Francisco, símbolo de mudança: Voz da Rússia

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Serguei Duz

15.03.2013, 11:14, hora de Moscou

AFP

O conclave, reunido na Capela Sistina do Vaticano, elegeu o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires de 76 anos, como novo Papa. Para muitos expertos, o fato de o novo Sumo Pontífice não ser originário da Europa, é quase uma última chance do Vaticano, que não encontra compreensão da Europa secularizada.

Pela primeira vez na história da Igreja Católica Romana o pontífice adotou o nome papal de Francisco. O paralelismo com São Francisco de Assis, fundador da Ordem dos Frades Menores (chamados também de frades cinzenos, devido ao hábito cinzento que usavam), é muito importante para entender a essência dos acontecimentos presentes.

Os franciscanos professavam a pobreza absoluta, sendo em várias ocasiões acusados de heresia, seja dito a propósito, porque na atitude deles se adivinhava uma alusão incômoda à avareza da cúria. Mas essa prédica encontrava a compreensão do povo, que entendia a profundeza abismal entre a miséria de sua existência habitual e a vida luxuriosa dos bispos pregoeiros da paciência.

O protodiácono Andrei Kurayev, professor catedrático da Academia Eclesiástica de Moscou, enfatiza que São Francisco é o apóstolo da miséria. Suas ideias não servem para os europeus modernos, que já há muito se acomodaram e arraigaram fortemente no cume mesmo da sociedade de consumo. Não faz sentido dirigir-lhes hoje a prédica da auto-limitação. Portanto, faz sentido que a Igreja se concentre num rebanho diferente. Opina o redator-chefe da revista Rússia na Política Global, Fiodor Lukianov:

"Do ponto de vista político, o mais interessante é a aparição do Papa oriundo do Novo Mundo. Ultimamente, tem-se falado muito de que já é a hora de ir além dos limites do continente tradicional, porque o principal rebanho não fica na Europa. Lidamos com uma espécie de “Obama católico”. A eleição de Barack Obama também foi abordada por muitos como uma revolução. Certamente, o cardeal Bergoglio é de ascedência e, portanto, cultura italianas. Ele não é absolutamente estranho para o Vaticano. Mas ele não é italiano por seu ministério. Isso é natural. Porque o foco da política internacional está sendo deslocado da Europa para outros continentes. A causa de consolidação do poder moral da Igreja Católica Romana (tendo em conta a instituição mundial) requeria envolvimento da América Latina, onde moram a maioria dos católicos."

Um dado interessante é que na Europa estão ocorrendo dois processos contrários. Por um lado, a Igreja Católica perde as posições. Por outro, o lugar dos cristãos é ocupado por muçulmanos. Nesse sentido, a opinião europeia exige ao catolicismo algo impossível. Legalizando os estupefacientes, a libertinagem sexual, os casamentos homossexuais (e, ainda mais, insistindo em consagrá-los em nome do Salvador), e outros vícios – uma relação perfeita dos pecados capitais – a Europa empurra o Vaticano para buscar novos horizontes. Provavelmente, a América do Sul é sua última chance. Porque a fé segue vivendo aí nas almas humanas, ainda não se converteu em tradição desvirtuada e coberta de musgo, uma dádiva de deferência aos antecessores.

No entanto, os dogmas religiosos divergem cada vez mais das realidades da vida não só na Europa. Reparemos no preceito de “Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido”, que fica expressamente obsoleto em ambos os lados do Atlântico, porque contradiz não só os padrões da vida da sociedade laica, mas também as leis dos países antanho cristãos. Os especialistas, porém, têm grandes dúvidas de que o Papa Francisco assuma compromissos em tais questões.

De acordo com Fiodor Lukianov, “pode haver atualização e atualização. Afinal de contas, a atualização do Islã, por exemplo, decorre em muitos países sob o lema de retorno às raízes. Se por atualização e aggiornamento se entende uma adaptação ao mundo cada vez mais liberal e secular da Europa, tal projeto, acho eu, não passará. O Papa parece ser uma pessoa de fortes convições conservadoras. Sem dúvida alguma, o novo pontífice não irá flutuar ao sabor da corrente predominante na sociedade laica. A questão de justiça e auto-limitação passam a ser hoje em dia uma das questões fundamentais da política e economia mundiais: a justiça da distribuição das riquezas e a auto-limitação do consumo, para não “inflar a bolha” da economia. Naturalmente, a Igreja fica de certa maneira além desse paradigma. Todavia, não é menos importante demonstrar uma abordagem alternativa da vida".

O novo pontífice ver-se-á, incontestavelmente, na obrigação de defender suas convicções. Mas, ao julgar por todos os indícios, mais cedo ou mais tarde, a Igreja terá que repensar sua moral tradicional e patriarcal. Caso contrário, terá que se conciliar com a redução constante do número de fiéis em todo o mundo. E, como consequência, com a redução de sua influência sócio-política e a estagnação ulterior que, certamente, será aproveitada pelos concorrentes mais afortunados.