantou questões complicadas sobre a verdadeira
dívida externa de Moçambique, o nosso governo entendeu a necessidade de despachar
de emergência o Primeiro Ministro Carlos Agostinho do Rosário para Washington, a fim de
ir explicar ao FMI os contornos que o levaram a esconder a magnitude dessa dívida ao FMI.
Ele não foi a Beijing pedir mais dinheiro.
E esta longa introdução vem mesmo a propósito da escandalosa dívida de quase 2 biliões de
dólares que o governo moçambicano desde 2013 conseguiu esconder ao FMI.
Depois da reestruturação da dívida de 850 milhões de dólares garantida pelo governo a favor
da EMATUM, ficou-se a saber que havia outras duas, que o FMI desconhecia, uma de 622
milhões de dólares para a PROÍNDICUS, e a outra de 500 milhões de dólares para o projecto
da Base Logística de Pemba.
De acordo com funcionários do FMI, trata-se provavelmente de um dos maiores escândalos
de ocultação de informação financeira à instituição por parte de um governo africano nos
últimos tempos.
A decisão imediata do FMI foi suspender a segunda tranche de 165 milhões de dólares de
um empréstimo de emergência, no valor total de 286 milhões de dólares, que o governo havia
conseguido negociar em Outubro do ano passado, precisamente para fazer face ao fardo do
compromisso da EMATUM.
Estima-se que com a decisão do FMI, Moçambique corre o risco de ver congelados cerca de
400 milhões de dólares de compromissos já acordados com outros parceiros, e destinados a
apoiar a balança de pagamentos.
Talvez uma boa lição para deputada Música e todos os que pensam como ela, é que toda
esta informação só se tornou pública através da imprensa internacional. Certamente que o
Primeiro Ministro não está entre os que pensam como ela, assim como o Comité Central do
seu próprio partido, que recomendou ao governo para que desse explicações ao público sobre
este assunto.
Mas talvez o mais importante é ponderar sobre as reais consequências de todo este imbróglio.
A primeira é sobre a atitude que os investidores terão sobre Moçambique. Normalmente
eles são avessos a países altamente endividados e sem capacidade de pagar as suas dívidas, o
que é certamente o nosso caso. Sem investimentos (domésticos e externos) o desemprego só
pode aumentar, o que será agravado com o cancelamento dos investimentos já realizados e
em operação.
Os investidores não abandonam os seus empreendimentos simplesmente porque o país está
altamente endividado. A escassez de financiamento externo à economia irá necessariamente
exercer uma maior pressão sobre o metical, tornando os custos operacionais insuportáveis para
que qualquer actividade económica se torne viável. A indisponibilidade de moeda externa
tornará também impossível que as empresas continuem a importar os bens que necessitam
para os seus sistemas de produção.
Num país que quase que importa tudo o que consome, a contínua pressão sobre o metical irá
agravar a inflação, colocando os consumidores numa situação de pobreza extrema, à medida
que o seu poder de compra vai reduzindo na proporção inversa à subida dos preços. Para os
que mantêm poupanças em meticais, o valor destas será progressivamente corroído à medida
que o metical vai perdendo a sua capacidade de resistência face ao dólar. As taxas de juro irão
possivelmente subir, agravando a situação daqueles que contraíram créditos junto da banca
quer para financiar projectos quer para a aquisição de bens fixos; muitos poderão vir a perder
as casas que estão a comprar com financiamento bancário.
E por fim, mas certamente que não menos importante, estará corroído todo o clima de confiança
que é necessário para que os credores internacionais e outros parceiros continuem a
levar o nosso governo como um interlocutor sério e que mereça o seu respeito. Um caso de
estudo sobre como não brincar com coisas sérias.
D urante toda a minha vida procurei não ter dívidas e, com pequenos momentos excepcionais, consegui-o. Neste momento descubro cada manhã, ao levantar-me da cama, que as minhas dívidas aumentaram de forma galopante. O primeiro sobressalto já foi há algum tempo quando, ao ler um artigo de uma revista francesa, descobri que tinha comprado uma frota de navios de pesca do atum. Ou alguém o tinha feito em meu nome. E assustei-me. A compra rondava os US$850 milhões o que, dividido pelos 22 milhões de moçambicanos, dava quase 39 dólares a cada moçambicano. E comecei a deitar contas à vida para saber onde poderia fazer mais uns biscates para conseguir pagar essa dívida, dado que, com os meus rendimentos actuais, isso seria difícil. Mais recentemente o Wall Street Journal veio aumentar as minhas angústias ao revelar que eu, ou alguém em meu nome, tinha sido avalista de uma outra dívida a favor da empresa PROINDICUS, ao que parece para comprar armamento. Dizem que esta começou nos cerca de US$ 600 milhões mas depois subiu até aos US$ 950 milhões. Ora, eu não preciso dessas armas para nada, sei que armas não geram rendimentos para pagar os empréstimos e, pelo contrário, geram destruição de pessoas e de bens. E, ao fazer as contas, descobri que, com isto, passei a dever mais 43 dólares. Somando aos 39 do atum a minha dívida pessoal subiu para 82 de dólares. Um desastre. Mas o pesadelo não estava no fim. Ao que parece fui também avalista (ou alguém o foi por mim) de mais um empréstimo, desta vez a favor da Base Logística de Pemba. Coisa para mais uns US$600 milhões. Mas as notícias desse empreendimento dizem que aquilo não anda nem desanda e que há mesmo o risco de a Annadarko e a ENI usarem instalações no sul da Tanzânia em vez de Pemba. Isto é de o empreendimento não vir a servir para nada, não gerar receitas e ser eu, e os outros 22 milhões de moçambicanos, a termos de pagar a dívida contraída. E isso significaria para o meu bolso um novo compromisso de 27 dólares. O que, somado aos outros 82, dá US$ 109. Pois é, leitor, descobri em pouco tempo que devo 109 dólares gastos nem eu sei bem em quê. Mas que gostaria de saber, dólar a dólar! Mas não se ria de mim porque, se você for moçambicano, também deve o mesmo que eu. E cada membro da sua família também deve os mesmos 109 dolares. Até o Antoninho, que ainda só gatinha, ou a Leninha, que ainda chupa na mama da mãe. Isto se o “filho mais querido da nação moçambicana” não nos tiver deixado mais outras surpresas destas, escondidas debaixo do tapete. E, é claro, tendo em conta que, com os juros e a desvalorização do nosso Metical estas quantias estão sempre a subir...
D urante toda a minha vida procurei não ter dívidas e, com pequenos momentos excepcionais, consegui-o. Neste momento descubro cada manhã, ao levantar-me da cama, que as minhas dívidas aumentaram de forma galopante. O primeiro sobressalto já foi há algum tempo quando, ao ler um artigo de uma revista francesa, descobri que tinha comprado uma frota de navios de pesca do atum. Ou alguém o tinha feito em meu nome. E assustei-me. A compra rondava os US$850 milhões o que, dividido pelos 22 milhões de moçambicanos, dava quase 39 dólares a cada moçambicano. E comecei a deitar contas à vida para saber onde poderia fazer mais uns biscates para conseguir pagar essa dívida, dado que, com os meus rendimentos actuais, isso seria difícil. Mais recentemente o Wall Street Journal veio aumentar as minhas angústias ao revelar que eu, ou alguém em meu nome, tinha sido avalista de uma outra dívida a favor da empresa PROINDICUS, ao que parece para comprar armamento. Dizem que esta começou nos cerca de US$ 600 milhões mas depois subiu até aos US$ 950 milhões. Ora, eu não preciso dessas armas para nada, sei que armas não geram rendimentos para pagar os empréstimos e, pelo contrário, geram destruição de pessoas e de bens. E, ao fazer as contas, descobri que, com isto, passei a dever mais 43 dólares. Somando aos 39 do atum a minha dívida pessoal subiu para 82 de dólares. Um desastre. Mas o pesadelo não estava no fim. Ao que parece fui também avalista (ou alguém o foi por mim) de mais um empréstimo, desta vez a favor da Base Logística de Pemba. Coisa para mais uns US$600 milhões. Mas as notícias desse empreendimento dizem que aquilo não anda nem desanda e que há mesmo o risco de a Annadarko e a ENI usarem instalações no sul da Tanzânia em vez de Pemba. Isto é de o empreendimento não vir a servir para nada, não gerar receitas e ser eu, e os outros 22 milhões de moçambicanos, a termos de pagar a dívida contraída. E isso significaria para o meu bolso um novo compromisso de 27 dólares. O que, somado aos outros 82, dá US$ 109. Pois é, leitor, descobri em pouco tempo que devo 109 dólares gastos nem eu sei bem em quê. Mas que gostaria de saber, dólar a dólar! Mas não se ria de mim porque, se você for moçambicano, também deve o mesmo que eu. E cada membro da sua família também deve os mesmos 109 dolares. Até o Antoninho, que ainda só gatinha, ou a Leninha, que ainda chupa na mama da mãe. Isto se o “filho mais querido da nação moçambicana” não nos tiver deixado mais outras surpresas destas, escondidas debaixo do tapete. E, é claro, tendo em conta que, com os juros e a desvalorização do nosso Metical estas quantias estão sempre a subir...
Opinião | "Escândalo Divida Pública" -De: Marcelo Mosse
UM RETRATO LIMITADO
DA CRISE QUE NOS BATE A PORTA.
----->> Parece que muita malta ainda não enxergou o que nos espera nos próximos três anos....
Por: Marcelo Mosse -www.facebook.com/marcelo.mosse.
Beira (Magazine CRV) -- Parece que muita malta ainda não enxergou o que nos espera nos próximos três anos – período estimado para as coisas voltarem a normalidade – mas o drama que se segue é tremendo. Meu amigo Teo Nhagumele escreveu uma prosa bastante elucidativa sobre isso. Ontem liguei-lhe brincando que eu tinha uma notificação para ele ser ouvido por actividades subversivas. Ele deu uma risada interminável e concordamos que ele escreveu o sentimento de muitos.
Os mais velhos se recordam do Programa de Ajustamento Económica, o PRE, introduzido em 1987. Naquele tempo havia dois mercados: um com preços administrados e outro com preços de mercado, o chamado paralelo. Era mais barato comprar no mercado oficial porque o Estado subsidiava os preços. Nos mercados paralelos as coisas eram mais caras. E havia também uma gritante diferença no mercado cambial.
Uma das consequências da crise é entregarmos a gestão das finanças públicas ao FMI. Não há saída. Ou abismo ou FMI. Ou viramos párias nos mercados financeiros internacionais ou entregamos nossa soberania por uns tempos. E quanto mais cedo melhor. Aliás, o Governo já devia estar a escrever uma Carta ao FMI solicitando o seu apoio. A situação não é como a da Argentina, que optou pelo calote, recusado pagar.
Nossa via é a da reestruturação da dívida (e isto é matéria para outro post pois a reestruturação vai ser problemáticas pois ela não implica abordar apenas a Proindicus, a Base Logística e outros créditos de investidores ocidentais, mas também a dívidas com o Brasil, a China e Portugal, para dizer Aeroporto de Nacala, Moamba Major, Circular de Maputo, Ponte da Catembe, etc).
Mas o que significa mesmo a entrada do FMI? Significa que o Estado vai deixar de subsidiar a economia. Significa que nossa economia se torna uma economia de mercado, de facto. Sobe a gasolina, sobe a água, a luz e tudo em cascata. Agrava-se a crise imobiliária em virtude do abrandamento do estrangeiro. O Metical perde cada vez mais força. E creio que coisas com a LAM vai ter que ser avaliadas. Na verdade, os subsídios ao sector empresarial do Estado serão cortados.
A situação de fragilidade negocial do Governo levará a tomada de decisões difíceis. E se os americanos forçarem a montagem de uma Base Naval em Moçambique? A crise já é sentida nas camadas periféricas. Mas ela já está a bater as portas das classes médias urbanas. Os atrasos salariais na função pública serão frequentes. Haverá despedimentos no sector privado. A lista é interminável…um legado difícil. - (Redacção, extraído daqui: https://www.facebook.com/photo.php…)
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