“Há camaradas que se arvoram
o direito de serem ricos, mesmo
que seja às custas do povo”
Por Argunaldo Nhampossa
Oprimeiro ministro da
Saúde no período pós-
-independência e combatente
da luta de libertação
nacional, Hélder Martins, criticou
a postura de alguns camaradas de
primeira linha na Frelimo, que
hoje, mais do que com a população,
preocupam-se com a acumulação
de riqueza, nem que isso implique
sacrificar o povo.
Martins diz-se triste por os antigos
colegas de armas se terem esquecido
dos ensinamentos de Samora
Machel, que pregava a máxima de
que os dirigentes deviam ser os últimos
nos benefícios.
Num registo mais político, apelou
aos “políticos que se entendam”,
como forma de se encerrar a tensão
política e militar em que o país está
mergulhado.
Lamentou o estado deplorável em
que se encontra o Sistema Nacional
de Saúde (SNS), do qual é por
muitos considerado “construtor”.
Hélder Martins falava esta segunda-feira,
durante a cerimónia em
que lhe foi conferido o grau de doutor
“honoris causa” em Ciências de
Saúde, pelo Instituto Superior de
Ciências e Tecnologias (ISCTEM).
Foi um gesto de reconhecimento
pelo trabalho desenvolvido por
Hélder Martins no domínio da
saúde no país, desde a luta de libertação
nacional até à independência.
Nas suas primeiras palavras, após
ser conferido o grau, Hélder Martins
fez uma introspecção sobre o
sector da saúde e abordou as querelas
verificadas nos dois últimos anos
do consulado de Armado Guebuza,
marcados por aquilo que chamou
“de hostilidade, incompreensão e
desrespeito pelos direitos elementares
dos médicos e, ainda, negligência
em relação ao SNS”.
Recorde-se que a classe médica
levou a cabo a primeira greve no
sector público, jamais havida na
história do país. Como forma de
reprimir e desencorajar actos similares,
vários médicos foram vítimas
de perseguições, num processo considerado
“caça às bruxas”.
No entanto, o “honoris causa” saudou
o gesto do actual chefe de Estado,
que, no dia 28 de Março, Dia
do Médico, juntou-se à classe nas
celebrações da efeméride.
Com esta atitude, Martins diz que
viu em Filipe Nyusi uma vontade
firme de virar a página e iniciar um
novo tipo de relacionamento, quer
com os médicos, quer com outros
profissionais da saúde.
Para tal, o ponto de partida seria
a revisão do Estatuto do Médico,
pois, no seu entender, o mesmo não
reflecte as aspirações da classe, com
a agravante de ter sido aprovado em
condições adversas e não ter sido
implementado na sua plenitude.
Dedicou a distinção a todos os mé-
dicos e, em particular, aos que participaram
na construção do Serviço
Nacional de Saúde nas zonas libertadas,
durante a Luta de Libertação
Nacional.
“Nós desenvolvemos um Serviço
Nacional de Saúde baseado na
abordagem de cuidados de saúde
primários e numa política farmacêutica.
O nosso sistema de
saúde foi louvado pela OMS como
um exemplo, não só para África,
mas para o mundo”, disse.
Quatro décadas depois de ter instalado
o SNS, o cenário mudou e não
agrada a Hélder Martins.
“É com profundo desgosto e tristeza
que afirmo que se constata que
esse Serviço Nacional de Saúde está
muito maltratado, subfinanciado,
carente dos suprimentos essenciais,
com uma grande ineficiência
e, em relação ao seu equipamento
humano, embora se tenham registado
ligeiras melhorias nos últimos
anos, em média, existe uma muito
baixa qualificação e capacidades
técnicas e éticas do pessoal, pior
ainda, não existe qualquer visão estratégica
de como abordar os reais
problemas de saúde da população”,
destacou perante uma plateia repleta
de profissionais de saúde, com
destaque para a ministra do pelouro,
Nazira Abdula, o seu vice, Mouzinho
Saíde, e mais dois antigos ministros,
nomeadamente Leonardo
Simão e Alexandre Manguele.
Prosseguindo, manifestou a sua
preocupação com alguns colegas
da classe que não respeitam o seu
juramento e não guardam sigilo
profissional, tendo apelado a todos
para a estrita observância do dever
médico.
Ganância pela riqueza
Depois de se formar em medicina
em Portugal, onde obteve uma das
melhores notas, Hélder Martins
cumpriu o Serviço Militar Obrigatório
em Moçambique e esteve
afecto à Marinha de Guerra, onde
veio a desertar para se juntar à
UDENAMO na Tanzânia e mais
tarde participou na fundação da
Frelimo em 1962.
Diz que na Frelimo, Samora determinou
que “O dever de cada um de
nós é... sermos os últimos quando se
trata de benefícios, primeiros quando
se trata de sacrifícios!» mas hoje
os mesmos camaradas se arvoram o
direito de serem ricos, nem que seja
à custa do sacrifício do povo.
O antigo combatente diz que várias
vezes se questiona porque é que há
gente que quanto mais rica é (sabese
lá como), mais rica quer ser e não
percebe onde, quando e como perderam
os ensinamentos de Machel.
Por favor! Entendam-se
Outro tema incontornável por estes
dias é a tensão política e militar que
vai ceifando vidas e sem soluções
à vista. Entende que usar o termo
“instabilidade político-militar” é
uma maneira suave de dizer que
não estamos em paz e ainda não
estamos perante uma guerra declarada,
mas uma guerra surda, com
mortos, feridos e, a cada dia, mais
raptos e assassinatos, com claras
motivações políticas. Fazendo uma
relação entre a guerra e a saúde,
o ex-ministro da Saúde afirmou
que os profissionais da área são os
Por Argunaldo Nhampossa
primeiros a intervir e a observar os
horrores dos conflitos armados.
Segundo Hélder Martins, a guerra
gera problemas de saúde pública,
porque provoca deslocações da
população, dentro e fora do território
nacional, e cria situações de
insegurança alimentar, fome e desnutrição.
A guerra, prosseguiu, expropria as
populações do seu modo de vida e
impõe-lhes péssimas condições de
habitação, acesso à água, saneamento
e priva muitos cidadãos do acesso
a serviços básicos de saúde com
agravante de gerar uma hemorragia
do orçamento da saúde.
Perante estas situações, Hélder
Martins diz que a classe médica e
outros profissionais da saúde não
podem ficar resignados diante da
falta de paz no país, exortando-os
para levantarem bem alto a voz e
gritarem pela paz.
Não tragam problemas, mas
soluções
Depois de ouvir com atenção o discurso
do distinguido, o Presidente
da República, Filipe Nyusi, disse
que o facto de o plano estratégico
da saúde não se mostrar adequado
prova que os médicos não participaram
o suficiente para evitar essas
situações.
Segundo Nyusi, é preciso que a
classe médica se envolva de corpo
e alma na resolução dos problemas,
pois a visão estratégica deve
ser pensada pelos próprios médicos
e outros profissionais do sector da
saúde.
Apelou para que não tragam problemas,
mas sim soluções, uma vez
que é desejo de todos os países, a
nível mundial, ter um plano e uma
visão estratégica promissora para os
principais problemas.
De acordo com Nyusi, a concessão
do título “honoris causa” a
Hélder Martins é justa e oportuna
por homenagear os feitos de um
homem que muito fez pelas ciências
humanitárias no país, desde a
luta de libertação nacional, prestando
assistência médica aos guerrilheiros,
passando pela independ-
ência nacional e, por fim, o trabalho
que desenvolveu na Organização
Mundial da Saúde.
África precisa de travar roubo de recursos naturais
Assustadores, os números de 2015 indicam para USD 50 milhões perdidos por ano e USD três triliões nos últimos 50 anos
- No esquema, estão metidas as elites predadoras que controlam os governos nacionais
Por Armando Nhantumbo, em Addis Abeba
Reunidos de 31 de Março a
5 de Abril em Addis Abeba,
capital Etíope, naquela
que é conhecida como a
Semana de Desenvolvimento Africano,
os governos africanos voltaram
a reafirmar o compromisso de
tudo fazerem para desenvolver os
seus países através da domestica-
ção e consequente implementação
da Agenda 2063 e dos Objectivos
de Desenvolvimento Sustentável.
Trata-se de declarações de intenções
que já não surpreendem a ninguém,
visto que tem sido essa a regra dos
países africanos nas suas magnas reuniões.
Mas a África não precisa de
declarações de intenções, até porque
as têm em demasia, o que o continente
precisa é de passos concretos
que, entretanto, se mostram tímidos.
Uma das principais indústrias que
pode, hoje, alavancar muitas economias
africanas é a dos recursos naturais
como minerais e hidrocarbonetos
que abundam em países como
Moçambique. São países que, no
seu discurso oficial, vêm afirmando
e reafirmando há anos o compromisso
de colocar a indústria extractiva
ao serviço dos seus respectivos
povos, através da boa governação e
transparência.
Mas a realidade tem revelado que a
bênção dessas riquezas naturais tem
sido transformada, pelas elites predadoras,
numa maldição. O que sobra
para as comunidades são os prejuízos,
como o custo de vida que disparou
em Moatize, na província de Tete ou
Pemba em Cabo Delgado; como as
mortes nos rubis de sangue de Namanhumbir
em Cabo Delgado, ou
os buracos provocados pela extracção
das areias pesadas de Moma, em
Nampula.
Em 2015, por exemplo, os fluxos financeiros
ilícitos foram responsáveis
pela perca de 50 milhões de dólares
em todo o continente, contra três
triliões de dólares nos últimos cinquenta
anos.
Nisto, alguns governos africanos, em
conluio com algumas corporações
multinacionais, têm sido responsáveis
pelas actividades corruptas, com vista
a evitar o pagamento de impostos,
como assinala o antigo presidente
sul-africano, Thabo Mbeki, para
quem a corrupção é parte integrante
dos fluxos financeiros ilícitos.
Foi Mbeki que afirmou em Maio
de 2015, na cidade sul-africana de
Joanesburgo, perante membros da
Assembleia Pan-Africana, que os
fluxos financeiros ilícitos dilaceram
as economias dos países africanos
e a corrupção continua a ser uma
grande preocupação, apesar da adop-
ção global e regional de medidas para
combatê-la. Isso mesmo, adopção de
medidas globais, como os recentes
compromissos de Addis Abeba, que
depois não são cumpridos.
A história recente de Moçambique
está repleta desses exemplos de fluxos
financeiros ilícitos que beneficiam
uma minoria predadora em detrimento
da esmagadora maioria da
população que o discurso oficial diz
estar a servir. Podemos citar, aleatoriamente,
dois apenas.
A exploração de gás de Pande e Temane
na província de Inhambane,
de onde a multinacional sul-africana
Sasol arrecada, de acordo com pesquisas,
fabulosos lucros que beneficiam
a África do Sul em detrimento
de Moçambique, é um dos exemplos.
Outrossim, em 2015, um suposto
caso de corrupção e tráfico de influências
envolvendo a petrolífera
italiana ENI e o ex-Presidente
moçambicano agitou Maputo, com
vários sectores a pedirem a investigação
de Armando Guebuza que era
acusado de ter oferecido àquela empresa
multinacional uma isenção de
impostos na venda das suas acções à
China National Petroleum Corporation
(CNPC) em troca de favores
não especificados, num negócio que
não terá sido tratado directamente
com o Estado, através da Autoridade
Tributária, como é suposto, mas sim
pessoalmente com Guebuza.
As revelações que surgiram na sequência
de uma investigação sobre
corrupção internacional contra Paolo
Scaroni, antigo administrador da
ENI, levada a cabo pela Procuradoria
de Milão, davam conta ainda, citando
gravações telefónicas no poder da
PGR italiana, de que o antecessor de
Filipe Nyusi terá oferecido um terreno
paradisíaco no Bilene, no sul de
Moçambique, “com a possibilidade
de um DUAT (Direito de Uso e
Aproveitamento da Terra) válido por
40 anos”.
Como não podiam fugir à regra, na
semana do Desenvolvimento Africano
2016, os países africanos voltaram
a dizer sim à transparência na gestão
dos recursos naturais em prol do desenvolvimento
das suas economias.
Reafirmaram que o futuro de África
está nas mãos dos africanos, sendo
que o necessário é os africanos usarem
os recursos limitados que têm
com inteligência para gerar riqueza
e, consequentemente, o desenvolvimento.
Até porque o tema sobre os fluxos
financeiros ilícitos foi dominante na
abertura do evento, com os participantes
a reconhecerem que esta tem
sido uma das principais razões que
atrasam o desenvolvimento africano,
visto que a saída de recursos naturais
sem o pagamento das devidas receitas
impede a criação de infra-estruturas
sócio-económicas básicas que ainda
faltam em vários países detentores de
reservas minerais e hidrocarbonetos.
ActionAid exige resposta
unida
Aliás, dois dias antes do arranque
do mega evento que juntou a nata
de economistas africanos em Addis
Abeba, a ActionAid, uma organização
internacional de advocacia
pela justiça fiscal e tributação, juntou
jornalistas de diferentes países africanos
que discutiram a problemática de
fuga ao fisco.
Nesse encontro de um dia, ficou
acordado que é preciso continuar-se
com o barulho para forçar os governos
africanos a garantirem que
a exploração dos recursos naturais
beneficiem os respectivos países e
comunidades, o que passa necessariamente
por as elites africanas se
desmamarem de esquemas corruptos
através dos quais se beneficiam, em
conluio com as multinacionais, dos
recursos que deviam beneficiar a todos.
Para a ActionAid, os governos africanos
precisam ter um acordo comum
sobre como lidar decisivamente com
os fluxos financeiros ilícitos até para
garantir o cumprimento da Agenda
2063 e os Objectivos de Desenvolvimento
Sustentável sobre os quais
reafirmaram compromissos na capital
Etíope.
De acordo com Luckystar Miyandazi,
da ActionAid, os governos africanos
devem aproveitar os recursos
do continente para alcançar uma
transformação sócio-económica positiva
dentro dos próximos 50 anos, o
que só será possível se as nações estiverem
conectadas nos esforços para
travar as brechas através dos quais o
continente perde recursos necessários
para o desenvolvimento.
Disse Miyandazi: “o continente tem
de agir em harmonia para lidar com
as práticas de evasão fiscal por muitas
multinacionais e grandes corporações
que continuaram a sugar o
continente e fazendo com que seus
cidadãos possam viver em extrema
pobreza e da desigualdade, apesar dos
enormes recursos à sua disposição”.
Segundo a queniana, alcançar a
sustentabilidade social, económica
e política à luz dos 20 objectivos
da Agenda 2063 e das 17 metas
dos Objectivos e Desenvolvimento
Sustentável só será possível se os lí-
deres forem capazes de implementar
as recomendações produzidas no
evento, o que significa que mais do
que assumir compromissos, o mais
importante é a sua implementação
que em África se tem revelado problemática.
Zuma diz que é tempo de
agir
Que nas suas reuniões os países africanos
têm se revelado especialistas
em assumir compromissos que depois
não cumprem, parecia uma percepção
apenas de críticos idealistas.
Mas na recente reunião de Addis
Abeba, a Presidente da Comissão
da União Africana (UA), Nkosazana
Dlamini-Zuma, disse, publicamente,
que os países africanos precisam de
passar das promessas para a prática.
Falando diante de ministros africanos
reunidos no evento organizado
pela Comissão da União Africana e
da Comissão Económica das Nações
Unidas para a África, Nkosazana
Dlamini-Zuma, 67 anos de idade,
deixou claro que os países africanos
ou avançam para o desenvolvimento
ou se mantêm nas declarações de intenções.
“Temos de passar das promessas à
prática”, desafiou a sul-africana que
em Junho deste ano poderá largar a
presidência da Comissão da UA.
A primeira mulher a chefiar a Comissão
da UA chegou a questionar,
metaforicamente, aos ministros africanos
se “vamos continuar a importar
medicamentos e vacinas fora de
prazo” quando temos a capacidade
de produzir, bastando o uso racional
dos nossos recursos para gerar crescimento
económico e industrialização.
De resto, os dois dias da conferência
de ministros africanos foram antecedidos
por quatro dias de vários encontros
inseridos na Nona Reunião
Conjunta da Comissão Técnica
Especializada em Assuntos Monetários,
Planeamento e Integração
Económica que, sob lema “Para uma
abordagem integrada e coerente para
a implementação, acompanhamento
e avaliação da Agenda 2063 e os Objectivos
de Desenvolvimento Sustentável”,
peritos na área passaram
em revista os desafios e apontaram
soluções para o crescimento dos
países africanos.
Nas várias mesas redondas, os peritos
assumiram vários compromissos
que, se implementados, podem tirar
a África da miséria.
Concordaram os governantes africanos
que o futuro de África está nas
mãos dos africanos, reafirmando que
o necessário é os africanos usarem os
recursos limitados que têm com inteligência
para gerar riqueza e, consequentemente,
o desenvolvimento.
Assinalaram que os países precisam
de domesticar a Agenda 20163 e
os Objectivos de Desenvolvimento
Sustentável, mas reconheceram que
os conflitos que assolam vários países
como Moçambique dificultam a implementação
desses instrumentos,
pelo que a África, mais do que nunca,
precisa de respirar a tranquilidade
para caminhar rumo a um futuro
risonho.
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